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Morando Fora

Quando o que é normal vira anormal e vice-versa

Arquivo Geral

04/12/2018 12h44

Atualizada 04/02/2019 20h42

O mundo se tornou pequeno de uma hora para a outra. Somos 258 milhões de migrantes, de acordo com relatório de 2017 da Organização das Nações Unidas, que quantifica o número de cidadãos que saíram dos países onde nasceram e vivem em outros Estados. Trata-se de um aumento de 49% no número de pessoas vivendo por aí, nesse Planeta Terra, em comparação com o ano 2000. O único problema é que não fomos preparados para isso.

Alguém disse que não se mostra a sola dos pés de jeito nenhum para um tailandês e nem conversa olhando nos olhos deles? Isso eu tive que aprender na marra, quando passei dez dias em Bangkok, em 2016, na época estudando para o meu mestrado. Pode parecer meio superficial, mas experimente conversar com alguém sem olhar nos olhos dessa pessoa. É muito difícil. Pois lá na Tailândia, sob a vigilância cerrada da minha professora de mestrado, tínhamos que interagir com os outros tentando não encará-los. Lá, do outro lado do mundo, é deselegante olhar nos olhos, ao contrário do que fomos ensinados fazer aqui no Ocidente.

Nada é 100% do jeito que a gente acha que é quando se mora fora, mas essa sensação de desajuste e de mancadas constantes é certa em vários momentos de quem mora fora. O que nós precisamos ter em mente é que o mundo apresenta-se muito maior do que imaginamos. O que é normal para você é anormal para outros e vice-versa.

Eu entrevistei muitas pessoas para escrever essa coluna. Confesso que me diverti muito. Infelizmente tive que deixar vários comentários de lado, mas pretendo trazê-los em outras ocasiões. São histórias hilárias, percepções incríveis sobre as mancadas e hábitos estranhos nesse mundo tão complexo.

Regras de etiqueta no Peru
A Fran Gonçalves, que mora no Peru há seis anos, me disse que lá, a cultura e os costumes são bem diferentes dos nossos, embora sejamos todos latino-americanos. Ela, que é casada com um peruano, diz que os homens são muito ligados às mães e que a sociedade ainda é muito machista por ali.

“Mulher serve o homem sempre e os convidados também. Se a pessoa vai à casa de outra, por exemplo, obrigatoriamente deve ser servida pela dona da casa. O prato é feito pela mulher da casa. Não é educado se servir. Se estamos em um restaurante e acaba a bebida do copo do marido, quem serve é a mulher. Homem que põe cerveja para o amigo é visto como homossexual”, conta Fran.

Aqui na Suíça também tem muita coisa estranha
É tanta coisa que os estrangeiros, não só os brasileiros que moram aqui, não perdem tempo. Escrevem blogs e gravam videos para mostrar às famílias as esquisitices nacionais. Uma das coisas mais surreais que existem na Suíça e em alguns países da Europa tem a ver com a percepção da higiene. Eu mesma já vi uma dermatalogista, em entrevista a um canal de televisão, dizer que o povo alemão toma muito banho: sete por semana. O ideal seria dois.

Maternidade na Suíça
A Lisa More, que tem o canal Lisa More, uma vida na Suíça diz que as coisas estranhas que ela encontrou no país devem-se ao fato de ela ser mãe e dona de casa.

Grávida de 6 meses, já tinha marcado a primeira consulta no pediatra para a filha. “Não tinha nem parido mas a bebê já tinha consulta do primeiro mês marcada”, conta.

Essa é, no entanto, uma característica muito preponderante da cultura local. Aqui tudo deve ser previsível, planejado. Se avaliarmos a Suíça em várias categorias culturais, esse aspecto vai sempre aparecer. Não é à toa que são super pontuais e eficientes.

Tirar os sapatos
A Nicole Bianchi Rucks já morou em alguns lugares do mundo, mas contou sobre um dos hábitos que ainda tem que se adequar na República Tcheca: a da troca de sapatos na entrada e saída das casas.

“Como mais da metade do ano é frio, com chuva e temperaturas negativas, os tchecos (e todos que passam a morar aqui) costumam ter, na entrada ou no hall, uma estante para sapatos, com algum lugar para sentar. Mesmo que você seja visita, terá que trocar os calçados que usa na rua. Ainda na entrada, o anfitrião pode entregar uma pantufa ou um chinelo para que a pessoa use dentro de casa, evitando, assim, que a lama e a neve da rua sujem o chão. Também já ouvi que isso também é uma forma de evitar gripes e resfriados, entre outras doenças”, explica.

As diferenças culturais nacionais são, em geral, influenciadas por um misto de fatores, como história, clima, solo, religião, geografia e decisões políticas. Mas cultura e nossas percepções são, de fato, questões muito mais complexas e relativas com a sua origem.

Sobre essas diferenças, eu gostaria de citar o Iceberg da cultura de Edward Hall. Em 1976, o estudioso desenvolveu essa analogia para explicar o que nós vemos e o que não percebemos tão obviamente sobre uma cultura. É essa parte de baixo, mergulhada na água, é que faz tudo ficar mais complicado.

Então, acima da água, a parte do Iceberg que aparece, diz respeito às características mais visíveis da cultura: a comida, as artes, a vestimenta etc. Abaixo, no entanto, estão escondidos aspectos mais arraigados e sutis, como relação com animais, aspectos ligados à cortesia, como a obrigatoriedade de fazer o prato do visitante no Peru, linguagem corporal, regras de higiene.

Pois exatamente 80% do Iceberg fica mergulhado, complicando a vida do estrangeiro que não domina a cultura. Daí vem a sensação de que estamos fora do contexto, a origem das mancadas. Então, acostume-se a isso, porque de perto, nenhuma cultura é normal.


Liliana Tinoco Bäckert é jornalista e tem mestrado em Comunicação Intercultural pela Universidade da Suíça Italiana. Carioca, tem dois filhos, é casada com um alemão e vive naquele país desde 2005, onde também trabalha como treinadora intercultural independente. Decidiu transformar o próprio choque cultural em combustível para ajudar outros brasileiros que já vivem fora ou que pretendem se lançar nessa aventura globalizada.

 

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