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Brasília

Portadores de doença falciforme estão sem remédio há cinco meses

Arquivo Geral

20/04/2016 6h30

Ingrid Soares

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Portadores de doença falciforme  estão há mais de cinco meses sem receber, pela rede pública do DF, um dos medicamentos utilizados no tratamento da patologia. Muitos pacientes precisaram se internar devido à falta da medicação, que ajuda a atenuar as dores. A denúncia foi feita por meio do Whatsapp do JBr.

De acordo com o coordenador da Associação Brasiliense de Pessoas com Doença Falciforme (Abradfal), Elvis Silva Magalhães, o remédio que está em falta é o Hydrea 500 mg. Ele conta que diversas reclamações foram feitas junto ao laboratório Bristol e à Secretária de Saúde no fim do ano passado.  

“Desde novembro, a medicação está em falta. Segundo eles (fabricante), o motivo era a falta de matéria-prima. Só que, se a gente procurar na farmácia, tem disponível para compra  pelo mesmo laboratório. Como isso se explica?”, questiona.

Associação

Elvis foi diagnosticado   aos dois anos de idade. Em 2005, ele se submeteu a um transplante de medula óssea e não teve mais crises. Em 2009, fundou a Abradfal com um grupo de amigos  e realiza palestras sobre viver com e sem a doença. A associação não possui fins lucrativos e tem por objetivo maior reconhecimento da enfermidade.

“Foram anos terríveis. Eu sei o que essas pessoas estão passando sem o medicamento, já   estive na pele delas. As crises são muito fortes e, na maioria das vezes, para acalmar, precisa internar. O remédio ajuda a atenuar os sintomas e a diminuir o sofrimento dos portadores”, detalha.

Para Elvis,  a doença não é   levada a sério como deveria. “Nos sentimos   agredidos,   precisam fazer algo para melhorar a qualidade de vida dessas pessoas. O governo tem que nos ouvir. Esse medicamento não pode faltar de jeito algum”, pede.

Cotidiano marcado por dificuldades

José Estevam, 55 anos, é amigo de longa data de Elvis, coordenador da Abradfal, e  acompanhou parte da luta travada contra a doença: “Ele não tinha uma vida social normal,  pois, muitas vezes, estávamos em algum lugar e ele começava a sentir dor. Tinha que correr   para o hospital e ele ficava dias internado tomando morfina, fazendo transfusões”.

Segundo Elvis, a incidência no DF é de uma em cada mil pessoas, e a chance de crianças com doença falciforme   contraírem infecções é 400 vezes maior do que população infantil em geral. A medicação com Hydrea é iniciada a partir dos três anos. Na rotina do tratamento, são utilizados ácido fólico, penicilina, antibióticos, analgésicos e anti-inflamatórios. Hoje, o teste do pezinho permite o diagnóstico precoce.

Medicamentos dão qualidade de vida

Luana Carolina Martins, 37 anos, é portadora da doença, mas relata que leva uma vida normal em função do uso contínuo do medicamento. Ela é casada, tem um casal de filhos pequenos e faz mestrado em Saúde Coletiva. “Não tenho crises desde 2010, mas talvez não tivesse qualidade de vida se não fosse o remédio”, acrescenta.

Desde dezembro, ela arcou com a compra de duas caixas pela internet. Cada uma, com cem comprimidos, sai por R$ 249. Com desconto, é possível encontrar por R$ 204. Ela divide a medicação com uma amiga, que toma uma dose maior. 

“Eu tomo dois, e minha amiga, três. Sem dividir, uma caixa para mim dura 50 dias. Se eu dividir, 23 dias. Fui diagnosticada aos nove meses de idade e nunca fiquei sem tomar. Me deixa sem crise e tento ajudar outras pessoas na medida do possível. A falta ocorre regularmente, mas agora o tempo é maior e a preocupação também”, observa.

A auxiliar de laboratório Maura de Freitas, 48 anos, perdeu dois filhos para a doença. O mais novo, com sete anos. O mais velho, Jefferson Willian, 19 anos, faleceu neste mês por complicações de uma crise torácica aguda. “Foi uma luta. O mais velho foi diagnosticado com três anos, e o mais novo, com um mês. A dificuldade encontrada foi na emergência, porque as pessoas ficam jogadas. O que mais me doeu foi vê-los passando dor e não terem cama. Tive que entrar na Justiça para conseguir leito na UTI. Os medicamentos sempre tirei do meu bolso para não faltar. É muito descaso com a doença”, aponta.

A hematologista Roberta Gava Horta explica que a medicação aumenta o número de glóbulos vermelhos, diminui a anemia e o número de crises. “Ocorre uma melhora na qualidade de vida do paciente. Quanto maior o tempo de uso da hidroxiureia, melhor a sobrevida. Deve ser usado ininterruptamente com controle médico. Na falta da medicação, as pessoas ficam desesperadas, pois há uma diferença drástica. O choque é muito maior, e as crises aumentam, causando internação”, explica.

Fabricante enumera motivos

A equipe do JBr. entrou em contato com as principais redes de farmácia que disponibilizam o remédio Hydrea e foi informada de que, pela demanda, está em falta em todas as lojas e sem previsão para chegar. 

Em nota, a Secretaria de Saúde relata que o medicamento Hydrea 500mg está com estoque zerado por problemas do fornecedor e não há prazo estipulado para reabastecimento do estoque. 

Procurado, o laboratório Bristol-Myers Squibb esclareceu que o produto enfrenta faltas temporárias em razão de variações na demanda e oscilações na importação da Europa. 

O laboratório frisa que comunica sistematicamente hospitais, instituições, farmácias e distribuidores a respeito da falta do remédio. A estimativa é de que a distribuição seja normalizada até o terceiro trimestre deste ano.

A doença

A anemia falciforme é uma doença genética e hereditária, predominante em negros. Ela se caracteriza por alteração nos glóbulos vermelhos, que perdem a forma arredondada e elástica, adquirem aspecto de uma foice e endurecem, dificultando a passagem do sangue nos vasos e a oxigenação dos tecidos. 

As células morrem prematuramente, causando falta de glóbulos vermelhos saudáveis (anemia), obstruindo o fluxo e causando dor. 

Para ter a doença, o gene alterado provém do pai e da mãe. Se passado por apenas um dos pais, o filho terá o traço falciforme, que poderá passar para seus descendentes, mas a doença não se manifesta. 

Entre os sintomas estão palidez, infecções, dores e fadiga. Os tratamentos incluem medicamentos, transfusões de sangue e, em casos raros, transplante da medula óssea.

A eletroforese de hemoglobina é o exame específico para diagnosticar a doença, mas pode ser detectada também pelo teste do pezinho. 

Não há tratamento específico. Os portadores precisam de acompanhamento   constante para manter a oxigenação adequada nos tecidos e a hidratação, prevenir infecções e controlar crises de dor.

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