Menu
Brasília

Trotes comprometem atendimento do Ciade e atingem a segurança de todos

Arquivo Geral

13/02/2016 7h00

Jéssica Antunes

[email protected]

A cada minuto, quatro ligações de emergência são atendidas pela Central Integrada de Atendimento e Despacho (Ciade) da Secretaria de Segurança Pública e Paz Social. Dessas, uma é perdida por engano ou trote e 75% geram, de fato, ocorrências. Somente no mês passado, 2.247 ligações consideradas trotes foram registradas no Distrito Federal. A brincadeira sem graça faz com que se perca tempo, dinheiro e até vidas. 

As duas salas de atendimento telefônico são barulhentas. Vozes se sobrepõem e novas ligações acontecem assim que uma se encerra. Ali, trabalham 30 pessoas em turnos de 12 horas. Todas são bombeiros ou policiais da reserva com décadas de experiência nas ruas e tato com quem pede socorro. Neste mês, eles ganharam reforço de pessoal e atualização no sistema, que promete dar agilidade e precisão nas ocorrências, além de diminuir o problema dos trotes. 

Hoje, é difícil identificar e combater ligações acidentais ou enganosas. No ano passado, elas foram 1,017 milhão das 4,2 milhões de ligações recebidas na Ciade. Outras  3,2 milhões, ou 75%, resultaram em ocorrências. De acordo com os responsáveis pelo setor, representam um mal silencioso para o sistema de segurança. 

Um estudo do Senado Federal concluiu que o prejuízo gerado pelos trotes ultrapassa a quantia de R$ 1 bilhão por ano no Brasil. No DF, o subsecretário de Operações de Segurança da Secretaria de Segurança Pública, coronel Márcio Pereira, diz que não sabe  quantificar os prejuízos financeiros. “É uma excelente pergunta. Deveríamos saber e temos que mensurar isso”, reconhece. 

Ocorrências reais são perdidas

Coordenador da Ciade, o tenente-coronel Robson Cardoso  ressalta que o foco é a conscientização: “O trote impacta toda a população. Na medida em que   trato todas as ligações como emergência, quando a gente manda recurso   a uma ocorrência falsa, ele   deixa  de ser direcionado a um local realmente emergencial.  As corporações têm carência de efetivo. Fazer um trote é agir contra si mesmo”.

Apesar de a secretaria     divulgar os números estimados de trotes, tanto o subsecretário de Operações de Segurança quanto o coordenador da Ciade alertam:   certamente não representam a realidade. Até por isso o ano   começou com   mudança no Sistema   de Gerenciamento de Ocorrências. “O teleatendente não tinha como  distinguir o que era trote, ocorrência real e ligação administrativa. O novo sistema vai possibilitar mensurar   as possibilidades”, revela o coronel Márcio Pereira. Agora, o atendente visuliza um mapa da localização do chamado.

Punição em lei

Quem passa trote comete um crime, mas a punição é improvável. No Código Penal, dois artigos tratam do delito. O 235 pune atentados contra a segurança ou o funcionamento de serviços de utilidade pública, com pena de reclusão de um a cinco anos, e multa.

No artigo 340, o responsável pelo trote se enquadra em uma comunicação falsa de crime ou contravenção, que prevê detenção, de um a seis meses, ou multa. No entanto, não vale para situações em que não há o comunicado de uma infração penal. Um projeto de lei que tramita desde o ano passado na Câmara dos Deputados tenta criminalizar o trote. 

Ligações acidentais

“A gente sabe que nem tudo é trote”, afirma o tenente-coronel Robson Cardoso, responsável pela Ciade. “As ligações acidentais que ficam em aberto, por exemplo, eram classificadas como trote. Por isso, os números são discrepantes e não retratam a realidade”, emenda. O foco, acredita, deve ser a   conscientização para o fim dos trotes, “porque custam vida,   atendimentos,   impostos,    deslocamento”. 

O que costuma acontecer é a chamada ligação em espera, em que a pessoa não diz nada do outro lado da linha por ter ligado sem querer ou por ser uma pessoa  que não pode falar, mas quer que se escute   o que está acontecendo. Agora, com o serviço de localização, será possível enviar equipes para abordar e verificar o que acontece. 

Da mesa de atendimento, a ligação segue para a central de despacho, onde as corporações acionam as viaturas e equipes para cobrir a ocorrência. Funciona sete dias por semana e 24 horas por dia. Ali estão polícias Militar e Civil, bombeiros, Detran, DER e Samu. Em casos excepcionais, como as Olimpíadas deste ano, que terá jogos no DF, integram a equipe a Polícia Federal, Polícia Rodoviária Federal e Comando Militar do Planalto, Ao todo, somam 54 agências de segurança.

