“Antes eu tinha orgulho de usar essa farda. Agora, eu tenho medo”, confessa L.F., vigilante de uma empresa de segurança que presta serviço para grandes lojas de departamento do Distrito Federal. Segundo o rapaz, na ausência da polícia, eles se tornaram os piores inimigos da chamada “gangue da marcha a ré”. O modo de agir destes criminosos é ousado: eles roubam carros para arrombar comércios. Este tipo de delito já foi registrado em outros estados e se torna uma nova ameaça a moradores e comerciantes do DF.
Ainda não se sabe se estes crimes têm sido cometidos por um único grupo. Na madrugada de ontem, pelo menos três estabelecimentos comerciais foram vítimas dos criminosos em Samambaia Norte e Ceilândia. O prejuízo ainda está sendo contabilizado pelos comerciantes. Celulares, tablets e televisores foram furtados.
Por volta das 9h de ontem, um perito criminal da 26ª DP compareceu à loja em Samambaia para coletar possíveis vestígios deixados pelos bandidos. Uma grade externa foi arrancada e duas pilastras internas ficaram destruídas. Durante a madrugada, ao receberem a denúncia, policiais do 11º Batalhão da PM atenderam a ocorrência.
Crime continuado
De acordo com agentes da Polícia Civil, a modalidade de crime em que os ladrões assaltam vários lugares seguidos em um mesmo dia é conhecida como “crime continuado”. O delegado-chefe da 26ª DP, Plácido Sobrinho, disse que “como os crimes envolvem outras regiões administrativas, a partir desta quinta-feira quem assume o caso é da Delegacia de Repressão a Roubos e Furtos (DRF)”.
O delegado da DRF, Marco Aurélio Virgílio, por sua vez, esclareceu que “as testemunhas ainda estão sendo ouvidas. Também estamos apurando os locais dos furtos para verificar se as ações são de responsabilidade de uma única organização. Localizamos um carro – um Sandero vermelho – e estamos checando se ele teria sido usado no assalto de Samambaia. Não podemos dar mais detalhes agora.”
L.F., que é segurança de duas lojas em Samambaia Norte, conta como os criminosos assaltaram a unidade da QR 414, por volta das 4h. “Diariamente ocorrem crimes como esse de madrugada. São cerca de 15 homens. Eles sempre utilizaram dois ou três carros roubados na ação, que é organizada e sincronizada.”
De acordo com ele, dessa vez, os carros usados seriam um Fiat Palio branco, um VW Gol vermelho e um Fiat Siena prata. “Enquanto um grupo se encarrega de nos render, o motorista do outro carro engata a ré e arrebenta a grade e o portão da loja. O terceiro carro, por sua vez, se posiciona para receber as mercadorias e fugir. É tudo muito rápido.”
Em depoimento à polícia, o rapaz contou que “os bandidos chegaram a rende-lo e quebraram seu rádio comunicador para impedir que ele passasse informações para sua Central”. Ele acredita que a intenção dos criminosos era roubar a loja ao lado, mas, como lá os donos haviam instalado tocos de cimento em frente às vagas (que atrapalham o acesso à fachada da loja) os criminosos mudaram de estratégia.
Só neste ano,3 roubos e furtos
Raimundo Neto, gerente da empresa furtada em Samambaia, conta que celulares, tablets e televisores foram levados. Esse já é o terceiro saque que a loja sofre apenas neste ano. “Eles parecem ter uma preferência por eletrônicos”, diz. O gerente ressalta que o estabelecimento tem dois sistemas de segurança integrados.
“Quando nosso alarme soa, a empresa de segurança é imediatamente acionada e, em seguida, entra em contato com a PM, que se encarrega de atender a ocorrência. Mas, infelizmente, isso não tem coibido a ação dos criminosos. Dessa vez, quando os policiais chegaram, não encontraram mais ninguém”, lamenta.
Raimundo explica ainda que, para prevenir os crimes, muitas lojas próximas estão instalando os tocos de cimento, rentes às vagas, em frente ao comércio. “Os tocos dificultam a ação porque eles não têm como passar por eles para dar ré em cima dos portões”.
Falta policiamento
Outro funcionário da empresa de L.F, que acompanhava o colega em depoimento à 26ª DP, disse que as retenções, no entanto, não impedem a ação dos criminosos. “É claro que atrapalha e eles provavelmente vão preferir lugares mais fáceis. Mas, quando eles querem assaltar um lugar mesmo, usam ganchos e até pés-de-cabra para puxar as grades externas e erguer os portões. Não há policiamento de madrugada. Esses dias liguei para a polícia e o atendente me disse que não poderia averiguar o chamado porque eles estavam em “operação tartaruga pata quebrada”. Está muito complicado”, desabafa.
O gerente Raimundo Neto comenta ainda que de dezembro de 2013 até agora já aconteceram cerca de seis assaltos no comércio local. Na loja ao lado foram dois, do mesmo tipo, na última semana. Já na empresa que fica na esquina, foram três furtos similares ao que ocorreu nesta madrugada, nos últimos dois meses. “Durante o dia é um pouco melhor, mas a noite é muito perigoso. É uma sensação de insegurança constante”, conta a auxiliar administrativa da loja, Gislaine Queiroz, de 27 anos.
O grupo atuaria há aproximadamente dois meses no DF. Só na madrugada de ontem, o bando passou por Planaltina, Sobradinho e teria assaltado pelo menos três lojas do grupo para o qual a empresa de L.F. presta serviços: a de Samambaia, uma em Águas Lindas (GO), outra em Ceilândia e ainda houve uma tentativa em Taguatinga.
Na loja de Ceilândia, na CNM 2, o vendedor Ismael Santos disse que “essa é a terceira vez que a loja é assaltada dessa forma. Eles chegam pela lateral porque pela frente há escadas, engatam a ré e arrebentam o portão. Roubaram celulares, tablets e TVs”.
Pense Nisso
Nem mesmo os profissionais que trabalham com vigilância se sentem seguros para trabalhar durante a madrugada. A sensação deles é de impotência diante dos acontecimentos. Na verdade, se houvesse patrulhamento constante, quem sabe as lojas não precisassem investir tanto em segurança privada. Afinal, segurança é um dever do Estado e um direito do cidadão. Os bandidos, por sua vez, se aproveitam deste cenário. E a população é quem paga o preço.
Ação se tornou frequente em São Paulo
Fora do DF, essa modalidade de assalto já é praticada há mais tempo, principalmente em São Paulo. Em maio de 2012, a Polícia Civil prendeu dois suspeitos de integrar outra “gangue da marcha a ré” em São Carlos (SP).
Em outubro do ano passado, duas lojas foram atacadas por criminosos, em Paulínia (SP). De acordo com a Polícia Militar, a primeira foi um estabelecimento de eletrônicos no Jardim Planalto. A PM ainda afirmou que, 20 minutos depois, os assaltantes invadiram uma loja de roupas e sapatos no Centro.
Em novembro de 2013, mais uma vez, a cidade de São Carlos foi o cenário escolhido pelos ladrões. Duas lojas foram atacadas de madrugada. Um homem foi preso.
Em janeiro deste ano, mais um caso semelhante. Após receber denúncias, a PM montou uma operação para desarticular uma “gangue da marcha a ré” que atuava em Sorocaba (SP). Dois homens foram detidos.