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Brasília

Conic: sexo, drogas e Deus

Arquivo Geral

21/04/2015 7h00

Um senhor de cabelos brancos caminha lentamente em direção às escadas de um dos prédios do Conic. Ele pisa os degraus sem olhar para trás. Ninguém sabe o seu nome, tampouco quantos anos tem, mas conhecem o roteiro do idoso: “ele frequenta a sauna gay”, afirmam. Enquanto isso, na porta ao lado, no prédio do extinto cinema pornô Cine Ritz, fiéis da comunidade evangélica Marca da Promessa se ajoelham diante do altar. Oram em voz alta. Pedem ajuda divina para combater o mal na Terra. Esse é o atual retrato do Setor de Diversões Sul. Apesar dos templos serem maioria no local hoje, evangélicos e católicos dividem o espaço com o que chamam de luxúria. 

“Não temos e nem queremos ter problemas com essas pessoas. Ao contrário. Nossa ideia é fazer do Conic um lugar de louvor. A gente tenta evangelizar essas pessoas com o amor. Já até sonhei que criamos uma camiseta com a frase ‘O conic é de Jesus’”, revela a pastora e fundadora da Comunidade Marca da Promessa, Cleia Novelino, 39 anos. Ela aluga   a área desde agosto deste ano e conta  porque escolheu o antigo Cine Ritz para abrigar a igreja  que fundou há cinco anos. “Onde estávamos, não dava mais. A comunidade cresceu e vimos na internet este espaço. Chegamos e nos interessamos.  Não conhecíamos o ambiente antes”, afirma. 

Para a pastora,  não há motivos para sentir qualquer constrangimento de ocupar o antigo Cine Ritz. “Meu marido, também fundador da comunidade, diz uma frase que eu acho perfeita: ‘tudo se fez novo aqui’. Deus nos colocou aqui, sem saber o que havia antes. Onde havia trevas, onde tinha pessoas que se prostituíam, famílias eram destruídas, hoje é a Casa de Deus. Homens faziam programa. E essas pessoas hoje estão vindo para a igreja”, diz.

Respeito às diferenças

Já a pastora Ivone de Jesus, 51 anos, da igreja Deus é Amor, localizada no mesmo prédio onde funciona a sauna gay, acredita que o melhor jeito de conviver em paz com as boates e bares do local, é respeitar o espaço de cada um. “Essas pessoas frequentam mais no período noturno. Quase não vemos essa movimentação. Buscamos não fazer diferença entre as pessoas”, afirma, enquanto segura a Bíblia nas mãos. Ela chegou à igreja há menos de quatro meses e diz que procura não misturar fé com suas opiniões. “Hoje, cada um faz o que quer. Não posso falar nada”, diz.

No escurinho do cinema

Em 1986, foi inaugurado, no Conic, o famoso Cine Ritz, conhecido nacionalmente por exibir não só filmes pornôs, como também apresentações de striptease e de sexo ao vivo. Os frequentadores da época consideram o espaço um dos mais livres e espontâneos da cidade. Até hoje, alguns brasilienses, que viveram a adolescência nos anos 1980/1990, têm histórias do cinema para contar. 

Aos poucos, porém, o local foi caindo em decadência. Com mudanças constantes no trabalho e diminuição dos valores das apresentações, os próprios profissionais do espaço, como as strippers, foram abandonando o cinema. Segundo relatos, após isso, a prostituição se tornou o carro-chefe da sala. O problema tomou tal proporção que, em 2009, lembram comerciantes do Conic, “alguém denunciou o dono do Ritz, e a polícia fechou a sala com a justificativa de ser por falta de alvará”.

Espaço também para público LGBT
 
O Jornal de Brasília tentou falar com o proprietário da sauna gay do Conic, porém, segundo o segurança do local, “ele é muito discreto e busca não mostrar a boate para proteger a identidade dos frequentadores”. Para entrar na casa, os clientes pagam o valor de R$ 30, conforme mostra a placa na porta de entrada do espaço. “Tem pessoas aqui que não podem ser vistas, entende? Aí, o dono realmente tenta manter a privacidade deles”, conclui o funcionário. 
 
