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Economia

Educação financeira integrará de vez a base curricular a partir de 2020

Arquivo Geral

03/12/2018 7h00

Dandara aprende na escola e leva o conteúdo para casa, onde ensina os pais. Foto: Myke Sena/Jornal Brasília

João Paulo Mariano
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A falta dela traz consequências negativas na vida de ricos e pobres, velhos e jovens, homens e mulheres. Sem educação financeira, os objetivos de vida vão ficando cada vez mais distantes. Em uma tentativa de modificar essa realidade brasileira, após anos de discussão, a Base Nacional Comum Curricular (BNCC) do Ensino Fundamental terá o assunto como tema obrigatório a partir de 2020.

A aposta é que, ao instruir os pequenos, com o tempo toda a sociedade melhore a compreensão dos conceitos e produtos financeiros. Ou seja, mude o jeito de lidar com o dinheiro – tanto no presente quanto no futuro. Assim, a esperança é que os investimentos aumentem, a inadimplência diminua e mais pessoas tenham domínio do seu dinheiro e não sejam dominadas por ele.

A homologação da BNCC para o Ensino Fundamental em instituições privadas e públicas ocorreu em dezembro do ano passado. Segundo o Ministério da Educação (MEC), a parte referente ao Ensino Médio ainda está em discussão no Conselho Nacional de Educação (CNE) e não há prazo estabelecido para que ela também seja homologada.

A Base Nacional é uma diretriz para a formação escolar em todo o País. Antes, a educação financeira era até incentivada, mas não havia obrigatoriedade para que fosse ensinada. Inúmeras entidades privadas e também do poder público, como o Banco Central do Brasil, participaram das discussões sobre o assunto.

De acordo com a BNCC, a educação financeira deve ser ensinada de forma transversal – ou seja, nas várias disciplinas ao longo dos meses de estudo. O que se quer é que não seja apenas um conteúdo das aulas de matemática, mas sim que se fale sobre o assunto em aulas de português, para mostrar como se lê uma conta; em aulas de história, para saber a importância do dinheiro para as sociedades; ou ainda quando se estudar o comportamento humano e a forma como se lida com o dinheiro.
Histórico complicado

Para o presidente da Associação Brasileira de Educadores Financeiros (Abefin), Reinaldo Domingos, a modificação veio em um momento oportuno. Ele avalia a ação como uma grande conquista para a melhora da educação financeira do País. Ele analisa que o assunto não terá mais uma ótica de ciência exata, mas como uma ciência humana, que precisa olhar mais para a forma com que os brasileiros lidam com seu dinheiro.

Domingos lembra que o problema não é atual. “Estamos em um país capitalista, consumista e que, depois do Plano Real, teve uma abertura grande de crédito a todos. Quando se faz isso, corre-se o risco de dar em demasia. Como não havia educação para gastar, as pessoas passaram do limite e se descontrolaram”, analisa.

Ele entende que a falta de educação financeira se tornou um problema crônico, tanto que, de acordo com estimativa da Confederação Nacional de Dirigentes Lojistas (CNDL) e do Serviço de Proteção ao Crédito (SPC), em outubro deste ano, 62,89 milhões de brasileiros estavam inadimplentes. Domingos lembra que nas escolas em que já existe educação financeira, mesmo antes da determinação curricular, a vida dos pais fica diferente, pois os adultos aprendem com as crianças a lidar melhor com os valores que se tem em mãos.

“Quando se olha para esse tanto de gente inadimplente, mesmo ganhando bem, e para aposentados que não conseguem se sustentar financeiramente, é mais que comprovada a necessidade de construção da base educacional desde o maternal e que ocorra até o PhD”, diz o presidente da Associação Brasileira de Educadores Financeiros.

Consciência que vai além da idade

“Eu penso em guardar (dinheiro) para quando eu crescer. Quero ter um carro e uma casa até os 25 anos”. A frase é da Dandara Gurgel Martins, de 11 anos, estudante do 5º ano da Escola Classe 104 de São Sebastião. Por meio do projeto Oficina das Finanças, os 920 alunos de sua escola foram contemplados com a iniciativa que pretende atingir crianças e seus pais.
E a menina assegura que as coisas em casa estão mudando com o tempo. Os pais, segundo ela, já aprenderam a gastar melhor e com o mais necessário. Ela até os “obrigou” a guardar o dinheiro que sobra de algumas compras em um cofre, para não “gastar à toa”.

Dandara diz que o mais importante que aprendeu até agora é separar o que é desejo de necessidade. O contrário do que ela vê em muitas meninas de sua idade, que “compram doces e roupas e não gastam com o que é preciso”. A estudante sabe bem quais são suas necessidades para este ano. A primeira é um tênis, que custa em torno de R$ 100. Ela já juntou R$ 90.
A professora da menina, Débora Morais, afirma que o comportamento dela é bem parecido com o de outros alunos da turma. Eles absorvem o conteúdo e repassam tudo em casa. A docente confessa que não são só os alunos e familiares que sofrem o impacto: ela também teve que rever conceitos.

“Meus pais sempre foram controlados, mas eu não era muito. Tive que aprender o que era prioridade. Não foi fácil”, admite. Para apresentar o material da Oficina das Finanças aos alunos, os professores passaram por curso de 120 horas.

A vice-diretora da EC 104 de São Sebastião, Stephanne Faturi Cavalcante, revela que os pais ficam surpresos com os conteúdos que as crianças aprendem, mas sua esperança é que esse tipo de projeto continue todos os anos e seja fomentado pelo poder público. “Espero sempre pelo progresso. Creio que haverá uma mudança geral. Eu penso que estamos plantando uma sementinha”, afirma a profissional sobre preparar um terreno para um futuro com menos pessoas inadimplentes.

Ponto de vista

O projeto Oficina das Finanças foi idealizado pela educadora financeira Carolina Logocki, em 2008, com foco nos adultos. Ela lembra que há casamentos que terminam por dinheiro, sem contar os suicídios e os aposentados que precisam voltar a trabalhar. Mas, com o tempo de projeto, o que Carolina mais ouvia das pessoas era que se aqueles ensinamentos tivessem ocorrido na infância tudo seria diferente.

Então, ela resolveu levar o projeto a escolas do DF e de outros estados. Mais de 50 mil alunos e 2 mil professores tiveram a chance, às vezes pela primeira vez, de ouvir sobre como se educar financeiramente.

Com o projeto, as crianças aprendem o impacto do dinheiro em suas vidas, o que é necessário e o que é só desejo, as vantagens de poupar e como fazer isso. “Não é matemática financeira. Tem metodologia e acompanhamento para que gere resultado”, informa. A especialista comemorou a movimentação do Governo Federal em tornar obrigatória a educação financeira. Ela só adverte que será preciso prestar atenção na forma em que os ensinamentos são passados, de forma transversal.

 

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