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Brasília

Barracos ocupam espaços nobres do DF

Arquivo Geral

29/01/2016 6h00

Jéssica Antunes

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Entre idas e vindas de carros que ultrapassam os 80 km por hora e prédios de classe média alta com a altura padronizada do centro de Brasília, vivem pessoas sem teto que escolheram os eixos que cortam a capital do País para sobreviver. Eles se assemelham e diferem por decisões e histórias de vida e compartilham os endereços de luxo com alugueis que variam de R$ 1 mil a R$ 3 mil com suas construções de madeira, lona ou papelão, a custo zero. O Jornal de Brasília descobriu o que os levou a estarem ali.

Com as mesmas mãos que catam latinhas para o sustento, o ex-caseiro Antônio Janques, 49 anos, criou três cômodos de uma casa a céu aberto, que tem, no quintal, toda a vulnerabilidade possível. Sua moradia está em local privilegiado. No início da Asa Norte, há, na vizinhança, um posto de gasolina e uma delegacia. 

Ele ocupa pouco mais de dois metros quadrados do gramado central do eixo. Há cozinha com fogueira de tijolos, banheiro com cobertura e quarto com objetos pessoais. Pouco adiante, um varal adaptado entre árvores, onde pendura as roupas que lava com cuidado. A camisa, mesmo com manchas de terra devido ao dia a dia, permanece branca.

“Estou aqui desde outubro do ano passado, mas morei por cinco anos nas ruas de Sobradinho depois que fui demitido. Lá eu trabalhei por dez anos em uma chácara, mas depois não tive para onde ir”, conta o homem, nascido em Goiás, culpando a crise econômica.  “Sobrevivi de vendas de latinha, mas lá era muito fraco. Aqui, no Plano Piloto, tem mais. Agora, com o Carnaval, aumenta muito. Lá não seria assim”, compara. 

Ele diz que queria voltar a trabalhar fora da ilegalidade, “mas vagas para caseiro sem referência e estudo não tem”. Antônio completou a quarta série do Ensino Fundamental, mas precisou largar a escola para trabalhar na roça aos 12 anos. A casa do irmão, na Cidade Ocidental (GO), não é opção: “Ele também não tem condições. Não iria para lá para fazer nada. Aqui cato minhas latinhas”. Na nova residência, o homem que não olha nos olhos acrescenta nunca ter sido incomodado. 

A polícia, conta Antônio, só passou ali uma vez, quando aconteceu um roubo. O governo nunca o abordou. “Tem quem grite ‘vagabundo!’ quando passa de carro e tem quem ajuda, mas aqui quem protege é Deus”, define. A colaboração vem do posto de gasolina. Uma funcionária, que preferiu não se identificar, elogiou a educação e a boa conversa de Antônio.

Acidente muda o rumo

“Eu pirei”, conta o catarinense Osnir Checheleiro. Ele viveu os dias úteis dos últimos oito meses de seus 64 anos à beira do movimentado Eixão Norte. Ele trabalhou na roça e foi caminhoneiro, mas sua vida sofreu uma reviravolta e, por mais de uma década, foi andarilho. 

“Meu pai, minha mãe, minha esposa e minhas duas filhas gêmeas morreram em um acidente de ônibus em 2005. Eu tinha desistido da viagem para não deixar a casa sozinha. Na minha cidade, tudo me fazia lembrá-los. Resolvi sair, sem rumo”, lembra, enxugando as lágrimas. Osnir conta que foi de bicicleta até Minas Gerais. 

“Um homem me encontrou na estrada arrastando a bicicleta, que tinha furado o pneu. Contei um pouco da minha história, e ele me ofereceu um emprego de caseiro, mas, depois, começou a me explorar. Não me pagava, e eu trabalhava 24 horas. Fui embora”, recorda. Osnir seguiu até chegar à capital. 

Agora, de segunda a sexta-feira, ele divide o espaço embaixo de árvores no início da 116 Norte com outras cinco pessoas, com histórias e motivos diferentes para estarem ali. Nas proximidades, uma quitinete de 30 m2 pode ser alugada, em média, por R$ 1 mil. Mas, no fim de semana, Osnir vai para casa. 

