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Brasília

Escolas militares: em Goiás, modelo colhe bons frutos

Arquivo Geral

19/02/2019 7h00

Atualizada 18/02/2019 22h14

Foto: Vítor Mendonça/Jornal de Brasília.

Ana Karolline Rodrigues
João Paulo Mariano
[email protected]

Enquanto o Distrito Federal acompanha os primeiros dias de gestão compartilhada entre Polícia Militar e Secretaria de Educação em quatro escolas, o estado de Goiás colhe os frutos de pouco mais de uma década de implementação. O modelo instituído aqui se inspirou na unidade da Federação vizinha. O Jornal de Brasília foi a Valparaíso (GO), na Região Metropolitana do DF, para conferir um pouco da rotina de uma escola “militarizada”.

No Colégio Fernando Pessoa, localizado no Jardim Céu Azul, o modelo militar existe desde 2014 em um sistema híbrido. Ou seja, a administração é assumida por militares, enquanto a parte pedagógica (professores e disciplinas) segue sob controle da Secretaria de Educação do estado.

Em todo o estado, 60 escolas funcionam nesse modelo, sendo a primeira desde 1998. Segundo a secretária estadual de Educação, Cultura e Esporte de Goiás (Seduce), Fátima Gavioli, a intenção é inserir o projeto em outras 31 unidades até o fim deste ano. “Já é considerado um modelo de sucesso. Os militares são eficientes na proposta. Pegam uma escola que está abandonada porque tem muita evasão, entram na comunidade e no próximo ano já tem fila de espera”, descreve.

De acordo com o capitão Eric Chiericato, que assumiu a direção do Colégio Fernando Pessoa, o modelo foi autorizado em 2013 e, em janeiro de 2014, o ano letivo já começou com a presença dos militares na instituição da rede pública. Ele explica que o principal motivo para a escolha do colégio foi a falta de segurança que havia na época.

“Esse era um dos colégios mais perigosos de Valparaíso. A partir do momento em que foi entregue à gestão militar, mudou tudo. Ali na frente era chão batido, não tinha comércio, iluminação. Era bem perigoso. Em 2012 ou 2013, teve até um homicídio aqui dentro, mataram um rapaz. Então foi implementado com esse intuito [segurança]. As escolas foram selecionadas por ter uma carência socioeconômica maior. Em Anápolis foi assim, em Luziânia também”, relata.

Ensino de novas atitudes

Para a implementação do modelo no único colégio militar de Valparaíso, o capitão Eric conta que houve estudo prévio, tanto por parte da PM, quanto da Secretaria de Educação. Hoje, há 29 militares, entre efetivos e reconvocados (que voltaram da Reserva). “Eles cuidam da parte disciplinar, gestão, segurança e da aula de Noções de Cidadania, que é a única disciplina ministrada por militares”, explica.

Cidadania, hierarquia e disciplina são os principais ensinamentos. “Sujou, limpou. Quando um professor entra, a turma fica de pé”, diz. “A farda é cobrada, o corte de cabelo é padronizado. No dia que o aluno é matriculado, ele recebe uma agenda que contém todas essas regras”, completa.

Após a “militarização”, o capitão reforça que as mudanças foram incontáveis. “A demanda é enorme, já não temos mais vagas”, afirma. “Vemos mudança em todos os aspectos, temos resultados extremamente positivos. Os pais agradecem. E no que tange à parte pedagógica, todas as metas foram atingidas, os números só cresceram”.

Foto: Vítor Mendonça/Jornal de Brasília.

Mais responsabilidade e disciplina na rotina

Matriculados do sexto ao terceiro ano, cerca de 1.400 alunos têm aula no Colégio Fernando Pessoa de manhã e de tarde. Uma das estudantes é Thaís Angelina, 16 anos, que cursa o terceiro ano do Ensino Médio. Ela está há dois anos na instituição militar. “No começo, achei muito estranho. Mas percebi que fui criando mais responsabilidade aqui na escola e até na vida pessoal mesmo”, avalia.

Para Thaís, mesmo com uma exigência maior de disciplina, ser aluna dessa escola vale a pena tanto pelo bom ensino pedagógico, quanto pelo aprendizado com os militares. “São profissionais muito capacitados”, afirma. “Eu vim por já ter uma paixão pelo militarismo mesmo. Quero fazer vestibular para fisioterapia, mas depois estudar para concurso para ser perita criminal”, deseja.

