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Economia

Inadimplência: após 5 anos, dívida caduca, mas não morre

Arquivo Geral

22/10/2018 7h00

Atualizada 21/10/2018 22h44

Endividados no Brasil. Foto: Marcos Santos/USP Imagens

João Paulo Mariano
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Comprar pode ser prazeroso, mas só funciona quando se quita a operação. Sem isso, vira problema. Desemprego, doenças, urgências ou simplesmente agir de forma irresponsável podem transformar a vida financeira das pessoas a partir da inadimplência. Então, os juros começam a virar uma bola de neve e, às vezes, a única possibilidade é continuar com a pendência e o “nome sujo” por tempo indefinido.

Existe a lenda urbana de que, após cinco anos, a dívida é “perdoada”. É falso. Até ser quitada, a dívida não abandona o inadimplente, permanecendo a obrigação de pagá-la. Ao contrário do que muita gente pensa, o banco pode continuar cobrando e, pior , os juros continuam se acumulando.

O que ocorre após os cinco anos, afinal? Depois desse período, a dívida “caduca”. Isso quer dizer que ela deixa de ficar disponível para as empresas que fazem análise do histórico de crédito – os chamados birôs de crédito, como o Serasa e o SPC. Os artigos 205 e 206 do Código Civil Brasileiro definem, assim, que o nome não está mais sujo na praça. Só que a cobrança ainda pode existir.

O banco ou a financeira que assumiu a dívida não poderá mais ligar para fazer cobranças ou apresentar alternativas de pagamento para que o nome seja limpo. As restrições ao crédito acabam e os registros no Serasa e SPC vão embora. O Score, aquela pontuação que vai de 0 a mil, utilizada pelo Serasa para mostrar se a pessoa é um bom pagador, também deixará de ser impactado.

Mas a dívida está lá, bem viva. Se o inadimplente precisar de crédito, em especial na empresa que ficou com o mico da dívida, dificilmente conseguirá. A dívida caducou, mas o devedor não obterá crédito. Financeiras têm bons arquivos e não esquecem inadimplentes tão facilmente.

Felicidade que dura pouco

A professora Bárbara Inácia Caetano, 42, ficou bastante feliz ao financiar sua casa pela Caixa Econômica Federal, em 2010. O nome limpo e as contas em dia permitiram que ela acessasse bastante crédito na praça. O banco até chegou a enviar dois cartões de crédito de bandeiras diferentes, com limite de mais R$ 3 mil cada um.

Bárbara gostou. Porém, a tranquilidade não durou muito tempo. Ela se descontrolou financeiramente e, a partir de 2012, não conseguiu mais pagar nada em dia. O jeito foi quitar um valor mínimo e ir se virando. Até o dia em que os cartões deixaram seu nome sujo nos birôs de crédito. Endividada e sem crédito, Bárbara começou uma luta para tentar deixar tudo em dia. Só em 2017, após cinco anos, ela se resolveu: tentou comprar algo e conseguiu. Antes, o montante devido sempre ficava maior que o que o seu bolso podia comportar.

“Foi uma surpresa quando eu consegui comprar o carro com o cadastro em meu nome. A vendedora pediu para verificar e eu disse que não daria certo. Como ela insistiu, permiti. Quando ela falou que deu certo, não acreditei. Perguntei mais de uma vez se ela tinha certeza daquilo”, lembra.

A professora admite que ainda não tem planos de quitar a dívida – que começou em torno de R$ 3,5 mil e, em cinco anos, foi a R$ 12 mil, elevação de mais de 242%.

Boa renda não evita alto endividamento no DF

“Se eu tivesse dinheiro, eu pagaria. É importante pagar a quem se deve, mas chegou uma hora que não dava”, conta a professora Bárbara Caetano. A dificuldade financeira não é um problema raro. Aqui no DF, inclusive, ele atingiu mais pessoas no mês passado. De acordo com dados do SPC Brasil, o número de inadimplentes na capital cresceu 6,13% na comparação com o mesmo período do ano passado. O dado ficou acima da média do Centro-Oeste (1,01%) e quase o dobro da nacional (3,86%). O número de dívidas em atraso, em setembro, também cresceu e ficou 2,41%a mais que no mesmo mês de 2017.

Para o economista César Bergo, do Conselho Federal de Economia (Cofecon), a grande maioria das pessoas tenta ser correta e pagar todas as contas em dia, mas a falta de controle financeiro, o desemprego ou alguma doença atrapalham o processo de quitação.

“Trabalhei durante cinco anos em um banco, justamente no setor de cobranças, e percebi que ninguém quer virar devedor. Hoje, inclusive, existem seguros de dívidas no caso de a pessoa ter alguma urgência e não conseguir pagar”, diz o economista.

Bergo entende que Brasília é um paradoxo em relação a inadimplência: tem uma das maiores rendas do País e, também, um dos maiores graus de endividamento. Aqui, muita gente segue a máxima “quanto mais ganho mais gasto”. A situação fica ainda mais nebulosa quando se lembra o grande número de funcionários públicos, o que traz estabilidade financeira e laboral.

O economista alerta que hoje é muito mais fácil acessar os históricos financeiros das pessoas. Dessa forma, o banco pode até deixar um ou outro caso de lado, mas as empresas que terceirizam a cobrança terão uma memória bem melhor.


Saiba Mais

Só gaste com cartões ou financiamentos, seja de carro, móveis ou imóveis, o máximo de 30% do valor de seu salário líquido. Assim, dificilmente haverá endividamento.

Para não deixar a dívida caducar, o 1º passo é resolver a situação com a empresa detentora da dívida, seja o local em que comprou produto ou serviço, ou a terceirizada que o assumiu.

Normalmente, se as pessoas prometem pagar de 50% a 60% do total da dívida, decorridos alguns anos, há possibilidade de aceitação. É melhor para a empresa baixar o valor cobrado de juros a ficar sem nada.

Se a tentativa não der certo, é possível procurar a Justiça para tentar diminuir os juros, se o devedor os considerá-los abusivos. O problema é que pode demorar, deixando o nome sujo por muito tempo.

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