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Brasília

Carteiros: a fragilidade e o perigo da profissão

Arquivo Geral

11/10/2014 8h40

Para que uma correspondência chegue ao   destino, os carteiros precisam enfrentar barreiras diárias que os remetentes nem imaginam. Além dos cães raivosos, das caixas de correio mal posicionadas e da receptividade ruim de alguns destinatários, esses profissionais são vítimas constantes de assaltos. E com a proximidade do fim do ano, o  cuidado precisa ser redobrado. Estatísticas recentes revelam que, nesta época,  um carteiro é assaltado por dia no Distrito Federal. 

O levantamento se refere ao período de novembro de 2013 a janeiro de 2014. Os dados, do Sindicato dos Trabalhadores dos Correios e Telégrafos do DF e Região do Entorno (Sintect-DF), mostram que Ceilândia e Samambaia são as campeãs de ocorrências. O principal interesse dos ladrões são cartões de crédito e cheques. 

Caso recente

No final de setembro, inclusive, o carro de uma empresa franqueada dos Correios foi roubado   na Quadra  2 do Setor Hoteleiro Norte. Uma ajudante de motorista  estava no interior do veículo quando dois  homens armados anunciaram o assalto. Ela foi obrigada a descer   e deixar  a bolsa, com celular, documentos   e R$ 20 em espécie.

 Minutos depois, policiais militares localizaram o veículo em um estacionamento entre o Parque da Cidade e o edifício Brasil XXI. Os pertences da vítima, no entanto, não foram recuperados. Agora, a 5ª DP segue investigando o crime. 

Presentes

Apesar dos perigos diários, Alzira Coutinho, diretora do Sintect-DF, diz que é no fim do ano que os assaltos costumam aumentar significativamente. “Os bandidos aproveitam a proximidade do Natal, quando as pessoas enviam mais correspondências e  presentes, para atacar os carteiros, especialmente os que entregam encomendas do tipo Sedex”, explica.

Segundo ela, entre novembro do ano passado e janeiro deste ano, houve carteiros sequestrados, carros incendiados e até dois assaltos por dia em Ceilândia e Samambaia. “Teve um dia que, enquanto um carteiro estava   registrando a ocorrência, outro foi assaltado”, conta. 

Os criminosos também roubaram uma Fiat Fiorino e uma van. “Os carros estavam cheios de encomendas, provavelmente   eletrônicos comprados na internet”, lembra. Ainda no mesmo período, uma agência de Correios do Jardim Ingá,   (GO), na Região Metropolitana, foi assaltada quase que diariamente. 

Sequestrado na saída de shopping
 
O carteiro Jeovan Messias, de 53 anos, já foi rendido por criminosos. Funcionário dos Correios há 34 anos, ele foi sequestrado após fazer entregas e recolher malotes em um shopping do Guará. “Fui cobrir um colega que estava afastado do trabalho. Quando encerrava o turno, por volta das 16h30, dois homens armados desceram de um  Ford Ecosport preto e me abordaram. Eles me mandaram entrar na caminhonete e levaram o carro dos Correios”, relata.
 
 Depois disso, a vítima foi    levada para o Pedegral – um bairro de Novo Gama (GO), na Região Metropolitana do DF –  e abandonada em   um matagal. “Desnorteado, fui até a rodovia mais próxima, abordei uma viatura policial e contei o que tinha acontecido. Ainda fomos atrás dos bandidos, mas não os encontramos mais. Minutos depois, outra equipe da PM capturou o criminoso, que estava com o carro dos Correios, os outros fugiram”, lembra. 
 
Messias acredita que os assaltantes já o estavam observando. “Eles foram muito rápidos, pareciam já conhecer minha rotina”, completa. 
 
Alguns dias depois, uma quadrilha especializada em assaltos a carteiros foi presa. “Após isso os crimes diminuíram bastante, mas não acabaram”, alerta a vítima.
 
Insegurança presente
 
O carteiro Cristinei Ribeiro, 32, trabalha nos Correios há uma década. Durante esse período, nunca foi vítima de assaltos, mas tem colegas que foram. “Cinco deles foram roubados no Cruzeiro Velho, onde eu também faço entregas, e um na Estrutural. Para me resguardar, sempre observo se há alguma  movimentação estranha nas ruas em  que entro. Também reparo se há pessoas de fora, que não vivem no local. Isso porque trabalhando há tantos anos na mesma região sabemos quem é de lá e quem não é”, afirma.  
 
O carteiro acredita que os eletrônicos e produtos chineses, comprados na  internet, chamam a atenção dos criminosos. “Eles sabem que os cheques podem ser sustados pelo número de série, por isso têm mudado de foco”, analisa.
 
