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Brasília

Destino de Jac, que fez sequestro em hotel, está nas mãos da Justiça

Arquivo Geral

01/10/2014 7h00

Jéssica Antunes e Luís Nova

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Ele fez um funcionário de   hotel refém por mais de sete horas com revólver e explosivos falsos, provocou a evacuação do prédio de 15 andares e dos arredores, mobilizou mais de 150 policiais e dois helicópteros, e pode ser libertado rapidamente. Jac Souza Santos, de 30 anos, garante que planeja novas ações para chamar a atenção do País  – porém, menos intensas do que o sequestro ocorrido há dois dias. 

Indiciado por cárcere privado circunstanciado, ele pode pegar de dois a oito anos de prisão se for condenado, mas  pode estar de volta às ruas em breve. “Resta ao Judiciário decidir, mas cabem medidas cautelares em que se concede a liberdade provisória”, revela o delegado Marco Antônio de Almeida. A especialista em direito penal Soraia da Rosa Mendes explica: “Ele foi preso em flagrante e agora o juiz deve analisar as condições da prisão preventiva. Geralmente isso ocorre muito rápido”. 

Possibilidades

Se o juiz entender que é necessária a segregação do suspeito, é decretada a prisão preventiva. Se considerar que algumas medidas que não privam a liberdade são o bastante para garantir o curso   do processo, é expedido o alvará de soltura. Em uma terceira situação, pode impor alguma medida cautelar. 

Agora, o caso passará por todos os trâmites até ser finalizado e a possível prisão judicial decretada. Geralmente, aplica-se a pena mínima, inclusive por ele ser réu primário. Para elevar o patamar há  critérios  a serem levados em consideração. Se aplicada a pena de dois anos, cabe  a suspensão condicional. Neste caso, algumas limitações são impostas e, depois de um tempo, o risco de ser encarcerado acaba e ele só será preso caso as descumpra.    

“Não sou um criminoso”, disse Jac, ao entrar na sala do delegado que investiga o sequestro ocorrido no hotel Saint Peter, do Setor Hoteleiro Sul.   Ele não se arrepende do que fez, mas considera que esse tenha sido seu maior erro. “Tudo o que fiz e tudo o que faço é pela população brasileira. Eu não abaixarei a cabeça. Posso até ajoelhar, mas não deitarei diante da política brasileira”, tentou justificar.

Detalhes do crime são desvendados
 
Para o delegado Marco Antônio de Almeida,  “Jac não demonstra sinais de que tenha agido sob influência de   patologia”. De fato, o sequestrador admitiu que não passou de uma estratégia: “O governo, sabendo que eu não tinha muito tempo de vida, poderia atender as minhas reivindicações mais rápido. Na verdade, não tenho doença”. 
 
A atitude poderia ter custado caro. “Havia   atiradores  prontos para entrar em ação. Só não houve uma tomada de decisão de autorizar o tiro letal porque, desde o início, os especialistas perceberam que a arma era falsa”, diz o delegado. A facilidade com que Jac manuseava a pistola indicava que era um objeto leve. 
 
Além disso, a suspeita de que as dinamites eram falsas surgiu pelo fato de que o sequestrador não portava um mecanismo para ativá-lo. No entanto, a polícia só teve   certeza de que todos os artefatos eram falsos  quando ele se entregou.
“Se fôssemos considerar que em cada bisnaga pudesse ter 300 gramas de explosivo do mais simples, seriam três quilos   e poderia destruir três andares. Seria um risco muito elevado”, contou o delegado. 
 
Jac    confeccionou sozinho os explosivos  usando cano de PVC, serragem e cimento a partir de instruções encontradas na internet. A arma de brinquedo e as algemas foram compradas por menos de R$ 200 na Feira dos Importados. 
 
REFERÊNCIAS POLÍTICAS
 
Durante todo o dia, o homem usou bandeiras políticas para justificar a ação. Entre seus pedidos estavam a aplicação   da Lei da Ficha Limpa e a extradição do exilado italiano Cesare Batisti. Suas ações foram parar na imprensa internacional a seis dias das eleições.
 
A escolha do andar não foi por acaso: o 13º pavimento do hotel fazia referência ao número do Partido dos Trabalhadores. O hotel também não. Ele conta que o fato de que José Dirceu, condenado no julgamento do mensalão, teria recebido oferta para trabalhar ali com  remuneração de R$ 20 mil pesou no momento da seleção. “Seria o local ideal para iniciar a luta”, considerou.
 
Atitudes tomadas cuidadosamente
 
Jac revelou   que entrou no mundo da política em 2008, “e lá começou a indignação com  a forma que ela é administrada. Tenho que agradecer  a Deus que tocasse no coração daqueles fuzileiros para que não me dessem aquela bala. Deus predestinou que eu iria lutar e irei lutar”, afirmou. Ele   citou ainda trechos da Bíblia e do Hino Nacional e pediu desculpas à família da vítima. 
 
 Quanto aos próprios familiares, ele contou que  escreveu cartas de despedida   como forma de dar mais “veracidade”. “Eu não sabia o desfecho que poderia dar. Precisava me despedir de alguma forma”, disse. Feito isso,   partiu de Combinado (TO) rumo ao DF.
 
