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Brasília

Avenida W3 Sul: do auge à decadência

Arquivo Geral

23/04/2014 7h00

A avenida  que já teve suas lojas disputadas pelos comerciantes de Brasília  hoje está abandonada.  A W3 Sul sofre com a falta de investimentos na região.  O cenário na extensão de seis quilômetros é de insegurança, depredação e total descaso. Por conta disso, o movimento nas ruas diminui a cada dia. Hoje, 132 imóveis comerciais estão de portas fechadas. E muitos outros anunciam o fim da sobrevivência. Segundo os lojistas, o futuro não é nada promissor. A falta de conservação aliada aos altos valores dos aluguéis não permite  mais a permanência ali.

 De acordo com levantamento do Sindicato do Comércio Varejista do Distrito Federal, no início do ano 89 lojas estavam desativadas. Em menos de três meses completos, houve aumento de 48,3% neste número. Em todo o Plano Piloto, a estimativa é de 480 comércios fechados. E não é para menos. Na W3 Sul, os aluguéis custam, em média, R$ 4 mil, diz o Sindivarejista. Fatura que não permite retorno   aos empresários.

 “Tentei negociar com o proprietário. Está irredutível. A firma tem que se manter e eu já não consigo mais. Tínhamos 12 funcionários, agora sobraram três. Falta estacionamento, falta segurança, falta investimento na W3 Sul. Os clientes já não buscam mais os produtos aqui”, desabafa a empresária Bernardeth Martins, 53 anos. Dona de uma loja de roupas infantis na   510, ela diz ainda que o próximo passo, caso não haja mudanças na situação, “é fechar o estabelecimento”. 

Segurança

 Além das despesas com o aluguel de R$ 10 mil mensais e pagamento dos funcionários, ela afirma que teve gastos com segurança. “Coloquei câmeras e fiz seguro de vida para todos os meus empregados. Só com isso, foram R$ 5 mil. E não adianta. Porque os usuários de drogas rondam a região, eles inibem a presença dos clientes. Nós já fomos assaltados. Graças a Deus ninguém foi ferido, mas é um risco abrir as portas”, salientou Bernardeth. A empresária é radical: “O governo tem que dar um jeito. Senão, todos os comerciantes vão desistir. É esse o futuro, caso nada seja feito”. 

 Desiludida com o andamento do negócio, Bernardeth lembra de quando decidiu abrir a loja no local. “Tinha certeza de que seria uma boa coisa. Certeza mesmo. Porque a gente imagina que o Plano Piloto, por ser uma área nobre, nos permita isso. Mas, ao contrário. O abandono  não deixa ninguém ir adiante. É impossível. Foi uma decepção para mim”. 

Comerciantes enumeram problemas
Na 514 Sul, o cenário é ainda pior. Campeã de lojas fechadas, com 18  estabelecimentos à espera de inquilinos, a quadra sofre também com a presença constante de moradores de rua e usuários de drogas. A comerciante Izaura Souza, 51 anos, reclama da falta de policiamento na área. 
“Quase não vejo viaturas. É muito raro”, lamenta. Há dez anos, ela abriu um restaurante e tinha esperanças de que os lucros só aumentassem. “Mas aconteceu o contrário. Só não aumentei ainda o quilo da comida para não perder ainda mais clientes. Porém, esse deve ser o próximo passo”, desabafa. 
 
Dívidas
 A empresária paga mensalmente R$ 3 mil pelo pequeno espaço que ocupa no prédio comercial da quadra. “Só no início do ano, o valor saltou 7,5%. É incompreensível isso porque não aumenta a quantidade de clientes, não baixa o preço dos alimentos. Está ficando cada dia mais difícil manter o ponto. Estou devendo R$ 8 mil ao banco. Não tenho mais a quem recorrer para manter o fluxo no caixa. Não consigo lucrar, só isso”, diz. 
 
Diferença
 Dona de um aviário na Avenida W3 Sul, Laine Dias, 40 anos, ainda consegue recordar da avenida dez anos atrás. “Era melhor. Muito melhor. Se antes a calçada estava sem cinco pedrinhas, hoje você conta nos dedos as que sobraram. Tinha um sonho aqui de que seria tudo de bom. Imaginava tudo lindo, só que me enganei. Caí feio”, lamenta. 
Os usuários de drogas, que rondam o comércio, também a obrigam a fechar mais cedo as portas. “No máximo 18h. Não passamos mais disso. Senão, é loucura”. 
 Para ela, “a ausência de conservação da avenida está acabando com o lucro dos lojistas”. Ela explica ainda que os próprios funcionários, que optam por trabalhar no Plano Piloto, esperam salários melhores.
 “Eles imaginam, assim como nós proprietários, que vão ganhar mais do que ganhariam fora da região central. É uma área nobre. Você gasta mais aqui, logo quer lucrar mais também. Essa é a lógica da coisa”, completa. 
 
Preços   só pioram a situação
 Ao longo da avenida, observam- se vários pontos com anúncios para aluguel. A reportagem telefonou para os números dos contatos para perguntar o valor dos alugúeis. Cada resposta era um susto: nenhum deles custa menos que R$ 10 mil. Uma loja 512 Sul, de 400 m², chega a custar R$ 20 mil por mês. Um prédio inteiro, de 3,1 mil m² chega a  R$ 150 mil. 
 Quando questionados sobre os aluguéis, os representantes das imobiliárias respondiam apenas que  “é uma área nobre. Não podemos baixar o valor”. Para o presidente do Sindivarejista, Edson de Castro, os preços cobrados pelos proprietários corroboram para o abandono da avenida. “Alguns chegam a querer R$ 40 mil pelo ponto. É uma total falta de consciência isso. Não ajuda em nada os lojistas. Eles preferem os comércios fechados do que negociarem um valor menor”, diz. 
 Além disso, completa Edson, a avenida está perdendo seu propósito original, com a invasão de templos, igrejas e cursinhos na área. “Não era esse o plano original para a região. Não sei o que passa pela cabeça dos proprietários”, afirma. Sobre a revitalização da W3 Sul, salienta, “não passa de conversas no período de eleição. Desde 1998 ouvimos promessas, mas nada foi feito até agora”. 
 Com a afirmação, a reportagem tentou saber detalhes da proposta de revitalização da área com a Secretaria de Habitação. A resposta, porém, foi apenas de que “os projetos de revitalização da W3 Sul estão inseridos no texto do PPCUB”. Vale ressaltar, diante disso, que no final de março, o Ministério Público do Distrito Federal e Territórios (MPDFT) determinou a suspensão da eficácia de todas as deliberações e atos do Conselho de Planejamento Territorial e Urbano do Distrito Federal (Conplan) realizados desde janeiro deste ano. Isso inclui a aprovação do Plano de Preservação do Conjunto Urbanístico (PPCUB).
 
Pense nisso
 
Quem mora em Brasília pelo menos desde os anos 1980 pode contar como era a antiga W3 Sul: movimentada, disputada… alguns diriam até glamourosa. Era um shopping aberto, que aos poucos perdeu espaço para os centros comerciais fechados. E enquanto a iniciativa privada construía seus edifícios enormes para abrigar as lojas, o governo deixou a avenida passar do tradicional para o perigoso. Trabalhar ou passear por ali exige disposição e coragem. É dessa forma que parte da história da capital vai se apagando, aos poucos.
 
 

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