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Brasília

Batalha por posse do Jockey Club de Brasília parece longe do fim

Arquivo Geral

27/09/2014 9h00

Incerteza. Esta é a palavra que define o projeto para a construção de uma Vila Olímpica, para as Olímpiadas Universitárias de Verão (Universíade), em 2019, na área do antigo Jockey Club de Brasília, localizado no Guará. Segundo a líder comunitária Iracema Maria Durão Moreira, as terras estão sub judice e, provisoriamente, em sua posse. Segundo a mulher, até que saia uma decisão definitiva sobre a propriedade das terras, a área não poderá ser utilizada pelo Governo do Distrito Federal ou empresas particulares para qualquer fim, o que impossibilitaria a construção dos alojamentos. 

Após a desativação do jóquei, há mais de oito anos, a propriedade do lote — uma doação oficial do presidente Juscelino Kubitschek, no final da década de 1960 — voltou para o GDF em 2004. Até hoje, no entanto, a Agência de Desenvolvimento do Distrito Federal (Terracap) não teria conseguido reaver a posse do lugar.

O local, tomado pelo mato e entulho, não conta com qualquer tipo de manutenção. Atualmente, funcionam uma igreja evangélica, no piso superior, e uma cooperativa, composta por ex-presidiários, que confecciona bolas de futebol, localizada no subsolo. 

Questionada sobre o alvará de funcionamento do local, a líder comunitária Iracema confessou que não possui. “Como as terras estão sub judice e eu detenho a posse, utilizo o espaço como quiser, desde que com autorização da Administração Regional do Guará. Com a permissão eu tenho, só não posso vender ou reformar”, diz.

Moradora do local há 12 anos, a mulher afirma que  o contrato de propriedade das terras, apresentado pela Terracap, é falso. “Abri um processo junto ao Ministério Público para apurar isso. Não quero fornecer o número ou dar mais detalhes para não atrapalhar as investigações. Mas a 38ª DP, do Guará, segue apurando o caso”. 

A dez quilômetros da rodoviária do Plano Piloto, o terreno, de 210 hectares, abriga 36 famílias. Muitas delas moram no local há mais de 50 anos e vivem da criação de animais. 

Possibilidade de venda causa preocupação

A ideia da venda do terreno, avaliado em R$ 14 bilhões, para empresas particulares – em 2010 especulou-se sobre a construção de prédios residenciais no local – ou a construção da Vila Olímpica, assustam os moradores da região, que temem ser transferidos para áreas afastadas. 

O criador de cavalos Milton Felix Marques, 62 anos, que é morador do espaço desde 1968, destaca que nenhuma das famílias que reside no espaço pode ser considerada invasoras de terras. 

“Não somos invasores, recebemos essa terra por doação e repassaremos aos nossos filhos como herança. Não vendemos terras, vivemos apenas da lida com os cavalos. Não podemos agora, depois de tantos anos, sermos despejados em qualquer lugar”, reclama.

Olimpíadas de verão

Em novembro do ano passado Brasília foi escolhida para ser a sede das Olímpiadas Universitárias de Verão, a Universíade, de 2019. A escolha da cidade foi anunciada durante uma convenção em Bruxelas, na Bélgica. Na ocasião, Brasília competia com Budapeste e Baku, no Azerbaijão, mas as cidades desistiram da candidatura e a capital federal recebeu, então, todos 23 votos dos integrantes da Federação Internacional dos Jogos Universitários.

No vídeo exibido para a candidatura, foi apresentada a proposta de construir 22 locais de competição espalhados pela cidade e reformar áreas como o ginásio Cláudio Coutinho e o Centro Olímpico da Universidade de Brasília (UnB). Além disso, uma Vila Olímpica com mais de 2,4 mil apartamentos seria projetada. O custo estimado do investimento é de 730 milhões de euros, ou R$ 2,2 bilhões. 