“Casa de pobre é barraco. Tenho um alugado em Planaltina, mas lá não dá para trabalhar com reciclagem, por isso, vim para cá. Não dá para ganhar dinheiro, mas, pelo menos, compro café da manhã e uma carne de vez em quando”, explica. Ele diz nunca ter usado drogas além do cigarro, que mantém no canto da boca. 

ABANDONO POR DOENÇA

À beira do Lago Paranoá, no gramado da Quadra 216 do Eixo Norte, mora o baiano Cláudio da Silva, 45 anos. A barraca de camping ele diz ter ganhado de moradores das redondezas. Faz uma fogueira com tijolos, onde prepara a comida em uma panela de pressão doada. Ele divide o espaço e o alimento com duas cadelas, que faz carinho na cabeça entre as lembranças. 

“Estou há cinco anos em Brasília, sempre nas ruas. Eu trabalhava como carvoeiro em Cuiabá (MS), mas minha mulher me contaminou com o vírus HIV e fiquei desgostoso com tudo”, conta. Cláudio faz tratamento no Hospital Universitário de Brasília (HUB) e, em sua barraca, coleciona comprimidos e receitas. 

“Eu nunca usei drogas. Meu esquema é cigarro e uma pinguinha de vez em quando”, avisa. Ele já passou por abrigos e alega não poder ficar em albergues por conta da alegada doença, mas jura que também não seria opção. “Aqui eu zelo e limpo pelo meu espaço e cuido das minhas cachorras. É como dizem: Deus dá o frio conforme o agasalho. Nunca tive problemas aqui”, garante. 

Drogas: um motivo para estar nas ruas

Sentado no barraco com menos de um metro de altura, um homem acende uma chama em uma latinha de refrigerante. “Eu gosto de usar umas coisinhas”, diz, quando a reportagem se aproxima. Ele conta que tem família em Planaltina, mas a abandonou por conta das drogas: “Quando não dá certo, tem que sair. Melhor evitar que remediar”.

Denison Melo, 32 anos, afirma que sempre trabalhou como ajudante de pedreiro e estudou até a quinta série do Ensino Fundamental. Há seis meses, mora próximo ao Cruzeiro e ao Setor Militar Urbano, no Eixo Monumental. Do outro lado da rua, casas são alugadas por pelo menos R$ 3 mil. 

“É passageiro porque eu sou trabalhador. É melhor estar na rua que na cadeia. Aqui eu não mexo com ninguém e ninguém mexe comigo”. Nem o governo, que nunca o teria abordado. 

Homens entre 20 e 44 anos são, segundo o GDF, a maior parte das estimadas 2,5 mil pessoas que vivem em condição de rua em busca de doações de roupas, alimentos e brinquedos. A maioria, diz, vem de Minas Gerais, Goiás e da Bahia.

Em nota, a Secretaria de Trabalho, Desenvolvimento Social, Mulheres, Igualdade Racial e Direitos Humanos informou que faz abordagens periódicas, “mas as famílias recusam a ajuda do governo e as vagas nos abrigos”. Quando estão presentes crianças e adolescentes, o Conselho Tutelar é acionado. Para adultos, as medidas protetivas ficam por conta da Polícia Militar.

Saiba mais

Pelos eixos que cortam a capital projetada por Lúcio Costa, oito pessoas vivem na Asa Norte, e duas, no Eixo Monumental. Na Asa Sul, a reportagem não encontrou nenhuma barraca. 

O governo tem equipes de educadores sociais que identificam pessoas nas ruas que representem algum risco social e pessoal. Não há internação compulsória, e o morador precisa querer sair dali.  

Os últimos dados de atendimentos disponíveis são do primeiro semestre de 2015, quando 23.464 pessoas foram atendidas pelo Serviço de Abordagem Social, e 1.521, entre mulheres e idosos optaram pelo acolhimento.

Os centros de Referência Especializados em Assistência Social em Brasília, Brazlândia, Ceilândia, Estrutural, Gama, Planaltina, Samambaia, Sobradinho e Taguatinga buscam garantir os direitos socioassistenciais dos indivíduos e suas famílias, potencializando vínculos familiares e comunitários.

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