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Coluna do Aquiles

Concerto para violoncelo e voz

Arquivo Geral

19/12/2017 18h09

O ano caminha rápido para o final. O calendário de propaganda já deu lugar a outro, o de 2018. Tudo o que se prevê indispensável fica para depois do Carnaval, ou para depois da Copa na Rússia, ou para depois das eleições gerais… com isso, logo será a hora de trocar a folhinha de 2018 pela de 2019.

Pouco ou quase nada de especial costuma surgir no final de qualquer ano. Certo? Errado! Acaba de ser lançado um CD que não teme as datas do calendário, posto que é atemporal. Trata-se de Invento +, Zélia Duncan e Jaques Morelenbaum interpretam Milton Nascimento (Som Livre).

Um trabalho que prescindiu da harmonia das canções, enxugando-as até que restasse apenas a sua essência, até que se escutasse somente a profundeza dos versos e o cerne das melodias.

Os arranjos de Jaques vão à alma das músicas, nas quais ele se posta como solista atento ao cantar de Zélia. Por vezes, com contrapontos à melodia, o violoncelo sobrevoa a cena, como um protetor da voz; noutras, após desenhar movimentos, arritmos ou a capella, valendo-se do arco ou dos dedos, em uníssono ou abrindo em duo com o canto, ele cria uma atmosfera que arroga a si mesmo não a posição de acompanhante, mas de protagonista.

Por sua vez, Zélia se despe de qualquer tique de diva e canta como se nunca estivera tão feliz. Dando-se às interpretações exatamente como foram concebidas por ela e Jaques, o timbre de sua voz, próximo do som grave do violoncelo, mostra-se adequado para a proeza. Assim, bem próxima do microfone, Zélia revela o seu prazer. E pondo-se como um instrumento a tocar em duo com outro, ela demonstra, mais uma vez, a coragem com que conduz sua carreira.

Invento + é um concerto experimental, no qual voz e violoncelo têm peso igual. Embora não inédito (voz como instrumento, instrumento como voz), os dois brilharam ao partir para a difícil forma de interpretar emoções.

Zélia e Jaques selecionaram músicas compostas por Milton: “O Que Foi Feito de Vera” (Nascimento e Fernando), “Ponta de Areia” (MN e Fernando Brant), “San Vicente” (MN e Brant), “Caxangá” (MN e Brant) e “Cravo e Canela” (MN e Ronaldo Bastos). E mais “Encontros e Despedidas” (MN e Brant), “Canção Amiga” (MN e Carlos Drummond de Andrade), “Travessia” (MN e Brant) e “Cais” (MN e Ronaldo Bastos).

Há também músicas de outros autores: “O Que Será” (Chico Buarque), “Calix Bento” (Tavinho Moura), “Mistérios” (Joyce Moreno e Maurício Maestro), “Volver a los 17” (Violeta Parra) e “Beijo Partido” (Toninho Horta).

A concepção do CD é admirável, um experimento que exigiu não só capacidade criativa, como também coragem para dar-se a algo cujo resultado não se podia antever.

Somente durante a gravação, fruto de arranjos intensos e interpretações sedutoras, é que as composições foram sendo decompostas. E o som brota renovado, enquanto uma foto no encarte deixa claro o que Zélia Duncan e Jaques Morelenbaum sentiam ao gravar: sorrisos largamente felizes comemorando as belezas geradas.

Aquiles Rique Reis, vocalista do MPB4

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