Se antes da mudança de modelo o Colégio Fernando Pessoa, como tantos outros de Goiás, eram evitados, agora a procura é maior que a demanda. A secretária estadual Fátima Gavioli afirma que há uma escola com lista de espera de 2 mil nomes, e as 1,2 mil vagas preenchidas imediatamente.

“A evasão é zero. Só abre vaga quando a pessoa se forma. Dificilmente os pais tiram da escola e colocam em outra”, explica. A secretária observa que os alunos se tornam mais conscientes em relação ao ambiente escolar. As crianças e adolescentes auxiliam até na limpeza de espaços, como quadras de esporte. “A noção de civilidade é maior”, complementa.

Como vai ser no DF

Aqui no DF, a implementação é discutida desde o início deste ano, quando o modelo foi anunciado pelo governador Ibaneis Rocha e pelo secretário de Educação, Rafael Parente. De lá para cá, ocorreram inúmeras discussões para que o modelo fosse implementado.

No último dia 11, alunos de quatro escolas começaram a estudar sob tutela da gestão compartilhada. São elas: Centro Educacional 3 de Sobradinho; Centro Educacional 308 do Recanto das Emas; Centro Educacional 1 da Estrutural; e o Centro Educacional 7 de Ceilândia.

De acordo com a Secretaria de Educação do DF, as unidades foram escolhidas segundo critérios variados, incluindo o Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (IDEB), Índice de Desenvolvimento Humano (IDH), mapa da violência na região e se a estrutura física existente permite acolher atividades de contraturno. Ainda segundo a pasta, há a possibilidade de expandir o modelo ainda neste ano.

Desde o início das aulas, entre 20 e 25 policiais militares começaram a atuar nas escolas, variando de acordo com o número de alunos. O efetivo da PM e do Corpo de Bombeiros foi selecionado dentre os que estão na reserva ou impedidos de trabalhar na rua por alguma dispensa médica. Eles atuam na gestão disciplinar das unidades, além de atividades relacionadas a cultura cívico-militar, como ética e cidadania, música e esportes.


NÚMEROS

60
escolas têm o modelo militar em Goiás
31
devem ter a implementação em breve
1998
foi ano em que primeira escola goiana recebeu o sistema


Sistema dentro da lei

Na semana passada, o Ministério Público do DF e Territórios (MPDFT) emitiu parecer favorável ao projeto de militarização das escolas. A nota foi assinada pelas titulares das Promotorias de Justiça de Defesa da Educação (Proeduc), Cátia Gisele Vergara e Márcia da Rocha.

Para as promotoras de Justiça, o documento foi expedido dentro dos limites regulamentares e do poder discricionário do Executivo. Além disso, está em consonância com os princípios norteadores da educação, entre os quais a gestão democrática, a universalidade e a gratuidade do ensino público.

Apesar de o modelo aplicado no DF ser inspirado em Goiás, haverá algumas diferenças. Uma delas é referente à gestão. Enquanto no estado goiano a direção da escola é feita por um militar, no DF ela é mantida também por um professor escolhido pela comunidade.

Outro fator é que, segundo a Secretaria de Educação do DF, aproximadamente R$ 200 mil foram designados para a implementação do sistema em cada escola, custeados pela Secretaria de Segurança. Já no estado de Goiás, não há aporte financeiro.

“Essas escolas têm um regimento que cria uma associação de pais e mestres. Por meio dela, há uma contribuição voluntária para as melhorias necessárias”, diz a secretária estadual de Educação, Cultura e Esporte de Goiás, Fátima Gavioli.

Ponto de Vista

O especialista em educação da Universidade Estadual de Goiás (UEG) Alexsander Batista e Silva reconhece que as escolas que passaram pela mudança de modelo tiveram uma melhora do ponto de vista dos números de vagas e de notas das provas de avaliação. Porém ,ele observa que a maior mudança para chegar até essa melhora não é nem a disciplina, mas a estrutura que a escola recebe. A instituição, por exemplo, pede uma contribuição dos pais, o que auxilia a fazer renovações nos espaços – coisa que as escolas geridas por civis não têm. “Esse modelo não ensina a ser crítico e questionador, o que faz parte de uma educação progressista. Quem não se adequa tem que se retirar”, compara o especialista.

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