Posteriormente se cogitou a possibilidade de utilizar a área do Jockey, desativado há oito anos, para a construção da Vila Olímpica. A Terracap afirma que o parcelamento da área ainda está em estudo, mas não há nenhum projeto para o retorno das antigas atividades esportivas no local. 

Futuro de incertezas
 
A batalha pela posse das terras se estende há anos e promete seguir firme. Mas caso não haja uma decisão até a Universíade, em 2019, onde será, afinal, construída a Vila Olímpica? Existe um plano reserva? Para responder essas questões, a reportagem procurou a Terracap e a Secretaria de Esportes, responsável pela realização das Olimpíadas.  
 
A Terracap se limitou a informar que o projeto para a construção da Vila Olímpica ainda está em fase de estudos e, por esse motivo, não pode conceder mais informações. O órgão garantiu, no entanto, que não existe Contrato de Concessão de Uso para as terras do jóquei e disse que a área é de propriedade da Terracap, “conforme matrícula lavrada no 4° Ofício de Registro de Imóveis do Distrito Federal”.
 
A Secretaria de Esportes, por sua vez, explicou que questões relacionadas a terras são de responsabilidade da Terracap – inclusive a posterior necessidade de mudança de local para as obras da Vila Olímpica, caso haja entraves judiciais para a construção dos alojamentos na área do jóquei.
 
Quando questionada sobre a possibilidade de uma entrevista com o secretário, para tratar de assuntos ligados à Universíade, a assessoria de comunicação do órgão se dispôs a fornecer os dados, mas disse que a entrevista não seria possível, “pois o secretário está afastado, trabalhando em campanha eleitoral, e o suplente não tem conhecimento sobre o assunto”. 
 
Justiça
 
O Ministério Público do Distrito Federal confirmou que há processos abertos em nome de Iracema Moreira, em várias frentes, contra o Jockey Club. Em um deles, de maio de 2009, a mulher teria solicitado a intervenção do MP para iniciar um processo contra a Terracap, por reintegração de posse. O órgão não confirmou, porém, se em algum desses processos existe a alegação de falsidade do contrato de propriedade apresentado pela Terracap.
 
Até o fechamento desta edição, a Administração Regional do Guará não se manifestou sobre a situação do alvará de funcionamento da igreja e da cooperativa existentes na área do jóquei.
 
O Instituto Brasília Ambiental (Ibram) disse que o processo de licença ambiental para início das obras da Vila Olímpica está na fase da elaboração do Termo de Referência, que será encaminhado à Terracap para nortear a Licença Prévia. “A Licença Prévia é a primeira das três licenças ambientais necessárias a um empreendimento. As outras duas são: Licença de Instalação e Licença de Operação”, explica.  
 
Ponto de vista
 
A advogada Amanda Regina Silva  diz que é possível ter a posse de um imóvel sem ser proprietário. “É como  alugar um imóvel. A posse é de quem está residindo no lugar, no caso o locatário, mas a propriedade continua pertencendo ao dono do imóvel”, explica. Segundo ela, em casos como o do jóquei, a pessoa que tem  posse não pode fazer modificações no espaço. “Mediante autorização do proprietário, obras necessárias a sobrevivência podem ser feitas e são passíveis de ressarcimento”, afirma. 
 
Saiba mais
 
Em 2002, uma decisão da 6ª Vara de Fazenda Pública revogou a doação do terreno do Jockey Club aos moradores por descumprimento de contrato. O Jockey recorreu da decisão e, em 2004, o TJ negou o recurso, confirmando o ganho da causa à Terracap. Em segunda instância, a Justiça manteve a decisão que prevê a devolução do terreno à estatal. 
 
Em maio de 2009, quando o governo se preparava para fazer uma operação de desocupação, o veterinário Fernando Mattos conseguiu uma liminar da 5ª Turma Cível do TJ, permitindo que ele permanecesse no lugar até que houvesse uma decisão sobre a posse do terreno. 
 
 
 

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