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Torcida

Duro jogo contra a discriminação

Arquivo Geral

18/07/2017 6h30

Danyllo Arantes – Jander Gomez – Thiago Jose – Leandro Rodrigues Foto: Myke Sena

Pedro Marra*
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A bola rola e começa o jogo nos campos pelo Distrito Federal. Conforme o rolar do cronômetro, surgem as primeiras piadas, os xingamentos e as intolerâncias. Assim como na conhecida realidade preconceituosa do futebol profissional, os gramados de pelada confortam um antro de discriminação sexual. Hoje, o Jornal de Brasília inicia uma série de três reportagens (publicadas às terças-feiras) que mostra a difícil missão do público LGBT (Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis, Transexuais e Transgêneros) no esporte bretão.

Em busca de histórias e relatos sobre essa realidade nos campos de futebol amador da capital, a reportagem não precisou de muito tempo para se deparar com hostilidades. Inúmeros héteros se recusaram a dar entrevista sobre o assunto com olhares atravessados. “Procura aquele ‘viado’ ali”, “eu não falo sobre o assunto, o cara lá pode falar”, ou “eu estou com pressa e também não quero falar sobre bicha”, foram algumas das respostas, em meio a sorrisos debochados.

E, apesar da luta de grupos e simpatizantes dos LGBTs, esse cenário ainda é regra – não a exceção.

Até chegar ao momento de não sentir receio pela orientação sexual, Jander Gomez, 30 anos, homossexual, passou por diversos atos de discriminação. Ele chegou a tentar ser goleiro profissional no Atlético-PR durante a adolescência, mas não obteve sucesso. A “paz” no ambiente do futebol foi encontrada há cerca de quatro anos, quando foi bem acolhido no Vira Copos FC, time que joga num campo sintético de Samambaia Norte. Por lá, Jander se sente entre amigos, diferentemente dos tempos em que morou no Paraná.

“Já ocorreu de eu estar no vestiário e apontarem o dedo para mim falando que eu era viado”, recorda.Ele é o único gay de um elenco composto por 10 a 15 jogadores.

Leandro Rodrigues, de 30 anos – dono e atacante do time –, lamenta a rotina preconceituosa que habita o futebol. “Não tem por que uma pessoa não ser aceita no futebol por ser homossexual”, afirma. A equipe já disputou alguns campeonatos no Núcleo Bandeirante, em 2014, Ceilândia, em 2016, e há dois anos ficou em 3º lugar num torneio no Riacho Fundo II, melhor campanha do time até então.

Leandro explica como se deu a inclusão do colega de equipe. De acordo com ele, foi tratado com respeito desde o início. “O primeiro a ficar sabendo fui eu. Ele me mandou uma mensagem dizendo a opção sexual e ficou com medo de não ser aceito no time. Mas isso é normal, segue o jogo!”, lembra.

Thiago José, 25 anos, é colega de Jander dentro de campo e comenta a mudança de pensamento do time sobre o público LGBT no futebol. “Mudamos a visão. Porque eu nunca pensei em jogar num time com gay. Mas depois que começa, não tem nada demais”, reconhece. O meio-campista diz que nada mudou em campo. Ele é um goleiro como qualquer outro. “Primeiro foi um choque, mas para a gente depois foi normal a relação”.

Amizade fora de campo
A conversa pós-jogo não costuma ser ambiente amigável para os LGBTs. Se em campo há preconceito, fora dele as conversas costumam ser ainda menos amistosas.

No Vira Copos FC, porém, o clima mostra que a realidade pode ser bem diferente. “Tomamos cerveja juntos, saímos para festas… Eles até têm ido a eventos com amigos meus gays. Viraram minha família”, comemora Jander, um felizardo em meio a um cenário que está longe de ser “para todos”.

*Matéria editada por Roberto Wagner

Memória
Caso raro no profissional
Após uma defesa de pênalti pelo Palmeira de Goianinha em 2010, Jamerson Michel da Costa, mais conhecido como Messi, se assumiu homossexual às vésperas da decisão do Campeonato Potiguar, quando com a defesa assegurou o acesso à elite do futebol norte-riograndense. Hoje, ele defende as cores do Alecrim-RN.

Ele nunca deixou o preconceito afetá-lo. “Acho que tenho que fazer minha parte, pode dizer o que for, o importante é que eu possa ajudar o meu clube a conseguir alcançar os objetivos”, disse o goleiro, em 2012, em reportagem ao globoesporte.com.
Messi é o único jogador profissional do futebol brasileiro – em atividade – a assumir publicamente a homossexualidade.