Depois de se hospedar em um hotel no SIA, onde também deixou uma falsa bomba, ele seguiu para o   Saint Peter.   No momento da reserva,  não teriam   avisado que o quarto só estaria disponível às 12h. “Tinha uma diferença de valor de R$ 150 e eu não estava com dinheiro. Pedi que eu entrasse no apartamento que uma pessoa me levaria o dinheiro. Eles deixaram”. 
 
Às 7h, ele ligou na recepção solicitando a presença de uma camareira. “Chegou uma senhora, fechei a porta, saquei a arma e senti que ela não estava preparada emocionalmente”, conta. Quando ela começou a chorar, ele teria entendido que não seria “interessante trabalhar com ela porque ela poderia perder a vida nas minhas mãos e eu jamais quero ser responsável pela perda de vida de um ser humano”.
 
Depois, ligou novamente pedindo que um rapaz subisse. Era o mesmo que o atendeu na confusão da entrada. “Vi que estava cansado. Não iria fazer isso com ele. O coitado passou a noite toda trabalhando e iria passar o dia todo em uma situação como essa?”, questionou. 
 
Então, Jac teria perguntado ao homem sobre alguém que estivesse iniciando o plantão. “Expliquei o que iria acontecer e mostrei o explosivo, com a arma na mão”, lembra.  Nesse momento, entregou o celular e   CDs aos dois funcionários que seriam libertados e pediu que chamassem a polícia e a imprensa.
 
Elementos indicam transtorno
 
Embora   alegue não possuir nenhuma  doença, Jac Souza ainda deve ser submetido a exames psiquiátricos. Reforçando a necessidade de uma análise clínica da condição do homem, a  doutora em Psicanálise da Universidade de São Paulo (USP)  Priscila Gasparini  aponta que  nessa situação há elementos que caracterizam um possível transtorno. “O planejamento do crime e a tentativa de confundir a polícia –  espalhando caixas suspeitas pela cidade – indicam um transtorno de conduta”, explica.
 
“A primeira hipótese neste caso seria de psicopatia, que é uma doença estrutural. Dá para notar que o autor realmente acredita no surto e tenta lutar por ele. O comando da situação faz com que o paciente, muitas vezes, ache tudo encantador”, analisa a especialista. Ela observa que o sequestrador apresentou ideias desconexas, e isso caracteriza a psicopatia. “A confusão é visível. Ele tenta mudar uma coisa que é muito maior do que ele”, aponta.
 
 Priscila orienta   os envolvidos em uma situação deste tipo: “A vítima tem que ter calma e tentar ser o ponto de equilíbrio da situação”.
 
Para a especialista, a possibilidade de soltura de Jac  é     perigosa. “Ele planeja novos ataques, isso é um risco. A polícia deveria levá-lo para fazer uma avaliação psiquiátrica, pois ele pode cometer novos crimes”, destaca.
 
Defesa
 
Segundo o advogado de Jac, Carlos André do Nascimento,  familiares do rapaz estão trazendo documentos que comprovam o atendimento clínico dele em Tocantins. “Há relatos de familiares de que ele já teve problemas da ordem psicológica”, relata. Nascimento reforça que seu cliente está transtornado com a política nacional.
 
Custo da operação
 
O suspeito pode ser multado com base nos custos operacionais da polícia do DF. Porém, a corporação não informa o valor gasto. “O atendimento à ocorrência não é considerado gasto”, informou por meio de assessoria a Polícia Civil. No entanto, “se o juiz entender que poderá aplicar a multa, deverá requisitar o dado à PCDF”, completou. 
Especialistas em segurança ouvidos pelo Jornal de Brasília destacaram que é difícil precisar o valor, uma vez que é preciso saber exatamente os recursos   utilizados, mas reforçaram que “não foi barato”.
 
Ponto de vista
 
O consultor em segurança pública George Felipe Dantas  avalia o gerenciamento de crise feito pela Polícia Civil  como “um êxito absoluto”. Um dos motivos para esta conclusão é que a ação não resultou em morte. “O refém e o sequestrador foram poupados”, observa. De acordo com o especialista, diante de uma situação como essa, o policial   tenta criar vínculos com o sequestrador, tentando  contornar a situação para que não ocorra algo mais grave. “Existem diversas técnicas consolidadas, que visam estabelecer a confiança. Qualquer impasse entre as partes pode causar a morte do sequestrado. Houve muita sabedoria da parte do negociador para contornar a crise”, completa.  Segundo ele, em muitos casos, quando a negociação não é eficaz, o negociador deve tomar uma atitude imediata, visando poupar a vida do sequestrado: o tiro de abate,  que é a última alternativa. “É uma ação crítica. Esse disparo acontece quando a morte do sequestrado é iminente. Nesses casos, há a necessidade do atirador de elite”, conclui.  Dantas  esclarece ainda sobre o trabalho dos batalhões especializados: “As unidades   de operações especiais tratam de várias situações que não são usuais no cotidiano, mas de grande importância para a segurança pública. Entre essas situações estão incluídas as tomadas de reféns, ações terroristas, enfrentamentos de quadrilhas de traficantes, rebeliões em presídios e segurança de autoridades”.
 

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