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Economia

Movimento nos restaurantes e bares do Distrito Federal caiu 20% no primeiro trimestre

Arquivo Geral

24/04/2016 8h00

O brasiliense tem sido mais recatado e “do lar” este ano devido à inflação. Conforme o Sindicato de Hotéis, Restaurantes, Bares e Similares de Brasília (Sindhobar-DF), a movimentação nos estabelecimentos caiu cerca de 20% nos três primeiros meses do ano, em comparação ao mesmo período de 2015, e a culpa seria do quanto as saídas pesam no bolso.

Segundo especialistas e representantes do setor, os clientes preferem reduzir ou diminuir a qualidade do consumo para lidarem com o avanço dos preços. 

A refeição fora de casa ficou quase 10% mais cara nos últimos 12 meses, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Dentro desse contexto, o órgão estima que, atualmente, as famílias gastem um quarto de suas rendas médias com alimentação e bebidas.

“Está todo mundo muito retraído”, resume o vice-presidente do Sindhobar, Nadim Haddad. Ele acredita que as definições no campo político do País podem trazer perspectiva de melhora e enumera outro problema. “Muitas pessoas  migravam para trabalhar em Brasilia, mas elas reduziram essas viagens”, expõe.

Fim de semana

O gerente Ítalo Aluísio, de 30 anos, trabalha em um bar de Águas Claras e diz ter notado a queda de movimentação nos últimos meses ao observar a ocupação das mesas em dias de semana. “Antigamente, quando eu abria às 16h, passava alguns minutos e a varanda já estava lotada. As pessoas comendo”, aponta, indicando a sacada vazia por volta das 16h30.

Ele garante que o fluxo de clientes aos fins de semana se manteve, especialmente devido a eventos televisionados transmitidos nas telas do bar. “A votação do impeachment (no último domingo) atraiu mais gente para cá do que jogo de futebol do Campeonato Brasileiro”, exemplificou, bem humorado, o gerente, lembrando que o lugar costuma receber fãs do esporte.

Saiba mais

 Segundo a Associação Brasileira de Supermercados (Abras), o Distrito Federal teve, em março, a segunda maior inflação sobre produtos alimentícios do Centro-Oeste.

O levantamento, em parceria com a empresa de pesquisa GFK, constatou  variação  4,21% sobre a cesta de produtos mais vendidos nos estabelecimentos.

O maior reajuste foi do tomate, com 17,69%.

Vai aí uma dose dupla?

Para compensar a diminuição da clientela de segunda a sexta, Ítalo Aluísio conta que foram adotadas estratégias, como promoções e “happy hours”. As chamadas doses duplas, em que o consumidor compra uma bebida e ganha outra de brinde, teriam começado a dar frutos este mês. “A crise afeta a todos”, generaliza.

“Em Águas Claras existe muita gente financiando apartamento, então gastos com diversão são deixados de lado”, especula o profissional, com 12 anos de experiência na área e três no atual local de trabalho. Apesar das dificuldades, ele acredita que todos tenham um “dinheirinho guardado” para lazer e que a chave para o sucesso seja baixar os preços.

O raciocínio do gerente faz sentido, do ponto de vista de um especialista. O professor e membro do Conselho Regional de Economia (Corecon), George Henrique de Moura Cunha, sustenta a tese de que o momento econômico não deixa os consumidores confortáveis para gastar com lazer. “Não houve um congresso em que as pessoas concordaram que deixariam de beber ou sair. Com toda certeza eles estão sacrificando a bebida, a diversão, para poder se sustentar”, afirma.

Ele acredita, no entanto, que os estabelecimentos com preços mais em conta levem vantagem sobre as grandes franquias. “Os clientes estão trocando uísque por cerveja, cerveja por cachaça e por aí vai”, alega. “Eles cortam aqui e ali para manter o padrão de vida. E isso faz o comércio trabalhar com mais produtos de segunda linha, mais baratos, ou então reduzem a margem de lucro para não perder a clientela”, explica o economista.

