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Brasília

Setor Hoteleiro: área nobre em visível declínio

Arquivo Geral

01/04/2016 6h30

Eric Zambon

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O Setor Hoteleiro do DF está mais conhecido por abrigar o “hotel do crack” do que pela excelência dos estabelecimentos. O abandonado Torre Palace é o exemplo mais extremo de degradação na área, mas não é o único e nem foi o primeiro. Somados a isso estão a redução de demanda e a preocupação com segurança, o que faz a Subsecretaria de Turismo falar em uma grande revitalização, sem data definida.

Os invasores do Torre, no entanto, não são o único motivo de reclamação. Abaixo da W3, os estabelecimentos nas proximidades do Setor Comercial Norte lidam com a presença de outros moradores de rua e garotas de programa.

Nas redondezas do Garvey, que possui várias casas de massagem no piso comercial, trabalhadores relataram ser constante a presença de moças em roupas mínimas, oferecendo serviços sexuais. A situação é alertada em sites de avaliação de hotéis.

Sem se identificar, uma funcionária, que diz ter 15 anos de experiência em hotelaria,     constata  o problema em quase todo hotel. “Perto do lago, um hotel onde   trabalhei tinha problema com as moças, mas aí elas compraram um flat por lá e passaram a morar. Não tem muito o que fazer”, revelou.

Casablanca 

Além do Torre Palace, o Casablanca  está desativado. Coincidentemente, os dois foram os primeiros hotéis da parte norte   e, no passado, abrigaram autoridades e celebridades. Hoje, membros do Movimento de Resistência Popular (MRP), que já haviam invadido o St. Peter em 2015, dividem os quase 200 quartos  do Torre com usuários de drogas, enquanto funcionários de limpeza são os   “hóspedes” do Casablanca, cujo prédio está para alugar.

“Não só por ser um ponto de acesso de turistas, mas a área precisa de uma atenção imediata”, admite o subsecretário de Turismo, Jaime Recena. Ele garante ter conversado com a Polícia Militar para intensificar as rondas, porém salienta a necessidade de integração entre   governo e empresários. “Não podemos fazer nada sozinhos. Nosso trabalho é formar uma frente dos interessados e saber o que pode ser feito por agora”, afirma.

Para manter negócios, preço despenca

O braço local da Associação Brasileira da Indústria de Hotéis (Abih) estima que a conjuntura atual tenha feito o preço médio das diárias cair em mais de 20%. Em sites de busca, as promoções e descontos fazem quartos outrora anunciados a quase R$ 500 saírem por menos de R$ 150, dependendo da época. A oportunidade aparentemente vantajosa para o hóspede mascara a preocupação dos empresários em manter a taxa de ocupação em um nível rentável.

Assim como a pasta de Turismo, a Abih prefere não apontar o dedo para os proprietários dos hotéis sobre a conservação ruim. Mas, entre funcionários e frequentadores do setor, a má administração dos estabelecimentos é o principal fator para explicar o momento. O secretário Jaime Recena informou, por exemplo, que foi difícil até mesmo encontrar um endereço para notificar os donos do Torre Palace sobre a ordem judicial de desocupar o prédio nas próximas semanas.

Nesse caso, o negócio foi herdado por irmãos que não têm afinidade e se envolveram em desavenças. Discordância entre sócios também foi apontada por trabalhadores para explicar o fim do Hotel das Nações, implodido em 2011, e até para justificar a aparência desgastada de outro prédio tradicional no Setor Hoteleiro Norte, o Airam.

“Não regrediu, está descuidado”

“O setor não regrediu, só está descuidado”, pondera o assistente operacional de gerência Luciano Araújo, 33 anos. Ele trabalha em um hotel quatro estrelas na parte Sul desde 2007 e acrescenta que a dificuldade para manter um  negócio desse porte está na manutenção do padrão de qualidade.

“Se não tiver, afasta o cliente. Hotel é aparência. Se o hóspede vir pintura lascada, lixo espalhado, ele pensa: ‘ imagina como deve ser o quarto’”, explica. A aparência, no entanto, é um conceito abrangente e, por vezes, abarca fatores externos à organização do estabelecimento em si. “No lugar onde trabalho, já recebemos clientes que desistiram de ficar no hotel em frente ao Torre Palace porque não podiam abrir nem a janela, pois davam de cara com os usuários de drogas do outro lado”, complementa Araújo.

Sua opinião ganha coro em redes sociais e sites especializados em hotelaria e hospedagem. No endereço usado como referência para hotéis, o Booking.com, por exemplo, o Nobile Suits, em frente ao Torre Palace, sofre com os elementos externos. Na avaliação em destaque da página, um hóspede exalta a “proximidade com os principais pontos turísticos”, mas diz não ter se sentido “plenamente seguro” durante sua estadia, pois estava “atrás de um prédio abandonado em que algumas famílias moram”.

Segurança é primordial

Quando a reportagem do Jornal de Brasília procurou alguém do hotel Nobile Suits para falar sobre o comentário de um hóspede que não   se sentiu seguro devido à proximidade com o Torre Palace, foi informada da indisponibilidade de uma fonte no momento. Os funcionários, porém, afirmaram que a ordem da Justiça de desocupar o lugar invadido seria comemorada por todos ali.

Gerente de um hotel também utilizado como centro de eventos,  Raquel de Souza Ribeiro, 27 anos, acredita que “segurança é primordial” para o setor. Segundo ela, na época da invasão do St. Peter, várias ocorrências foram registradas na região, e isso incomodou alguns hóspedes. Para a profissional, no entanto, a oferta superior à demanda ainda é o principal fator para explicar a queda de movimento.

“Neste ano, meu local de trabalho sofreu. Em quase dez anos trabalhando com hotelaria, nunca tinha visto coisa parecida”, aponta. O estabelecimento em que Raquel trabalha é um prédio menor em comparação aos portentosos da quadra, como o Bonaparte, e isso ajuda a diminuir o problema. “São mais de 80 quartos para administrar e já está difícil de vender as diárias. Imagina quem precisa vender 300?”, levanta.

Segundo a gerente, o público-alvo de seu hotel são eventos corporativos e viajantes a negócios. Como as empresas têm sido afetadas pela recessão econômica do País, o primeiro passo para economizar é nas despesas com hospedagem: “Eles agora fazem mais videoconferência, não precisam pagar diária para o funcionário ficar em outra cidade vários dias”.

Ponto de vista

Taxista há 24 anos, Valter Silva de Sousa, de 61 anos, bate ponto no Setor Hoteleiro Sul diariamente nos últimos três anos. Ele supõe que a invasão ao Torre Palace tenha prejudicado o fluxo de clientes na região, mas a queda na movimentação e a piora do estado de conservação de alguns prédios seriam questões mais antigas. “No começo, eram de dez a 15 saídas por dia. Hoje em dia, eu pego um cliente ou outro”, lamenta Sousa, que defende a modernização de toda a área.

“Tem que implodir o que é velho e dar continuidade. É uma marca muito negativa não só para quem é daqui, mas para a cidade”, critica. Ele diz que a vida noturna, antes tímida pela ausência de opções ao alcance de uma caminhada, se tornou inexistente desde 2015: “O hóspede não quer sair à noite porque tem medo até de caminhar até o táxi”.

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