Millena Lopes, Jurana Lopes e Eric Zambon
Enquanto os servidores públicos do DF cruzam os braços, o governo insiste em que não tem como negociar com os sindicatos. E diz contar com o bom senso dos trabalhadores para que não prejudiquem a população. A única providência, até agora, foi a criação de um gabinete de crise para discutir os impactos da greve e cuidar para que a população não fique desassistida.
O silêncio do Palácio do Buriti soa mal junto às categorias, que temem restar apenas uma via para o pagamento dos reajustes: a judicialização. E aí correr o risco de esperar anos e anos para que haja uma decisão ou mesmo que os pagamentos sejam por meio de precatórios.
Marcos Dantas, secretário de Relações Institucionais e Sociais, diz que o governo faz um apelo às categorias para que considerem o cenário de crise. “Nossa esperança é que a greve não ganhe corpo. É um momento de reflexão e bom senso”.
Na semana passada, o governo chamou os representantes das categorias para propor o pagamento dos reajustes – concedidos na gestão de Agnelo Queiroz – a partir de maio de 2016. Segundo as leis aprovadas na Câmara Legislativa em 2012, a última parcela deveria ter sido paga em setembro.
Sindicalistas tinham esperança de que o governo cumprisse o que já fora mencionado em outros encontros – se a Câmara Legislativa aprovasse projetos que resultassem em incremento de receita, os servidores receberiam a partir de janeiro. E, mesmo com o remanejamento de recursos do Iprev, que deve garantir os salários em dia até o fim do ano, o governo diz que não consegue pagar antes de maio.
Faltam R$ 2,9 bilhões
“Neste momento, não temos como fazer proposta enquanto a gente não tiver claro como vai ser nossa receita em 2016”, argumentou o secretário Marcos Dantas, citando que os aumentos de impostos aprovados pela Câmara ainda não são suficientes para as despesas previstas para o ano que vem.
Nas contas do secretário, o governo precisa arrecadar R$ 1,7 bilhão para cumprir com as obrigações previstas. Contando com os reajustes dos servidores, o número sobe para R$ 2,9 bilhões. “Temos que ter responsabilidade”, repetiu ele.
Um dia depois de o Tribunal de Contas da União (TCU) rejeitar as contas da presidente Dilma Rousseff de 2014, o secretário diz que o momento é de responsabilidade fiscal. “Nós não estamos parados. O fato é que não dá para fazer compromisso que a gente não possa cumprir. Chega de demagogia”, disse, citando que o governo procura agir “com criatividade” para resolver o problema financeiro.
Justiça
O gabinete de crise, segundo Dantas, deve avaliar as situações geradas pelas paralisações e tomar as decisões necessárias. E isso pode incluir o questionamento das greves na Justiça. “A população não pode ficar desassistida e os servidores têm que avaliar isso”, repetiu.
Ponto de vista
Se os servidores buscarem a Justiça para reivindicar os pagamentos, a questão pode levar anos para ser resolvida. Segundo a advogada Denise Vargas, especialista em Direito Constitucional, os “prejudicados” poderiam recorrer a duas vias: ação ordinária, em que o trâmite é mais demorado; ou mandado de segurança, para forçar conceder o aumento para o ano que vem. “Existe precedente no Supremo Tribunal Federal dizendo que, se (o governo) não tiver orçamento no ano de concessão do reajuste, não é obrigado (a pagar)”, explicou.
Atendimento ainda mais demorado
A população sentiu na pele os efeitos do primeiro dia da greve. Entre os serviços comprometidos estão os atendimentos nos hospitais, nos centros de saúde e nas unidades do Na Hora.
Quem mais sofreu com a situação foi quem dependia de algum tipo de serviço médico. A maioria dos hospitais funcionou em esquema de plantão, recebendo apenas casos urgentes. A estudante Mairla Silva, 15 anos, foi ao Hospital Regional de Taguatinga (HRT) com a mãe buscar atendimento ao irmão caçula, de um ano, que está com infecção na garganta. Elas chegaram à emergência às 6h e, até as 13h, a criança não havia sido chamada.
“Logo que chegamos, fomos informadas na recepção de que o atendimento iria demorar muito. Fomos pegas de surpresa, pois não pensamos que essa greve iria comprometer tanto o atendimento”, afirmou. Segundo a jovem, os atendentes estavam avisando na recepção que não havia previsão para ninguém ser atendido e que seria necessário bastante paciência.
Sem previsão
O pedreiro Francisco Lemos, de 60 anos, foi até a emergência porque sentia fortes dores na coluna. Entretanto, depois que ele passou pelo atendimento na triagem, também foi informado de que não teria previsão para ser atendido.
Por causa da longa espera, muitos pacientes acabaram voltando para casa sem consultar um médico. Esse foi o caso da massoterapeuta Taeko Watanabe, 52 anos. Ela estava há mais de quatro horas aguardando o atendimento com o clínico médico, pois a pressão arterial estava muito alta. “Disseram que não tem previsão de quando o médico vai chamar. Então, prefiro voltar para casa, porque não vai adiantar eu ir a outro hospital com essa greve”, lamenta.
