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Bob Dylan interpreta Sinatra em canções Clássicas

Arquivo Geral

17/04/2017 6h30

Divulgação

Eric Zambon
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A única coisa em comum entre Bob Dylan e Frank Sinatra são os olhos azuis. A voz rouca do bardo, que ele mesmo já definiu como o coaxo de um sapo, não combina com o grave modulado de The Voice. Mesmo assim, no álbum triplo Triplicate, Dylan reinterpreta 30 canções norte-americanas clássicas que também fizeram parte do repertório de Sinatra, e isso não é coincidência. O resultado é inusitado e singelo, mas monótono.

Gravadas junto à banda e em único take, as pequenas imperfeições na voz do cantor, bem perceptíveis em Semptember of My Years e Once Upon a Time, do primeiro CD, dão um toque autoral e sujo às canções, o que é bem-vindo. O problema é cada música se assemelhar muito à seguinte, com pequenas variações de ritmo, e por mais que Dylan traga para si e diga as letras com sinceridade, todas soam como um canto lamurioso e fúnebre.

Em algumas faixas, ele apresenta alguns de seus melhores trabalhos vocais, com destaque para Imagination, no segundo álbum, e Sentimental Journey, do terceiro. O interessante é que o cantor não tenta se reinventar, abordando cada letra de maneira muito direta.

O novo material, 38º trabalho de estúdio do cantor em quase 60 anos de carreira, é o fim de uma trilogia informal iniciada em Shadows in The Night, de 2015, e continuada por Fallen, de 2016. Em ambos ele também privilegiou composições já cantadas por Sinatra para fazer a tracklist. Apesar do estranhamento da crítica especializada, foram dois sucessos comerciais consideráveis – Shadows atingiu o topo das paradas na Inglaterra.

Conexão das antigas

Quando Robert Allen Zimmerman surgiu em botecos de Nova York, no início dos anos 1960, com seu violão e gaita presa ao alcance da boca, era um símbolo de rebeldia. Inspirado pela geração beat de Jack Kerouac e Neal Cassady, ele desistiu da universidade no primeiro ano e, de mala e cuia, se mudou para a Big Apple atrás de seu ídolo, Woody Guthrie.

Suas canções sobre fuga e solidão progrediram para poemas geracionais sobre racismo e a Guerra do Vietnã e ele se tornou, de fato, o Bob Dylan. Nesse contexto, como conectar sua história com a de Sinatra, o cantor mais famoso de sua época?

Semelhantes mas diferentes

Em 1995, no aniversário de 80 anos de Frank, comemorado com uma festa em homenagem à sua carreira, Dylan foi um dos artistas convidados a se apresentar e tocou a autoral Restless Farewell. Em entrevista recente, ele revelou que Sinatra se aproximou dele e apontou a semelhança entre os olhos azuis de ambos.

“Nós pertencemos ali”, e teria apontado para as estrelas. “Os outros vatgabundos pertencem àqui embaixo”, complementou. “Eu me lembro de achar que ele estava certo”, admitiu Bob. Em sua autobiografia, Chronicles, Dylan admitiu nutrir admiração pela performance de The Voice para a canção Ebb Tide.

A relação entre os dois, aparentemente, se resumia a isso, mas com Shadows in the Night, Fallen e, agora, Triplicate, fica claro seu apreço pela carreira de Sinatra. Talvez durante a juventude, como fonte de inspiração para os hippies e rebeldes sem causa do meio-norte dos EUA, não fosse conveniente se relacionar com um dos maiores representantes do establishment daqueles tempos.

Aos 75 anos, tendo vencido até um prêmio Nobel de Literatura, Dylan não tem mais nada a provar. Ele pode finalmente lidar com o gosto pessoal sem levantar sobrancelhas. Ninguém vai cobrá-lo por preferir Tony Bennet a Van Morrisson ou algo do tipo.
Para um apreciador de boas música, existe bastante valor em seu novo trabalho. As interpretações do bardo têm um peso histórico e são obrigatórias nas listas de fãs – tanto dele quanto de Sinatra. Uma pena que falte dinâmica ao resultado final.

Isso foi algo que Zimmerman nunca perseguiu ou teve interesse. Ele se tornou um artista maior do que a vida justamente por ser tão verdadeiro aos seus ideais.

Serviço

Triplicate

Artista: Bob Dylan
Gravadora: Sony Music
Faixas: 30
Preço médio: R$ 79,90

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