Tecnologia deve demorar

O sistema que permite identificação de rostos e placas só deve ser adquirido após a conclusão do projeto inicial da instalação das câmeras. Mas, segundo a SSP, o atual permite algumas ações inteligentes, como identificar aglomerações ou dispersões momentâneas e objetos abandonados.

Ainda à espera de câmeras

Todas as mesas da central de despacho ficam viradas para uma grande tela com imagens de câmeras espalhadas pelo DF. A maioria  do centro de Brasília, como a região da Esplanada e Rodoviária do Plano Piloto. O tenente-coronel Robson Cardoso explica que as câmeras estão em fase de implementação. “Serão mais de três mil equipamentos com sistema de alerta para monitorar”, estima. 

O sistema de alerta deve permitir que se identifiquem placa de veículos, rostos, pontos de queimada e manifestações, mas não há prazo para que isso aconteça. A instalação  foi suspensa na troca de governo e 500 câmeras estariam sem funcionar. “Sem o sistema,  somos meros expectadores”, lamenta o tenente-coronel. 

Em nota, a Secretaria de Segurança   informou que, neste mês, receberá o diagnóstico sobre o estado de conservação das 508 câmeras       existentes. “O orçamento inicial para a instalação de 835 câmeras é de R$ 26,3 milhões. Desse total, já foram gastos R$ 15,6 milhões. A retomada dos serviços e a instalação das demais câmeras previstas no projeto inicial dependem do término do estudo, da previsão orçamentária e de convênios a serem firmados”, explicou a pasta. 

Ideal seria dobrar efetivo

No início do mês, todas as equipes da Ciade tiveram acréscimo de pessoal. A PM ganhou o maior reforço e tem 107 profissionais no atendimento porque, segundo o coronel Márcio Pereira, o 190 responde a 90% dos chamados. Apesar disso, o aumento do efetivo  ainda não é suficiente.

É o que diz o subsecretário de Operações de Segurança, Márcio Pereira. “Se formos trabalhar com o ideal, precisaríamos dobrar o efetivo, mas, hoje, não é possível. Nesse momento, temos que contar com outras facilidades, como a tecnologia, que possam reduzir o tempo de resposta e liberar o atendente mais rapidamente”, conta. Atualmente, o tempo médio entre o atendimento e o despacho é  de 15 segundos. 

Rotina

Entre um atendimento e outro em que a ligação sequer chega a completar, o tenente Freitas, de 46 anos, conta sua rotina. Foram 16 anos nas ruas até  integrar a central. Antes de trabalhar na sala sem janelas, prestava os serviços à população do Paranoá. Há quatro anos, atender  às emergências por 12 horas seguidas é sua função. 

“É uma realidade completamente diferente do que temos lá fora. Nos quartéis, a gente não tem uma dimensão exata de como é o atendimento e o despacho aqui no serviço de emergência. Psicologicamente, é muito desgastante porque trabalhamos com situações inusitadas. Todas as pessoas que ligam acham que o problema delas é prioridade. Temos que fazer a triagem e   priorizar  as ocorrências da melhor forma possível”, explica. 

Salvo os momentos em que a ligação serve para xingar ou gritar, os trotes são apenas uma suspeita. Geralmente, ocorrem quando é intervalo na maior parte das escolas. Mas as crianças e adolescentes não costumam sofrer nenhuma sanção pelos atos. O máximo que acontece é levarem um sermão dos atendentes. Porém, isso pode mudar com o serviço de localização. 

“A gente não pode descartar nenhum tipo de ocorrência”, explica o tenente Freitas. “Não é toda criança que liga passando trote. Às vezes, ela foi treinada para isso pelos  pais. Temos que tentar fazer a triagem da melhor forma possível para confirmar o caso”, completa.

Saiba mais

Além dos trotes clássicos e   infantis, há casos inusitados, como pessoas que ligam para tecer elogios aos atendentes ou solitários que procuram uma conversa. 

De acordo com o responsável pela Ciade, há inúmeras ligações que não se completam por motivos diversos. Uma desconfiança é que podem existir problemas com as operadoras. O novo sistema poderá revelar o problema.

A Ciade recebe ligações pelo 190 (PM), 193 (bombeiros), 199 (Defesa Civil), 911  e 112.

    Você também pode gostar

    Assine nossa newsletter e
    mantenha-se bem informado