Enquanto isso, em frente ao HRT, terceirizados da limpeza e manutenção estavam de braços cruzados. “O salário está atrasado e a empresa não pagou as férias, alegando que o GDF não repassou a verba. Só voltaremos ao trabalho quando o salário estiver na conta”, explicou Wilson Aguiar, representante do grupo. Apenas 30% do pessoal está trabalhando.
Prejudicados reclamam
No Hospital de Base, a emergência estava cheia de pacientes que aguardavam há horas. A aposentada Tânia Fernandes, 37 anos, estava indignada. “Eu concordo que os servidores precisam reivindicar o direito deles, mas a população não pode ser a principal prejudicada. Deveriam manter pelo menos 50% trabalhando”, reclama. Tânia levou a mãe, de 85 anos, para ser atendida com um cardiovascular porque ela estava com um inchaço na perna, mas disseram que só havia uma enfermeira para atendê-la. Antes, ela foi ao Hospital do Paranoá.
Nos postos do Na Hora, o atendimento estava parcialmente prejudicado. Um dos funcionários da unidade da Rodoviária informou que a emissão de RG e os serviços do Detran não estavam sendo realizados. “O atendimento na sede do Detran está normal porque lá quem atende são os servidores do próprio órgão. Já no Na Hora, são terceirizados da Secretaria de Justiça”, disse.
Saiba mais
No Serviço de Atendimento Móvel de Urgência (Samu), a greve atingiu a parte administrativa. A quantidade de viaturas está normal.
O Hemocentro funcionou com atendimento reduzido.
A maioria dos hospitais suspendeu o serviço nos ambulatórios e quem tinha consulta marcada teve de remarcar.
Os quase 40 mil trabalhadores terceirizados de limpeza, conservação, manutenção e merendas também decidiram cruzar os braços. Eles alegam estar com salários, tíquetes- alimentação e vales-transporte atrasados. O grupo também diz que, com a decisão do GDF de reduzir 25% dos contratos de prestação de serviços, as empresas têm feito demissões.
Serviços comprometidos:
Saúde
Estão parados: médicos, enfermeiros, técnicos e auxiliares de enfermagem, técnicos em radiografia
O atendimento está restrito às emergências (hospitais e UPAs) e cirurgias de urgência
Marcações de consultas, que são feitas por técnicos, estão suspensas
Samu paralisou apenas os serviços administrativos
Suspensos os atendimentos odontológicos em postos e centros de saúde, clínicas de família, centros de especialidades odontológicas e unidades mistas
Emergências odontológicas são atendidas apenas nas UPAs, no Hospital de Base e no Hospital Regional da Asa Norte
Os exames de radiografia, tomografia, ressonância magnética, mamografia e ecografia funcionam com quadro mínimo, assim como o Hemocentro
Segurança Pública
Interrupção do atendimento administrativo nas delegacias de polícia e serviços do Instituto Médico Legal (IML)
Educação
Interrupção de aulas, suspensão de serviços de secretaria, serviços gerais e merenda escolar a partir do próximo dia 15
Serviço assistencial
Redução do efetivo no funcionamento de toda a rede assistencial e de medidas socioeducativas
Na área assistencial, afeta o pagamento de Bolsa Família e o fornecimento de benefícios assistenciais, boa parte das unidades de acolhimento a pessoas em situação de vulnerabilidade, abrigo para crianças, albergues para a população de rua, abrigo para mulheres em situação de rua, serviços para idosos e serviço funerário para famílias de baixa renda
Atividades socioeducativas
Nas unidades de internação para menores infratores, há redução no banho de sol; as escoltas são restritas às emergências hospitalares; as visitas estão suspensas por falta de pessoal para revista; estão suspensos também os encaminhamentos às escolas, oficinas profissionalizantes e atividades esportivas e não haverá recebimento de menores apreendidos no Núcleo de Atendimento Inicial
Sistema prisional
Estão suspensas as visitas aos apenados, o atendimento a advogados e oficiais de Justiça, as escoltas judiciais e hospitalares e serviços sociais.
Obras e mobilidade urbana
Interrupção na gestão de contratos e pagamento de empresas de infraestrutura; aprovação de projetos para Habite-se; fiscalização e controle de agrotóxicos e da produção de alimentos; licenciamento; gestão de parques e unidades de conservação; manutenção de unidades escolares e hospitalares; reversão da Estrutural; operação tapa-buracos; fechamento do Eixão aos domingos e feriados; e atendimento para questões de multas e recursos de multas
Meio ambiente
Suspensão de atividades da vigilância sanitária, das áreas administrativas do Serviço de Limpeza Urbana e varrição de ruas, Zoológico de Brasília e do Instituto do Meio Ambiente e dos Recursos Hídricos do Distrito Federal, além da Zoonoses e Ibram
Documentos e alvarás
Suspensão de atendimentos nos postos do Na Hora e das administrações regionais