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Brasília

A exemplo de Goiás, Saúde do DF namora organizações sociais

Arquivo Geral

29/03/2016 6h30

Jéssica Antunes

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Corredores cheios, listas de espera misteriosas, falta de medicamentos e de médicos, equipamentos danificados. Os problemas enfrentados pelos pacientes da rede pública de saúde do Distrito Federal parecem andar em círculos, mesmo sendo previsto na Constituição  o direito universal de responsabilidade do Estado. Mas, na incapacidade pública, a gestão compartilhada com o terceiro setor pode ser uma opção. Experiências com organizações sociais País afora abrem caminho para a discussão. No entanto, a medida enfrenta resistência de entidades relacionadas.

A possibilidade voltou a ser debatida  em audiência pública na Câmara Legislativa do DF, quando o secretário de Saúde, Humberto Lucena, avisou que a meta é “propor um novo modelo que seja bom para a população sem retirar direitos dos servidores”. Ele pediu a oportunidade de apresentar estudos de viabilidade e propor aperfeiçoamento da lei que rege o modelo de gestão para que amplie o serviço e melhore a qualidade do atendimento. 

Visitas

No ano passado, o governador Rodrigo Rollemberg visitou unidades que mantém o sistema em Goiás. O Hospital de Urgências Governador Otávio Lage de Siqueira (Hugol), por exemplo, completou oito meses de funcionamento com 98% de satisfação dos pacientes, segundo o titular da pasta local. O modelo também   foi implementado em estados como São Paulo, Rio de Janeiro, Minas Gerais, Mato Grosso, Paraná, Maranhão e Pernambuco. 

No DF, há o exemplo do Hospital da Criança, gerido pela Associação Brasileira de Assistência às Famílias de Crianças Portadoras de Câncer e Hemopatias (Abrace) e do Hospital Universitário de Brasília (HUB), de responsabilidade da Empresa Brasileira de Serviços Hospitalares (Ebserh). 

“Mais qualidade”  

Com exceção de uma unidade, toda a rede estadual de Goiás é gerida por Organizações Sociais (OSs), inclusive unidades de urgência e emergência, em uma experiência que começou há 14 anos e foi ampliada.

De acordo com Leonardo Vilela, titular da Saúde do estado, foram necessárias mudanças na legislação e enfrentar questionamentos do   Judiciário, Ministério Público e Tribunal de Contas “muito por conta dos funcionários, que sairiam da zona de conforto, e da resistência de fornecedores”. O contrato ainda é aprimorado, segundo o gestor, “para obter cada vez mais melhores resultados com menos recursos”.

Chance reduzida de haver greve

Leonardo Vilela esclarece que os mesmos 12% do orçamento de Goiás são usados, há dez anos, para gerir a saúde local – inclusive após o modelo de OSs. “Com a mesma quantidade de recursos, aumentamos de forma significativa o volume de atendimentos, leitos e internações e melhoramos a qualidade dos serviços prestados. Os hospitais são públicos, gratuitos, têm um alto nível e ainda há a vantagem de não ter greve, porque há funcionários celetistas”, avalia o secretário.

Por ano, é gasto o montante de R$ 1,850 bilhão   para uma população de mais de seis milhões de pessoas. A critério de comparação,  o DF, com  2,8 milhões de habitantes, teve um orçamento aprovado para 2016 de cerca de R$ 6 bilhões. 

Alvo de críticas e resistência, a forma de contratação é, segundo o gestor de saúde de Goiás, solução de problemas com comissionados: “Os hospitais que nasceram na gestão de OS têm contatos por chamamento público, um processo seletivo transparente fiscalizado pelo Ministério Público. É menos burocrático. Fizemos acordo para manter 50% de trabalhadores estatutários nos hospitais antigos que receberam a nova gestão.   Demitimos muitos contratados temporários e mais de dois mil comissionados”.

MP é contra

No fim do ano passado, o Ministério Público do DF e Territórios (MPDFT) e o Ministério Público de Contas (MPC/DF) já haviam se manifestado contra a gestão de organizações sociais. 

Para o Tribunal de Contas do DF, é considerada na Lei de Responsabilidade Fiscal os contratos firmados pelo governo quando a mão de obra contratada substitua as vagas ocupadas por servidores e empregados públicos. 

