Manuela Rolim
“Meu filho já sabe o que é crack, cocaína e prostituição. Aprendeu da pior maneira possível, da janela de casa, em pleno centro de Brasília”. O depoimento emocionado é de um morador da 704/705 Norte. Assim como ele, quem vive ali tem um único desejo: acabar com a compra e venda de drogas na quadra. Segundo a comunidade, o problema é antigo e está em ascensão.
A parceria entre o tráfico e a prostituição se fortaleceu e agravou o cenário. Desde então, os moradores não têm mais sossego. Tudo começa cedo, assim que a banca de jornal fecha, por volta das 18h. A ação acontece na frente de todos, sem a menor preocupação. Mais tarde, às 21h, a droga começa a circular e vai até de manhã. Uma pousada de fachada ajuda a dar cobertura.
“Eles são espertos. Andam com pouca quantidade. O resto escondem nas árvores, nos pneus dos carros, no telhado da banca e nos bueiros. Uma vez, eles arrombaram a porta da minha loja. Tinham amarrado as trouxinhas no bueiro, mas elas caíram. Tiveram de destruir meu comércio para pegá-las”, conta um comerciante.
“Tive que passar fita adesiva nas calotas para tentar inibir. Também tive meu carro arranhado e peças, quebradas”, diz outro morador.
Ele relata que já foi ameaçado e que não é fácil criar os filhos naquele ambiente. “A madrugada inteira, a gente escuta todo o tipo de barulho. Briga entre prostituta é o que mais tem. Ao olhar pela janela, um dos traficantes me viu e disse: ‘Aqui quem manda sou eu. Eu não tenho mais nada a perder. Tudo o que eu tinha nessa vida eu já perdi”, lembra.
Ele teve vontade de se mudar, mas a desvalorização do endereço o desanimou. “Além de ter família morando perto. Esse apartamento é meu, está quitado. É injusto eu ter que sair, apesar de não me sentir em casa, não me sentir seguro”. O comércio também sente, da pior maneira, a presença do tráfico. Os clientes têm receio de passar pelo local e as vendas vão por água abaixo. “Aquela região é pesada”, dizem as pessoas. E elas estão certas. O tráfico é explícito naquela quadra.
“Franquia” do Torre Palace
A rotatividade é grande. Toda hora chega gente interessada no comércio. Mais de 15 homens comandam o ponto, garante a comunidade. Alguns deles vêm do abandonado Torre Palace Hotel. “O movimento é maior durante a semana e no início do mês, época de pagamento. O que falta aqui é um trabalho de investigação da Polícia Civil. A PM faz o trabalho dela, mas isso não é suficiente”, conclui outro morador.
Há relatos de que as garotas de programa escondem drogas e também as vendem em troca de comissão. “Elas já negociam o programa e os entorpecentes. Às vezes, somente vendem. É mais fácil para elas fazerem isso. De longe, parecem negociar apenas o programa. A polícia não tem como impedir”, relata um morador.
Comércio e escola também são afetados
A situação teria piorado depois que um quiosque começou a vender comida perto da W3 Norte. Segundo os moradores, os traficantes se concentram ali. “O tráfico dominou tudo. Atrás do Bloco A é onde funciona a falsa pousada, na verdade um ponto de consumo grande no subsolo. Mas a polícia não pode entrar pelo fato de ser propriedade particular”, lamenta um terceiro morador.
Alunos e funcionários de uma escola da línguas da quadra também vivenciam o tráfico. O comércio de drogas e a prostituição – mercados que se ajudam, segundo os relatos – começam no mesmo horário das aulas.
Não por acaso, a instituição de ensino contratou um segurança particular para ficar na porta e acompanhar os estudantes até o carro. Mais do que isso, câmeras de segurança e cerca elétrica foram necessários. “Temos que nos proteger” diz uma secretária da unidade, que trabalha até as 22h.
“Na hora de ir para casa, fico com muito medo. O segurança me leva até a parada de ônibus. É escancarado, eles vendem drogas aqui na frente sem nenhum problema. A polícia prende, mas eles voltam. A Justiça solta”, completa a funcionária.
Ela ocupa o mesmo cargo há dois anos e garante que o problema está aumentando. “É uma cracolândia consolidada. Tem de tudo aqui, todo o tipo de gente. Tem quem compra, quem vende e quem consome. Tem gente arrumada, moradores de rua e muitos adolescentes. Estes, passam encarando”, acrescenta.
O próximo passo da escola é colocar uma outra porta para não deixar a entrada exposta. Alunos já foram assaltados ali. “A sorte é que nunca aconteceu nada grave. Uma vez, até um estudante policial foi abordado. Ele não reagiu, mas recuperou tudo depois. As alunas, principalmente, ficam com medo”, conclui a secretária.
Versão oficial
Procurada, a Secretaria de Segurança informou que atua de forma integrada na prevenção e no enfrentamento ao uso, porte e tráfico de drogas na região. A pasta destacou que a 704/705 Norte recebe ações constantes do 3º Batalhão da PM, que conta com 18 viaturas e quatro motos. “O batalhão também tem pactuado operações conjuntas com a 2ª DP para coibir o tráfico. Só este ano, houve a prisão de oito traficantes na área”, afirmou o órgão, por meio da assessoria. “É constante a prisão de traficantes e outros criminosos na região, mas nossa legislação penal acaba por permitir que indivíduos com extensas fichas criminais sejam presos e depois retornem para as ruas”, disse a PM, via assessoria.