 Há males que vêm para bem

Clientes como Cléber Muniz são perfeitos exemplos de como a situação para o setor de bares e restaurantes piorou e é difícil ser revertida. A inflação dos alimentos e, por conseguinte, das refeições fora de casa afasta quem tinha hábitos boêmios e frequentes. O bolso não aguenta.

No entanto, há males que vêm para bem e, no caso de Muniz, a diminuição da quantidade de saídas aos fins de semana uniu sua família. “Como eu fico mais em casa, as pessoas ficam mais tempo juntas, conversam, fazem mais coisas. Antigamente era cada um pro seu lado”, reconhece.

Melhor cortar o “Happy Hour”

O publicitário Cléber Muniz, de 43 anos, se diz um apreciador “de uma boa cervejinha” e tenta escapar da rotina para apreciar a bebida pelo menos uma tarde por semana. Até janeiro deste ano, ele conseguia fazer isso pelo menos três vezes nos dias úteis, mas se viu obrigado a diminuir a frequência. “Compro mais nas revendedoras do que em bar. Beber em casa não traz surpresa, porque a conta já está paga”, brinca.

Ele afirma que modificou alguns hábitos não apenas para ter mais dinheiro para emergência, mas principalmente por temer pelo futuro. “Eu guardo porque não sei o dia de amanhã. Tenho um salário que me garante mensalmente, mas nunca sei se será o suficiente para o próximo mês”, diz. Segundo Muniz, seu consumo de bebidas alcoólicas na rua diminuiu cerca de 30% e relação ao que era até dezembro último.

Outros preços

Ele ainda reclama dos preços de supermercados e feiras. “Hoje em dia, R$ 100 não compram a mesma quantidade de coisas no mercado que há algum tempo”, contemporiza, alegando que “a atual política econômica do Brasil obriga as pessoas a sempre sacrificarem algo para ter outra coisa.”

Seu raciocínio está de acordo com a alta dos alimentos medida pelo IGBE. Conforme a tabela, itens comuns à mesa dos cidadãos, como cenoura e alho, tiveram seus preços inflacionados na ordem de 70% nos últimos 12 meses. Para o primeiro produto, a variação acumulada relativa apenas aos três primeiros meses de 2016 é a mais alta dentre todos os alimentos: 88,05%.

Esses reajustes afetaram os valores praticados pelos bares e restaurantes, pois o custo junto aos fornecedores aumentou. Com mais gastos para abstecer o estoque, quem não reajustou os preços finais teve de diminuir a margem de lucro. 

 

“Não sei mais o que fazer”
 
O gerente de um restaurante no Sudoeste, Jak Abdel, de 47 anos, confessa ter percebido uma queda de 40% na movimentação usual dos horários de almoço desde outubro de 2015. “Está bem fraco”, resume, citando que situação similar levou ao fechamento de um café em frente.
O estabelecimento onde Abdel, nascido na Palestina, trabalha destoa dos bares cheios aos fins de semana no Sudoeste. Ele serve apenas almoço e não oferece bebida alcoólica. “Estou aqui há cinco anos e nunca tinha visto uma situação ruim assim. Tínhamos nove funcionários e agora apenas seis. Não sabemos mais o que fazer para atrair os clientes”, resigna-se, dizendo que estratégias como cartão fidelidade não têm dado o resultado esperado.
 Para o gerente, o preço dos produtos fornecidos é o vilão. “Antigamente, um quilo de salmão eu conseguia por R$ 28, hoje em dia passou dos R$ 30. Não dá para comprar coisa cara e depois vender a R$ 37 o quilo por pessoa”, reclama.
Ele exemplifica a situação dizendo que muitos clientes habituais deixaram de pegar comida por peso e passaram a levar as marmitas prontas a um preço fixo de R$ 11. “Um cliente nosso que vem aqui sempre comia quase R$ 30 todo dia. Agora, os pratos dele dão R$ 18, R$ 20”, complementa Abdul.
Perguntado sobre o que teria causado a situação, ele proferiu um protocolar “coisa de política” e preferiu se abster de mais comentários. O especialista George Henrique de Moura Cunha, do Corecon, acredita em melhoras gerais a partir de 2022. Talvez Abdul não possa esperar tanto tempo.

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