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Brasília

Professores doentes e um mar de atestados na rede pública

Arquivo Geral

15/08/2014 7h20

Raphael Costa e Ary Filgueira

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O ensino público do Distrito Federal está doente. Levantamento da Secretaria de Educação revela um dado que deixa ainda mais deficiente uma área que enfrenta  problemas para proporcionar uma educação de qualidade a crianças e adolescentes do Distrito Federal. De acordo com a pesquisa, só nos seis primeiros meses com dias letivos, foram emitidos 16,4 mil atestados médicos para professores da rede oficial. Comparativamente, esse número é equivalente a mais da metade do quadro de efetivos, que  conta com 32 mil concursados.

Esse número pode aumentar, se for levada em conta a estatística da a Associação de Pais e Alunos do Distrito Federal (Aspa). “São quase 250 por dia”, afirma o presidente da associação, Luis Cláudio Megiorin. 

Em um ano atípico, com a realização da Copa do Mundo no Brasil, feriados e calendário reduzido – 82 dias de aula, outro empecilho prejudica o aprendizado de estudantes da rede pública: a falta de professores. Diante de um quadro crítico como esse, a associação resolveu acionar o Ministério Público para encontrar o remédio. 

Debate

A Aspa se reuniu, na última terça-feira (12), com promotores da Promotoria de Justiça de Defesa da Educação (Proeduc) para um debate sobre a falta de professores no ensino público do DF. De acordo com Luis Cláudio Megiorin, entre os principais problemas ligados à educação pública relacionados no encontro, está a grande quantidade de professores afastados devido aos atestados. 

A quantidade de faltas abonadas, por educador, até agora, variou entre três e 20 dias. “A reposição de professores de imediato é morosa. Esbarra na burocracia e dificuldade de se conseguir um substituto”, aponta Megiorin. 

Conforme explica Megiorin, é necessária uma análise para entender a grande quantidade de atestados apresentados. “Muitas vezes, o diretor chega na unidade e se vê diante de quatro, cinco atestados de até duas semanas e não tem como dar aula e nem repor de imediato”, lamenta.

 Muito além do conteúdo
 
A importância de manter os alunos em aula não ocorre somente pela importância do conteúdo perdido devido à falta de professores, que prejudica o aprendizado, mas sim porque muitos pais não podem ficar com seus filhos, pois estão no trabalho, e contam com a escola para que a segurança de seus filhos seja mantida. Por isso, os estabelecimentos de ensino têm de proporcionar atividades, a fim de manter os estudantes dentro da instituição durante o período em que deveriam assistir normalmente às aulas.
 
Ninguém quer substituir por poucos dias
 
 Segundo Luís Cláudio Megiorin, a principal questão que emperra a substituição dos professores licenciados é a recusa dos educadores que se encontram no cadastro de reserva da secretaria à espera de turmas para lecionar. “Eles não se interessaram em trabalhar por períodos curtos. Precisamos de um banco permanente de professores para substituir esses que ficarão afastados”, acrescenta.
 
Corroborado 
 
A queixa é compartilhada pela Secretaria de Educação. A afirmação foi feita pela Assessoria de Imprensa do órgão por telefone. “Os profissionais não querem assumir por períodos curtos, somente por períodos duradouros, o que dificulta a reposição, juntamente com a burocracia”, disse uma assessora. 
 
Alunos são dispensados das aulas
 
Outra questão abordada na reunião entre representantes da comunidade e membros do MP apontada pelo presidente da Aspa refere-se à dispensa dos alunos no caso da falta de professores e a falta de reposição de aulas. “Sabemos que os diretores de escola fazem um sacrifício e mantêm seus alunos ocupados com atividades extraclasse. Mas, pelo visto, boa parte ainda prefere o caminho mais fácil. Ou seja, faltou professor, dispensam-se os alunos”, queixou-se Luís Cláudio Megiorin. 
 
A decisão de dispensa é tratada como uma falta grave para a Secretaria de Educação, que reforça a proibição da liberação dos alunos nesse tipo de situação. Em vez disso, os estudantes devem fazer outras atividades na escola.
O problema também é sentido pelo  Sindicato dos Professores do DF (Sinpro). A entidade afirma que insistiu nas contratações de aprovados em concurso, e que estão esperando a publicação no Diário Oficial do DF da contratação de aproximadamente 320 novos professores para o ensino público. 
 
