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Brasília

Quando se garante um direito e se viola outro

Arquivo Geral

17/04/2014 7h00

Virou moda. Agora, tudo o que não vai bem acaba em manifestação no Distrito Federal – sejam causas coletivas, como melhorias no transporte público; ou restritas a pequenos grupos.  O problema é que, para serem ouvidos,  os  manifestantes violam uma garantia  da população: o direito de ir e vir. As interdições frequentes nas principais vias atrapalham o trânsito e ajudam  a piorar a situação do transporte público, que já está caótica. Afinal, qual  o limite entre o direito   de protestar e o direito de se locomover? É o que mostra hoje mais uma reportagem da série #BrasíliaquerAndar.

De acordo com  a Secretaria de Segurança Pública, só no ano passado, foram registradas 57 manifestações no DF, apenas  entre janeiro e junho. Essas ações contaram com a mobilização de um efetivo de 8.625 policiais e média de público de 223 mil pessoas. 

As manifestações têm mantido um padrão. Com   cartazes e gritando palavras de ordem, os grupos costumam fechar as principais vias urbanas – Eixo Monumental, Esplanada; Avenida Hélio Prates (Taguatinga) e Setor Policial Sul – e rodovias – estradas Parque Taguatinga   (EPTG),  Núcleo Bandeirante (EPNB),  Indústria e Abastecimento (Epia) e   Juscelino Kubtischek (EPJK); Estrutural; DF-001; DF-047 e DF-025 – de preferência no horário de pico (das 6h30 às 8h30  e das 16h45 às 18h30). 

Deixando o trânsito ainda mais caótico, principalmente em épocas de paralisação dos rodoviários ou metroviários,  os manifestantes chamam mais atenção para suas causas e obrigam governantes a lhes dar um retorno, mesmo que temporário.

Da mesma forma que o direito a  manifestações é garantido por lei, tais ações também vão  contra   determinações do Código de Trânsito. A  Lei  9.503/97, em seu artigo 2º, estabelece que “o  direito à circulação está estampado na Constituição Federal e legislação ordinária em vigor, como direito do brasileiro ou estrangeiro no país”.

 “Dentre os direitos   proclamados no artigo 5º da Constituição  está o trânsito seguro, regular e organizado, não apenas no tocante à defesa da vida, mas à regularidade do tráfego, de modo a facilitar a condução dos veículos e a locomoção das pessoas”, argumenta o jurista Arnaldo Rizzardo, que leciona sobre o tema.

Condutas podem resultar em prisão

O Código Civil estabelece, em seu artigo 99, que “são bens públicos os de uso comum do povo tais como rios, mares, estradas, ruas e praças”. Dessa maneira, quem utilizar esses espaços de forma indevida está sujeito  as sanções penais. A  Lei de Contravenções Penais  afirma em seu artigo 37: “Arremessar ou derramar em via pública, lugar de uso comum ou do uso alheio coisa que possa ofender, sujar ou molestar alguém acarreta em multa”.

Também há penas previstas no Código Penal para quem atentar contra segurança de um meio de transporte. “Expor a perigo meio de transporte público, impedir-lhe ou dificultar-lhe o funcionamento acarreta pena de detenção, de um a dois anos. E se do fato resulta desastre, a pena é de reclusão, de dois a cinco anos”.

Algumas manifestações não são apenas contra a lei como também um incômodo  diário para os motoristas, que muitas vezes sequer sabem o motivo dos protestos.  A comerciante Maria Marleide de Souza, 50, ficou presa no trânsito da Hélio Prates, em Ceilândia, durante um protesto dos funcionários do supermercado Tatico, na última segunda. “Não sabia como sair de lá. Estava indo resolver assuntos pessoais quando me deparei com os carrinhos de supermercado  no meio da pista. As manifestações têm se tornado diárias e   sobra para os motoristas que não têm nada a ver com a situação”, desabafou.

Prejuízo à população: inevitável?

Segundo o major Magno, subcomandante do Batalhão de Trânsito do Distrito Federal (BPTran), a Polícia Militar  (PMDF) considera válido todo tipo de movimento grevista ou manifestação e trabalha para manter a fluidez e segurança durante esses eventos. Ele reconhece, porém, que em situações nas quais as vias são completamente bloqueadas representam prejuízo para a população. 

“Não é correto um movimento de 20 ou 30 pessoas atrapalhar a rotina de centenas. O ideal seria que pelo menos uma faixa da via permanecesse livre durante os protestos. Essa decisão, no entanto, depende da negociação que é feita entre a polícia e os manifestantes. Seria muito válido que existissem leis tratando isso como uma obrigatoriedade, mas infelizmente não há legislação sobre o assunto até o momento”, acredita.

Efeitos

Ao serem questionados a respeito das consequências das manifestações, muitos brasilienses reclamam do “efeito dominó” no trânsito, embora reconheçam que muitas vezes as causas dos protestos são justas. Quando há esse tipo de imprevisto no tráfego das principais vias do DF, a dentista  Jandira da Silva,  de 54 anos,  tem prejuízo no trabalho. 

“Os protestos atrapalham demais o trânsito. Quando não bloqueiam todas as faixas da via, deixam o fluxo muito lento. Atendo com hora marcada e os atrasos me prejudicam. Ultimamente, quando não sou eu que não consigo chegar no horário, são os pacientes que faltam por conta do transporte público ineficiente ou de algum protesto que fechou a pista”, conta.

 A cobradora Anilda Pereira,   27 anos, lembra que os passageiros  do transporte público também sofrem com as manifestações. “Estou de muletas, com a perna quebrada, e por  esse motivo já  não tem sido muito fácil me locomover até a parada de ônibus. Quando chego lá, para piorar, muitas vezes ainda tenho que correr atrás do ônibus que está retornando ou parando fora do ponto por causa de alguma manifestação”, lamenta.

Na Esplanada, 40 mil

Em 20 de junho de 2013, uma das maiores manifestações já ocorridas em Brasília interditou o Eixo Monumental nos dois sentidos. Na ocasião, manifestantes tomaram a fachada e a marquise do Congresso Nacional. Cerca de 40 mil pessoas compareceram ao evento para protestar contra o preço das passagens de ônibus, os gastos com a Copa das Confederações, a corrupção e as condições da saúde e da educação.  Cerca de 130 pessoas ficaram feridas e outras três foram presas.

 Mas as manifestações não têm se restringido à área central de Brasília. Ainda em junho do ano passado, por exemplo, moradores da Granja Modelo, no Riacho Fundo, fizeram uma  manifestação na BR- 060 reivindicando a construção de uma passarela que ajudaria a evitar acidentes no local. O bloqueio fez com que um engarrafamento quilométrico se formasse na saída para Goiânia, próximo a Taguatinga e Samambaia, prejudicando milhares de pessoas. 

Situação recorrente

A Secretaria de Segurança não soube informar o número de protestos ocorridos no primeiro trimestre de 2014. Porém, é inegável que os atos têm sido frequentes.

Em março, manifestantes bloquearam com pneus os dois sentidos da BR-040, em Valparaíso (GO). O protesto começou depois que um ônibus passou pelo ponto e não parou. No início deste mês, mais protestos. Rodoviários fecharam a Epia Sul para pedir o pagamento de salários atrasados.  Motoristas     tiveram que optar pela saída de São Sebastião, na BR-251.

 

 

 

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