O estabelecimento, porém, não é o único do Conic voltado ao público Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis, Transexuais e Transgêneros (LGBT). A boate Espaço Galleria, que fica ao lado da igreja evangélica Ministério da Promessa, está há 40 anos no setor. Sua programação inclui, entre outras coisas, shows de drag queens. A única exigência do local, ainda na entrada, é a carteira de identidade dos frequentadores, que devem ser maiores de 18 anos. 
 
Sem brigas
 
“Hoje, as pessoas da igreja são pessoas que não têm problema. São pessoas que vêm para fazer suas orações e vão embora. Não tem mais briga”, garante o comerciante Isaac Ribeiro, de 54 anos. De acordo com ele, os problemas entre fiéis e clientes dos espaços LGBTs acabaram depois que o cinema erótico, o Cine Ritz, fechou suas portas.  “Era estranho aquilo lá. Ficava passando filme de gente nua o dia todo. Era um tal de vai e vem danado. Precisava ver”.
 
“Agora virou o Setor de Drogas”
 
Antigamente, continua o proprietário de uma ótica, “tinha casa de prostituição aqui”. Hoje, garante, “tem a casa de shows e a sauna gay, mas é só isso”. Há 20 anos, lembra, “corria dinheiro e crime dentro do setor”. Agora, o espaço ganhou uma nova cara, mais cristã e evangélica. O que, para alguns, também é um incômodo. Quem vivia na noite do antigo Conic, revela, “o lugar está à mercê das igrejas”. 
 
 “Aquele prédio, que tinha boate, gente bonita de noite, movimento, aquilo acabou. O Conic agora ninguém mais sabe o que é. Para nós, dessa profissão, não rende vir para cá. Agora, isso virou o Setor de Drogas, isso, sim. Só vem drogado e pé rapado aqui. Uma vez ou outra que a gente dá a sorte de ter uma coisa melhor. Mas é muito raro. Há uns 20 anos, você via político, atores famosos, gente de alta classe aqui. Agora é uma piada”, critica a prostituta Renata, 50 anos. 
 
Sexo por dinheiro
 
Ela foi a única profissional do sexo que concordou em ceder entrevista à equipe de reportagem do Jornal de Brasília, mas sem mostrar o rosto. Segundo Renata, seus dois filhos já estão grandes, com 25 e 28 anos, e reconheceriam na mãe uma mulher morena, de cabelos lisos e corpo “violão”. Além disso, ambos são evangélicos, assim como o ex-marido. “Não. Não posso aparecer. Ainda tenho três netos, de seis, cinco e dois anos. Minha família não aceita isso de jeito algum. E eu só estou aqui de passagem também. Vim só porque preciso de grana. Me separei há duas semanas e a coisa está difícil”, revela.
 
Saiba mais
 
Perto dos bares do Conic, ainda nos primeiros prédios, uma sex shop chama a atenção de quem passa pelo local. No espaço, além dos tradicionais objetos eróticos, são encontradas peças de masoquismo e outros “brinquedos”. Alguns itens chegam a custar R$ 2 mil. Os clientes, contam as vendedoras, são, na maioria, casais, tanto heteros quanto gays.
 
Programas variam entre R$ 50 e R$ 100
 
 A prostituta Renata conta ainda que cobra R$ 50 para o programa dentro do veículo do cliente e R$ 100 se for em um motel, por exemplo. Para garantir a segurança do trabalho, que é feito sempre no período noturno, as mulheres fazem pares e se dividem nos arredores do Conic. Cada dupla fica em um local. “É raro ficarmos sozinhas. Só quando uma sai para o programa que a gente fica nessa situação. Mas, vou te falar, poucas aqui estão atrás de dinheiro. A maioria faz qualquer coisa por droga mesmo”, completa. 
 
Crack
 
Depois de se despedir, Renata volta ao seu lugar, à espera de um cliente. Mais próximo do Conic, em frente à garagem do subsolo, outra movimentação acontece: a venda de drogas. Três adolescentes se aproximam de um homem, que parece ser um flanelinha. Eles conversam e logo um pacote é entregue nas mãos dos jovens. Usuários chegam a se deitar na calçada do espaço após fumarem crack. Alguns fazem uma espécie de cama no lugar. Ao serem vistos pela equipe de reportagem, todos buscam esconder o rosto.
 
 
 
 
 

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