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Literatura. Os fracassos e as sacadas de Karl Marx

Arquivo Geral

10/12/2018 8h03

Rainer Jansen/DPA

Eduardo brito
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Karl Marx: Grandeza e Ilusão, do historiador britânico Gareth Stedman Jones, combina um estilo leve de narração, surpreendente para os temas áridos de que trata, com uma exposição precisa dos complexos temas tratados pelo personagem. Não à toa, Peter E. Gordon, articulista do The New York Times, qualificou-o como nada menos que “a biografia definitiva de Marx para o nosso tempo”.

Na verdade, Stedman Jones faz de Marx um homem no tempo dele, sempre lendo, revisando e ansiando por decifrar seu presente global emergente. Marx surge como um intelectual que luta para compreender um mundo que se integra rapidamente.
Esse é o truque principal do autor: ele traça retrato fascinante desse mundo como se visto através do olho do próprio Marx, por meio de seus escritos, não só os mais importantes, mas também os quase desconhecidos, como artigos feitos para a imprensa regional alemã.

Sim, antes de se dirigir à Inglaterra onde escreveria O Capital, Marx foi jornalista: escreveu para o Rheinische Zeitung, um jornal radical publicado em Colônia, perto de sua Trier natal, e chegou a seu editor-chefe, despedido após tentar enquadrar o dono do veículo

A partir dessa leitura extensiva, Jones proporciona compreensão da história intelectual que fundamenta o marxismo, ao mesmo tempo em que transmite os temas de filosofia e economia em que Marx forjou suas próprias ideias.

Acompanha o personagem desde seu nascimento em Trier, Alemanha, em 1818, até sua morte em Londres, em 1883, passando por Berlim, Paris, Bruxelas e Colônia, acompanhado de sua esposa, a aristocrata Jenny von Westphalen, com quem foi casado por 37 anos, até a morte dela.

Após uma juventude relativamente afluente, que lhe permitiu seguir a universidade, em Londres Marx viveu em penúria com a família, todos sempre doentes e devendo dinheiro aos amigos, principalmente ao companheiro de estudos Friedrich Engels.

Quatro de seus filhos morreram nessa época e um outro, filho de Marx com sua empregada, foi entregue para adoção. Apesar do relacionamento extraconjugal, testemunha afirmou que “como marido e pai, Marx é o mais delicado e meigo dos homens”.

O ambiente da casa, também descrito no livro, não era dos mais agradáveis: “Em todo o apartamento não existe um único móvel sólido e limpo. Tudo está quebrado, esfarrapado e rasgado, com meia polegada de poeira a cobrir tudo, e a maior bagunça em toda parte.”

Seu exílio londrino é descrito por vários autores como miserável. Mas, segundo Jones, ele e a família viviam em casas burguesas e mantinham ativa a vida social, segundo Jones. Karl ganhava bem como correspondente do jornal New York Tribune e ganhou dinheiro no mercado de ações. Como chefe da Liga Comunista, que fundara em 1843 sob o nome Liga dos Justos, recebia doações e exigia que fosse tratado como chefe político.

Jones mostra como as ideias filosóficas radicais de emancipação do jovem Marx o acompanharam por toda a vida. Durante sua evolução intelectual, procurou conciliar essa visão emancipatória da juventude com a crítica do capitalismo, formulada muitos anos depois — e aqui não deu muito certo.

Muito além da agitação das massas

O Karl Marx real, que surge nessa fundamentada biografia, era tudo, menos um idealista bonzinho, que queria fazer bem aos pobres dando esmolinhas, como a Igreja daqueles tempos ou o PT de hoje. Também não era um militante furibundo, disposto a enforcar o último capitalista com as tripas do último padre, como diria um seguidor seu algumas décadas depois.

Claro, o legado do personagem central pode abrir caminho para tudo isso, e para mais alguma coisa. Mas o Karl Marx que emerge dessas páginas está muito mais empenhado em conhecer e em compreender seu mundo, para então teorizar a respeito, do que em agitar as massas. Seu foco não estava nos coitadinhos, mas nas forças econômicas e sociais que os tornam coitadinhos.

Sim, ele quer unir os trabalhadores. Mas sua história de vida não é a de um pregador e muito menos de um militante. Justamente por isso o marxismo costuma ser chamado de socialismo científico.

Foi para expor com precisão esse legado de Marx e estabelecer a verdade sobre a vida do cidadão Karl e de como elaborou seu pensamento que Stedman Jones escreveu o livro, lançado pela Companhia das Letras. “Meu objetivo foi restituir Marx a seu ambiente no século 19, antes de qualquer elaboração póstuma de seu caráter e suas realizações”, afirma.

Grandeza e Ilusão, portanto, não pretende ser um manual de marxismo, mas uma história das ideias de Marx e de como influenciaram e foram influenciadas pelo ambiente em que viveu. Para isso, dedica-se a analisar não somente as obras que ele estudou e as organizações políticas das quais participou, mas também os eventos e temas que estavam em discussão na época.
Lemos, portanto, muito sobre direito, história, política, religião, economia e filosofia e acompanhamos os debates e disputas com figuras como Feuerbach, Proudhon, Lassalle, Bakunin e, claro, Engels.

Marx morreu de problemas decorrentes da bronquite — e era chegado a um álcool. Suas últimas cartas a Engels expressam rancor em relação a exilados políticos que lucravam com a situação, além da crença de que revolução surgiria entre os camponeses. Seu sistema de ideias — que não conseguiu completar — tinha pouco ou nada a ver com a mentalidade social-darwinista e a ação urbana dos revolucionários que o sucederam e o santificaram.

Karl Marx – Grandeza e Ilusão
Autor: Gareth Stedman Jones
Páginas: 784
Editora: Companhia das Letras
Preço médio: R$ 63,90

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