Para o carteiro  Washigton Luiz, 48, os carros que fazem entrega de produtos são atrativos para os bandidos. “Justamente porque entregam produtos mais valiosos”, diz. Para ele, os assaltos são uma questão de falta de segurança pública.
 
Os  cartões de crédito também são alvo dos criminosos. Muitos deles já vêm, inclusive, com uma senha pré-definida para o desbloqueio. Isso permite que compras sejam feitas em nome dos destinatários antes mesmo que os cartões cheguem às suas residências.
 
O advogado Ramon Magalhães, 37, levou um susto quando uma fatura com compras – que ele não tinha feito – chegou a sua casa antes do seu novo cartão de crédito. “O banco me ofereceu um cartão  melhor e eu aceitei. Acontece que antes de ele chegar a minha casa chegou a fatura. Quando fui verificar as compras, elas haviam sido feitas em São Paulo (SP) e há meses eu não ia lá. Resolvi conferir o número do cartão e vi que era diferente do meu”, disse.
 
Após perceber a fraude, o advogado entrou em contato com o banco. “Me disseram que o cartão provavelmente foi extraviado na entrega. Fiquei horrorizado com a fragilidade desse sistema e disse que não queria mais receber cartões assim, apenas com retirada direto na agência”, afirmou.
 
“Acabei pagando a fatura, depois fui ressarcido  e deu tudo certo, mas  poderia ter sujado o nome por uma compra que não fiz”, lamenta.
 
Faltam medidas efetivas
 
Luiz Roberto Santana, integrante da diretoria do Sindicato dos Trabalhadores dos Correios e Telégrafos do DF e Região do Entorno (Sintect-DF), diz que apesar dos ataques constates a carteiros, faltam medidas de segurança efetivas por parte dos Correios. “Com o novo acordo firmado após a data base é que conseguimos que os carros de entrega tenham travas elétricas e direção hidráulica. Com as travas manuais  perdíamos muito tempo para deixar os veículos no caso de um assalto”, alega.
 
Segundo o carteiro, ao contrário do que é afirmado pelos Correios, os carros de entrega não possuem aparelhos de GPS ou qualquer outro sistema de segurança. “Existe um aparelho para rastreamento de encomendas dentro dos carros. Toda vez que fazemos uma entrega damos baixa no pedido por meio dele. Se acessarmos a internet por esse sistema é possível identificar a nossa localização. Mas um aparelho de rastreamento específico para os veículos ainda não existe”, diz.
 
O dirigente também reclama da falta de segurança nas agências dos Correios. Segundo ele, apesar de todas as agências do Distrito Federal funcionarem como bancos postais – onde é possível pagar  faturas, abrir conta  corrente e poupança e fazer outras transações bancárias convencionais -, nenhuma delas possui porta giratória ou dispõe de serviço de segurança particular, como nas agências bancárias tradicionais. “As agências dos Correios faturam cerca de R$ 99 milhões por mês em todo o Brasil. Isso dá uma dimensão desse segmento”, diz.
 
Versão oficial
 
A Empresa Brasileira  de Correios e Telégrafos (ECT) afirmou que não fornece informações sobre ocorrências e outros aspectos que podem expor funcionários, carga postal, unidades operacionais e clientes, por motivo de segurança.  A unidade dos Correios de Brasília afirmou, no entanto, que já possui políticas visando proteger seus trabalhadores. “No final do ano passado, assinamos um acordo com a Polícia Federal para implantar ações integradas de prevenção e repressão de roubos a carteiros em todo Brasil. O acordo amplia, em nível nacional, ações adotadas já em 2013 pelos dois órgãos”, explica. Outras medidas implementadas pelos Correios são o monitoramento e o rastreamento de veículos usados nas entregas, uso de escolta armada e parcerias com órgãos municipais e estaduais de segurança pública. A estatal também criou um setor específico para monitoramento de riscos e planejamento de estratégias de segurança  em Brasília, que possui representação em todos os estados e orienta ações para aprimorar a atuação nessa área.
 
Já a Polícia Militar  explicou que a possibilidade de encontrar objetos de valor nas correspondências, especialmente cartões de crédito e cheques, atrai os criminosos. “Visando evitar ações desse tipo, realizamos palestras de prevenção para os funcionários dos Correios. Mas a população também pode ajudar. Basta ligar 190 caso perceba pessoas com comportamento suspeito próximas aos locais de entrega”, reforça. 
 
Saiba mais
 
Nos outros estados a situação não é diferente. De acordo com o sindicato paulista, entre 20 e 30 profissionais são assaltados por dia na capital. Lá muitos carteiros   já foram sequestrados e tiveram os carros incendiados. Para evitar os crimes, a solução foi a implementação de chips   para rastrear as encomendas.  
 
No Rio de Janeiro (RJ), a insegurança já fez com que os carteiros paralisassem as atividades.

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