Até falar sobre o assunto é tarefa difícil para os atletas
A noite de quarta-feira é boleira não só na televisão. Num centro de futebol society (grama sintética) de Brasília, muitos amigos se encontram para colocar o papo em dia e jogar futebol. Apenas um hétero, em meio aos vários no local, aceita falar sobre o assunto.

O estudante de odontologia, Guilherme Zaidan, 20 anos, afirma que jogaria junto de um LGBT no mesmo jogo tranquilamente e imagina a situação. “Se eu chamo um amigo gay para jogar com a galera aqui e ele sofre preconceito, logicamente eu não venho mais”, garante.

Por volta de um ano e meio atrás, Guilherme se recorda de quando jogou no mesmo time de um atleta homossexual. “Era na Asa Sul o jogo e fui descobrir duas semanas depois a orientação dele. Me contaram que o viram em frente a uma boate gay”, descreve a situação. “A pessoa tem de ser o que ela quiser”, conclui.

Apesar do entendimento em relação aos LGBTs, ele reconhece que às vezes escorrega no preconceito. “Eu entro na parte da brincadeira e meus amigos gays sabem que eu não faço isso para prejudicar. E acho que o momento de maior preconceito vem do jeito que a pessoa chega no lugar. Porque o pessoal já bate o olho”.

Para a professora do Departamento de Serviço Social da Universidade de Brasília (UnB), Valdenízia Peixoto, 36 anos, a discriminação é fruto de ódio e intolerância. “Em qualquer atividade esportiva, a predominância é masculina porque significa virilidade. Por isso que eu acredito na educação como transformadora”, defende. “Se as escolas souberem trabalhar esse assunto, seria uma ótima saída”, aconselha Valdenízia, que trabalha atualmente para concluir o doutorado de Sociologia sobre LGBTfobia.

Exposição
Na opinião da professora, a situação de um LGBT é mais complicada no futebol profissional do que no amador. “Acho que por estar na grande mídia… E ainda tem o simbolismo do jogador de futebol, que tem muita ‘grana’, muita mulher e carros bonitos”, argumenta.

TREINO DA SELEÇÃO BRASILEIRA . JOGADOR DO CAPITAL QUE TREINOU COM A SELEÇAO. MATHEUS BRASILIA. DETALHE DA CHUTEIRA GANHADO DO DAVID LUIZ DATA 13-06-13 FOTO RAFAELA FELICCIANO

TREINO DA SELEÇÃO BRASILEIRA . JOGADOR DO CAPITAL QUE TREINOU COM A SELEÇAO. MATHEUS BRASILIA. DETALHE DA CHUTEIRA GANHADO DO DAVID LUIZ
DATA 13-06-13
FOTO RAFAELA FELICCIANO

“Me chamavam de mulher macho”
Tânia Amorim Do Arte, 27 anos, se considera lésbica desde os 14 anos. Ela afirma que aos seis já jogava futebol nas ruas da Ceilândia Norte, naquele famoso “golzinho” com as crianças da vizinhança. Otimista em relação a aceitação do público LGBT, ela comenta que já sentiu melhora no tratamento.

“Hoje em dia tem diminuído o preconceito. Eu mesmo jogo entre homens tranquilamente”, opina. Aos 12 anos, ela entrou para a primeira escolinha de futebol, em Taguatinga Norte. Tânia ainda diz que quando criança, o pai dava duras por ela ir jogar futebol. “Colegas de escola e até vizinhos me chamavam de mulher macho, essas expressões para reprimir”, recorda a atleta.

Tânia acredita que o espaço para o público LGBT vem do berço. “Nas escolinhas de futebol mesmo, se o público masculino não predominasse, o respeito seria maior e teríamos mais jogadoras”, analisa. Ela costuma jogar em quadras e campos de grama sintética pelo DF. “De vez em quando, um ou outro menino aparece para jogar com a gente (entre as mulheres)”, garante.

Não só no futebol

Há cerca de um mês, ela pegou metrô com a namorada quando ocorreu um fato um tanto quanto constrangedor.

“Uma moça estava sentada perto de nós, ficou prestando atenção na gente e, quando o vagão ficou cheio, ela empurrou duas vezes o meu pé ao descer na próxima estação e disse: ‘Mas que falta de respeito dentro do metrô!’”, relembra a situação.

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