Em relação à possibilidade de nova utilização do modelo de organizações sociais, o TCDF deve analisar a constitucionalidade, a legalidade e a economicidade dos atos de governo, assim que forem praticados.

Em Santa Maria, preferência por OS

Em janeiro de 2009, a Secretaria de Saúde assinou um contrato com a Real Sociedade Espanhola de Beneficência com prazo até 2011 para assumir a gestão do recém-inaugurado Hospital Regional de Santa Maria (HRSM). Nesse período, R$ 222 milhões deveriam ser repassados à entidade, uma média de R$ 11 milhões por mês. 

Quem viveu esse momento e precisa, hoje, de atendimento na unidade considera que a volta das organizações sociais (OSs) beneficiaria a população. Autônoma, Adelaide Alves tem 55 anos e mora há mais de 20 anos na região. “Depois que a Espanhola deixou o hospital, o atendimento piorou muito. Era ótimo, parecia particular. Agora não vale nada. Vamos embora sem atendimento”, reclama.

Isso durou quatro meses. O Ministério Público do DF (MPDFT) constatou irregularidade pela falta de licitação e suspendeu o acordo. Depois, o Tribunal de Justiça do DF (TJDFT) interrompeu o contrato liminarmente, entendendo que repassar à iniciativa privada a gestão do atendimento era inconstitucional. “Até podia ter irregularidades, mas, para o povo, era ótimo. Agora é só descaso. Ficamos mais de uma hora para passar pela triagem”, compara a auxiliar de serviços gerais Maria Rosemeire, 38 anos. 

Jaques Reolon é advogado, economista, especialista em Direito Administrativo e autor de artigos sobre licitações e contratos. Atualmente, produz livro sobre Organização da Sociedade Civil de Interesse Público (Oscip) e OSs. Para ele, a intervenção do terceiro setor é benéfica e eficiente quando feita com planejamento e fiscalização. 

“O modelo de OSs é mais eficiente que o modelo de gestão pública hoje porque tem mecanismos mais simplificados de contratação, mais celeridade nas soluções, uma certa economia de recursos”, ressalta Reolon. Ele pensa que não dá para atribuir dificuldades e irregularidades à natureza de ser OS. 

Segundo o advogado, a falta de objetividade na legislação seria o motivo que mantém problemas no modelo de OS. “A lei no DF apresenta muitos requisitos subjetivos. Deveria ter uma lei mais enxuta, dando prazos, sendo mais objetiva e, quando qualificasse as OSs, garantir que são de qualidade e ter ampla fiscalização”, sugere.

Ponto de vista

Presidente da Associação Médica de Brasília (AMBr), Luciano Carvalho não afasta a possibilidade de sucesso na gestão por organizações sociais, mas acredita que são necessários elementos de controle “que têm que ser construídos antes que se considere entregar a assistência a qualquer entidade”. Para ele, o processo de controle, fiscalização, monitoramento, parâmetros e metas deve ser proposto antes de um estudo de viabilidade orçamentária. “Entregar sem essa preparação é transferir o problema”, ressalta. Ele  considera que o modelo atual dificulta a gestão por ser centralizado e pouco flexível. 

Sindicatos questionam medida

Marli Rodrigues, presidente do Sindicato dos Empregados em Estabelecimentos de Saúde, diz que a entidade é “radicalmente contra as organizações sociais (OSs)”. “OS é apenas um ralo para a corrupção. Não atende o cidadão que precisa do hospital. Eles (o governo) usaram uma estratégia de sucatear a saúde, não investir ou planejar, e, sob essa alegação, querem terceirizar porque não querem esse trabalho”, acusa a sindicalista. 

Para o presidente do Sindicato  dos Médicos, essa não é a melhor forma de política de saúde. “Os resultados no Brasil não são bons. É fonte de desvio de verba e corrupção”, afirma Gutemberg Fialho. Na avaliação dele, o Estado não é incapaz, “tem instrumentos para gerir com competência, mas é total ineficiência e incompetência dos gestores”, diz, acrescentando que se parou de investir para delegar os hospitais a terceiros.

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