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Brasília

Cenas de terror no Dia de Finados no Distrito Federal

Arquivo Geral

02/11/2018 10h02

Foto: Raianne Cordeiro/Jornal de Brasilia

Raphaella Sconetto
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Não é permitido morrer no Distrito Federal. O motivo? Não há mais espaço para sepultar cadáveres nos cemitérios de Taguatinga e do Gama, enquanto na Asa Sul – maior de todos os seis – a vida útil se esgotará em dois anos. Além disso, aqueles que têm parentes enterrados nos cemitérios lidam com a falta de conservação: é possível encontrar com facilidade jazigos depredados, sem identificação e até com mato alto.

Em toda a capital, há 490 mil corpos enterrados nos seis cemitérios – 210 mil somente no da Asa Sul. Em média, são 900 sepultamentos por mês. A unidade de Planaltina deve atingir a capacidade máxima dentro de seis meses. Em Brazlândia e Sobradinho esse tempo é maior: são seis e sete anos, respectivamente. Para minimizar a lotação, a empresa Campo da Esperança, que administra todos os cemitérios, faz a exumação – desenterra os restos mortais – da área social para o reaproveitamento do espaço.

O técnico em manutenção Djalma Martins Queiroz, 50, recorda como era o cemitério de Taguatinga 16 anos atrás. “Tinha mais espaço entre os túmulos. Está cada vez mais apertado, difícil de andar. Estão colocando túmulo em todo canto”, observa. Ali, há dez sepultamentos por dia.

Para ele, uma possível solução seria a construção de novos cemitérios. “Já pagamos por essa terra e vão querer exumar? Não concordo em tirar, é uma lembrança que temos da pessoa”, comenta.

Ao visitar o jazigo da mãe, Djalma ainda emendou críticas ao estado de conservação. “Aqui é largado. Sempre foi. Não deixam a gente arrumar, deixar bonitinho, colocar uma cerâmica. Dizem que tem que pagar para eles e não podemos fazer por contra própria, mas eu já paguei para enterrar minha mãe”.

Quem frequenta o cemitério do Gama também confirma a sensação de que o espaço está cada vez menor. A dona de casa Luiza Vanda, 66 anos, vai todo mês visitar os jazigos da mãe, do pai e do esposo há pelo menos 30 anos. “Podia juntar tudo num só. Perguntei na administração se poderia fazer isso e disseram que tinha que ter autorização de todos os filhos, mas tenho irmão que nem mora em Brasília. Isso até ajudaria o cemitério, porque reduziria alguns espaços”, sugere.

No túmulo da mãe de Luzia, o cenário era de filme de terror. Os jazigos, próximos a uma mata da cidade, estavam completamente abandonados, alguns com o buraco exposto, sem identificação que pudesse indicar nome e ano de falecimento. Cruzes de concreto fixadas no chão, provavelmente de túmulos sociais, também dão um tom sombrio.

Foto: Raianne Cordeiro/Jornal de Brasilia

Despesa extra

No maior cemitério de Brasília, onde é registrada uma média 11 enterros por dia, há duas realidades diferentes: espaços onde o mato está cortado, jazigos limpos e acesso fácil, mas também tem o oposto.

A aposentada Raquel Vaccaro Carvalho, 63 anos, optou por pagar R$ 70 ao mês para um funcionário particular limpar e cortar grama em volta. “Está sempre bem cuidado e arrumado. Se não pagar por fora, olha como fica”, afirma, apontando para túmulos depredados.

A aposentada critica também a falta de espaço. “Quase caí duas vezes porque tropecei no túmulo ao lado”, completa.

Raquel Vaccaro Carvalho. Foto: Raianne Cordeiro/Jornal de Brasilia

Atribuição do Estado

Para Frederico Flósculo Barreto, professor da Faculdade de Arquitetura (FAU) da Universidade de Brasília (UnB), pensar em cemitérios é uma questão central para o planejamento urbano.

“A população nasce, cresce, reproduz e morre. É impressionante que muitos governantes atuem de forma improvidente com relação à morte das pessoas. É absolutamente normal e nunca poderia haver um governo se surpreendendo que tem que reservar espaços para os corpos”, dispara.

Ao contextualizar o seu ponto de vista, Flósculo relembra que há duas formas de despedida dos entes que se foram: o enterro, comum entre os cristãos, e a cremação. Ele ainda ressalta que a taxa de mortalidade é de 0,66% ao ano e o DF possui uma população de 3 milhões de habitantes.

“Isso quer dizer que todo ano morrem de 16 a 18 mil pessoas. Se o governo reservar para cada um desses corpos dois metros quadrados, terá que reservar seis hectares de terra ao ano”, calcula.

Além disso, ele acrescenta que os corpos podem dividir um mesmo espaço, como em covas que cabem até cinco pessoas. “Então, no fim das contas, o governo precisaria de cerca de 1,5 hectare por ano”, acrescenta.

Crematórios

Por outro lado, Flósculo aprofunda a discussão sobre os crematórios. Para ele, essa modalidade é mais econômica, ocupa menos espaço e é ainda mais higiênica.

“ Um conjunto expressivo da população optaria pela cremação. Você vai ter que pagar o resto da vida por uma vaga no cemitério. A cremação tem custo único. Além disso, as áreas destinadas aos cemitérios se tornam improdutivas, não servem para agricultura, para nada, e a tendência é abrir cada vez mais áreas. É impressionante que Brasília não tenha um crematório público. Empresários não investem”, opina.

Embate entre governo e empresa

Em nota, o Campo da Esperança informou que está exumando os jazigos da área social (gratuita) nos cemitérios com as áreas esgotadas – Gama e Taguatinga. A previsão da vida útil das unidades não leva em conta o reaproveitamento dos jazigos que foram vendidos, pois a reutilização depende das famílias. Túmulos que completaram cinco anos e já podem ser exumados por familiares somam 90 mil.

“Além disso, há mais de 80 mil gavetas arrendadas ou adquiridas que ainda não foram usadas”, pondera. Há um projeto para a construção de um crematório, mas, até o momento, a concessionária não recebeu a liberação da área, mesmo apresentando todas as licenças exigidas em 2017.

Por outro lado, a Secretaria de Justiça e Cidadania alega que a informação de esgotamento “não reflete a realidade”. “As exumações realizadas em 2017 e 2018 deram uma sobrevida à construção de jazigos”, argumenta. Segundo a Sejus, há 86.600 gavetas ociosas nos seis cemitérios, sendo 33 mil em Taguatinga e 11 mil no Gama. Em 2017 e 2018, foram 1.400 exumações em Taguatinga e 699 no Gama.

“Manutenção constante”

Com relação à manutenção, o Campo da Esperança assegura que realiza os serviços diariamente nos seis cemitérios: irrigação, adubação, limpeza das placas de identificação das sepulturas, recolhimento de lixo, corte da grama e reparos nas calçadas. A responsabilidade das sepulturas, porém, é dos proprietários. Funcionários só podem agir caso a família contrate os serviços de manutenção. “Caso um visitante identifique danos à sepultura, ele pode registrar ocorrência na administração”, orienta.

Um projeto para a construção de cemitérios pela iniciativa privada foi encaminhado à Câmara Legislativa e tramita sob a PL 2106/2018. O governo aguarda a inclusão da pauta para votação.

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