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Brasília

Internet turbina lendas urbanas e multiplica o pânico de moradores

Arquivo Geral

14/02/2016 7h00

Manuela Rolim

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Diz o ditado que uma mentira contada repetidas vezes torna-se verdade. Por um lado, a sabedoria popular parece ter razão. Não é raro ver um boato se propagar de tal forma que o torna real, pelo menos na cabeça das pessoas. No DF, volta e meia surgem rumores que apavoram a população sem motivos e viram verdadeiras lendas urbanas.

No Facebook, por exemplo, na página Mães Amigas de Samambaia Sul e Norte, postou-se uma   imagem  indicando que um local seria alvo fácil para assaltantes. Não demorou para os comentários se multiplicarem. Em uma das mensagens, uma internauta escreveu: “Uma vez a polícia publicou falando sobre esses símbolos, os bandidos usam para identificar o tipo de residência”. 

Em seguida, outra moradora concordou com o suposto código e disse: “Também já vi esses símbolos em casas. É para dizer se há fácil acesso, se o morador está viajando”.

Em Taguatinga, na CNB 13, uma marcação na porta de um edifício resultou em avisos espalhados pelo condomínio. No papel, os condôminos alertavam sobre o caso e pediam para a vizinhança tomar cuidado. 

No meio desse pânico, no entanto, uma moradora não acreditou na marcação. “Para mim, isso é briga entre vizinhos. Nunca tivemos nenhum problema aqui. O prédio tem alarme e é seguro”, opinou. Postagem semelhante foi parar na internet, na página Mães Amigas de Águas Claras, o que também suscitou   debate.

A situação é sempre a mesma. As lendas urbanas surgem e, sem que ninguém descubra a origem ou o motivo, mudam a rotina das pessoas. No geral, são rumores que começam de maneira discreta e, de repente, ganham visibilidade, o que é potencializado pela internet. E não importa quanto tempo passe, algumas histórias ficam gravadas na memória.

Marcações em edifícios

Recentemente, símbolos encontrados em prédios residenciais de algumas cidades do Distrito Federal, supostamente indicando que o local é alvo fácil para assaltantes, deixaram os moradores preocupados, mesmo com as polícias Militar e Civil negando o fato. Em pouco tempo, fotos dos desenhos caíram nas redes sociais, e o caso ganhou repercussão na internet.

Ponto de vista

Segundo a professora de Antropologia da Universidade de Brasília (UnB) Lia Zanotta, diante de um cenário em que as condições de segurança são precárias e os números da violência urbana são altíssimos, é comum que a cultura do medo seja evidenciada. No entanto, é preciso que a população busque o equilíbrio. “Ao mesmo tempo em que o medo é justificável diante de uma violência real, ele também ultrapassa o seu próprio limite, ou seja, a pessoa passa a acreditar em um cenário muito pior do que ele realmente é. As pessoas precisam tocar a vida, não podem deixar que a imaginação, a insegurança e a sensação de impotência as dominem”, alertou.

Lia destaca ainda que, por causa desse pânico, a população vive trancada dentro de casa. “Se prevenir da criminalidade é absolutamente válido. O problema é quando isso vira doença e afeta, inclusive, as relações interpessoais. Hoje, ninguém sai mais de casa, a vida ficou restrita dentro dos condomínios”, completou.

Medo do sequestro de crianças

Em Águas Lindas (GO), a quase 50 quilômetros de Brasília, um boato, que surgiu há pouco mais de dez anos, ainda é lembrado pela comunidade. Na época, a história de que criminosos usavam uma Kombi para sequestrar   crianças da região apavorou os moradores. Para piorar, circulou pela cidade que o objetivo era o tráfico de órgãos, mas, até hoje, não existe nenhum indício ou fato que comprove o caso. 

Há 20 anos morando em Águas Lindas, o taxista Valdir Bastos Almeida, 52 anos, tem muitas lembranças dos rumores a respeito da Kombi. “Ninguém sabia se o veículo era daqui. A cidade inteira só falava nisso, todo mundo vivia com medo de deixar as crianças irem para o colégio. O clima era de pânico”, relatou. 

Pai de 11 filhos, Valdir conta que tinha cuidado redobrado com eles. “Fazia questão de levá-los e buscá-los na escola todos os dias. Uma vez, até disseram que o corpo de uma criança foi encontrado sem os órgãos, mas ninguém nunca viu nada”, completou. 

Para o taxista Antônio Abilio, 66, também morador de Águas Lindas há 18 anos, o boato tinha outra versão. Segundo ele, não era uma Kombi que sequestrava a garotada, mas um carro preto. “As crianças viviam trancadas dentro de casa. Eu mesmo não deixava meus filhos saírem. Além disso, falava para eles nunca aceitarem nada de ninguém e correrem ao ver um carro preto. As notícias se multiplicavam, mas nada era comprovado”, acrescentou.

“Não há nada que comprove”, diz a polícia

A autônoma Elisângela da Silva Galvão de Moraes, 24 anos, era criança na época do boato de que crianças seriam sequestradas para tráfico de órgãos em Águas Lindas (GO). Ela conta como foi esse período: “Lembro que minha mãe não me deixava brincar na rua”. 

Elisângela lembra que, anos depois, a mesma história surgiu após ter seu primeiro filho. “Boato é o que não falta. As pessoas acreditam, pois não sabem que é mentira. Além disso, é melhor prevenir do que remediar. Assim como minha mãe fazia comigo, eu também prendia meu filho em casa”, concluiu. 

Quanto aos símbolos encontrados em prédios no DF,   a Polícia Militar garantiu que, até o momento, não há nada que comprove que os  sejam códigos entre criminosos. “Nunca registramos nada parecido. Isso é pichação. Normalmente, isso acontece em outros estados, que, diferentemente do DF, não têm endereços tão fáceis”, tranquilizou o assessor de comunicação da PM, capitão Michello Bueno. Da mesma forma, a Divisão de Comunicação da Polícia Civil (Divicom) afirmou que “não há nada que indique isso”.

É bom ter cuidado

No entanto, a população tem que tomar cuidado, ressalta Bueno. “Tudo o que chama a atenção pode significar algo, como também pode não ser nada. É bom ficar alerta e procurar a polícia, se necessário. Uma dica importante é, quando viajar, não deixar nada que indique que a casa está vazia”, finalizou. 

O especialista em segurança pública da Universidade de Brasília (UnB) Antônio Testa não nega que, no mundo do crime, existam códigos usados para estabelecer alguma comunicação. Mas ele ressalta que, normalmente, isso ocorre em forma de tatuagens. “Não há comprovação em relação aos outros boatos e, portanto, o medo da população é excessivo. Por outro lado, vale destacar que o pânico é compreensível”, comentou.

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