Apesar do número, o sindicato afirma que sabe que não é suficiente para atender a demanda da quantidade de professores de licença. Com isso, o Sinpro se reuniu ontem com a Secretaria de Administração do DF, que convocará os coordenadores de ensino de cada região, para analisarem e tentarem achar um solução para o problema. 
A reportagem convocou outros segmentos da sociedade para debater o caso. O especialista em administração pública José Matias-Pereira analisou que esse problema se dá devido a um mau planejamento do sistema de educação. “O sistema de educação é complexo, medidas paliativas simples geram uma crise como essa. Isso só evidencia o quão despreparado está quem planeja a educação no DF”, afirmou. O especialista ainda destacou a falta de valorização dos profissionais da área e afirmou qual deve ser a principal preocupação dos pais em ano eleitoral. “Em época de eleições, os pais e responsáveis devem exigir dos candidatos a priorização da educação em seus mandatos”, completou.
 
Pais cobram explicações das escolas
 
Uma das escolas que estão sofrendo com o problema é a escola base 8 do Cruzeiro. De acordo com alguns pais, os anos escolares prejudicados com a falta de educadores foram o segundo, o quarto e o quinto.  Preocupado com o aprendizado da filha, Antônio Guedes, de 32 anos, pai de Alice Guedes, de nove anos, aluna do quarto ano, afirma que cobrou uma explicação da direção da escola sobre o problema. “Eles nos disseram o que estava acontecendo e que estavam tentando achar uma solução”, contou. 
 
Em relação a dispensas em caso de falta de professores, a pequena Alice afirmou que isso não ocorre na escola do Cruzeiro. “Eles sempre arrumam alguma outra atividade pra nós, nunca ficamos sem fazer nada”, contou a garota.
 
Segurança 
 
A importância de manter os alunos em aula não ocorre somente pela importância do conteúdo perdido, mas sim porque muitos pais não podem ficar com seus filhos, pois estão no trabalho, e contam com a escola para que a segurança de seus filhos seja mantida. É o caso da manicure de 33 anos Mitilene Pereira. Ela afirma que durante a tarde trabalha e por isso escolheu o horário para os filhos. “Ainda bem que eles não dispensam os alunos, se isso acontecesse, não sei o que eu faria”, contou Mitilene.
 
A equipe do JBr. esteve ontem à tarde em outra escola apontada pela Aspa como uma das unidades onde ocorreram a maior quantidade de faltas por dispensa médica: a Escola Classe 27 de Taguatinga. A direção do colégio negou que o problema tenha voltado a ocorrer. “Temos 29 professores na escola. Todos estão trabalhando”, disse a diretora, que não quis se identificar. 
 
Mas uma estudante do 5º ano do ensino fundamental, de 10 anos, disse que uma professora não trabalha desde quarta-feira.
 
MP agirá contra prática proibida
 
Após a reunião da Aspa com as promotoras com o Ministério Público, o presidente Luís Cláudio Megiorin afirmou que houve um consenso das duas partes sobre a criação de um banco regional de de professores contratados prontos para assumir as vagas. “Os professores ficaram a postos, para caso haja alguma falta de professor, eles   substituam o professor afastado”, explicou. 
 
Luís Cláudio afirmou que a dispensa dos alunos das aulas em caso de falta de professores será investigada pelos promotores do MP. “O Ministério Público afirmou que irá acompanhar de perto as instituições de ensino público e vai responsabilizar as entidades que fizerem essa prática, que é proibida.” 
 
O presidente da Aspa disse, ainda, que cobrou da secretaria maior transparência sobre as aulas perdidas e que haja reposição. “Nós queremos que os pais possam acompanhar pelo site da Secretaria de Educação, quais e quantas foram as aulas perdidas, para que seja cobrado a reposição das aula.”
 
Saiba mais
 
O calendário escolar de 2014 da rede pública de ensino tem 200 dias letivos. 
 
No Distrito Federal, a principal mudança em relação aos anos anteriores está no recesso entre os semestres. Em vez dos15 dias habituais, os 480 mil alunos tiveram 30 dias de férias. 
 
A folga foi de 12 de junho e 13 de julho, período de disputa da Mundial, como publicado no Diário Oficial do Distrito Federal.

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