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Brasília

Vítimas da covardia. DF registra três casos de feminicídio em três dias

Arquivo Geral

08/08/2018 7h00

Atualizada 09/08/2018 8h52

Foto: Kléber Lima/Jornal de Brasília

João Paulo Mariano, Rafaella Panceri e Raphaella Sconetto
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Começam com flores e terminam com espinhos. Mulheres são agredidas, violentadas e mortas pela vontade de terminar o relacionamento, por ciúmes e, simplesmente, por serem mulheres. Só neste ano, pelo menos 19 tiveram suas vozes caladas brutalmente no DF – um aumento de 45% se comparados apenas os 16 crimes acumulados de janeiro a julho de 2018 com ano passado. Nos últimos três dias, mais três mulheres foram vítimas de feminicídio no DF.

A expressão “dormir com o inimigo” nunca fez tanto sentido. De acordo com a Secretaria de Segurança Pública, em 94% dos casos autor e vítima tinham algum tipo de vínculo. Além disso, 88% das mulheres foram vítimas dentro da própria residência.

Ceilândia sai à frente quando se trata de crimes contra a mulher. Neste primeiro semestre, foram três mortes na região. Em seguida vêm Samambaia e Plano Piloto, com dois casos em ambas. Em mais de 35% dos feminicídios, o autores usaram a arma de fogo para consumar o crime.

Nessa terça-feira (7), dia em que completaram os 12 anos da criação da Lei Maria da Penha – que pune a violência doméstica e familiar contra a mulher -, Adriana Castro Rosa Santos, 40 anos, foi morta a tiros pelo esposo, o policial militar Epaminondas Silva Santos, 51 anos, que se suicidou em seguida. O crime aconteceu por volta das 10h, na casa da mãe de Adriana, localizada na QN 7 do Riacho Fundo II. O casal deixa dois filhos, de 11 e 8 anos.

Mulher é morta por policial militar na QN 7 do Riacho Fundo II. Foto: Rayra Paiva Franco/Jornal de Brasília

Adriana e Epaminondas estavam em processo de separação. De acordo com um parente da mulher, Evaldo Carvalho, 36, Adriana saiu de casa na quinta-feira passada, em Samambaia, para ficar na casa da mãe, identificada apenas como Graça. “Ela veio com os filhos para passar uns dias porque eles estavam discutindo muito. Veio dar um tempo para ver acalmava a situação”, ressalta.

Segundo testemunhas, Epaminondas chegou ao endereço em uma moto, chamou a mulher para o lado de fora e, na calçada, baleou a companheira. Vizinhos contam que ouviram pelo menos três tiros. A dona de casa Givanilde Cavalcante, 36 anos, foi uma das primeiras a ver o casal no chão.

Escutei dois tiros abafados, depois veio um terceiro. Corri desesperada para a rua e, quando vi, ela já estava morta e ele, agonizando. Foi tudo muito rápido”, lembra.

Filhos presenciaram

As crianças viram todo o crime acontecer. “A mãe dela estava dentro de casa e os filhos, na garagem. Eles saíram para rua. Com certeza viram tudo”, relata. “A mãe dela estava desesperada. Nós, que moramos aqui há muito tempo, também estamos chocados com a situação. Não imaginávamos isso”, lamenta a dona de casa.

Assim que a perícia da Polícia Civil deixou o local e os curiosos foram, aos poucos, dispersando, familiares e amigos de Adriana e Epaminondas se reuniram para limpar o sangue que insistia em enfatizar a tragédia que acabara de ocorrer no local, simbolizando a tentativa de seguir em frente.

Em nota, a Polícia Militar esclareceu que Epaminondas estava há 27 anos na corporação. Não há nenhum registro da esposa contra o sargento na corregedoria e o policial também não respondia a processos. Questionada se ele chegou a ser afastado por problemas psicológicos, o Centro de Comunicação da PM informou que os relatórios médicos de cada policial militar são de caráter sigiloso.

Queixas não adiantaram

Na Asa Sul, a morte de uma mulher após briga doméstica na última segunda-feira chama a atenção para a recorrência de agressões prévias, inclusive registradas em boletim de ocorrência.

Um desses episódios culminou na queda e óbito de Carla Grasiele Zandona, 37, do terceiro andar do Bloco T da 415 Sul. O marido dela, Jonas Zandona, 44, já havia ameaçado, injuriado e ferido a mulher e a sogra outras quatro vezes, conforme levantamento da PCDF em boletins de 2015, 2016 e 2017.

Bloco T da 415 Sul. Foto: Kléber Lima/Jornal de Brasília

Preso em flagrante no dia do ocorrido, ele aguarda audiência de custódia para ter a prisão em flagrante convertida em prisão preventiva. O delegado-chefe da 1ª DP (Asa Sul), Gerson de Sales, acredita que pelo histórico de agressões é improvável que ele responda pelo crime de homicídio em liberdade. Nesse caso, homicídio triplamente qualificado: por motivo torpe, por meio cruel e por ser feminicídio, conforme o Artigo 121 do Código Penal. A pena pode ir de 12 a 30 anos de prisão.

Após as brigas, que aconteciam desde 2015, pelo menos, o casal não teria parado de se encontrar. “Nós oferecemos medidas protetivas e abrigo para as mulheres que não querem conviver com o agressor, mas o que acontece é que depois de um tempo o casal se acerta e acaba ficando junto de novo”, analisa o delegado da 1ª DP.

Acusado nega

Não houve confissão do crime, mas indícios suficientes de que Jonas Zandona é culpado da morte da mulher. Em primeiro lugar, ele estava dentro do apartamento e não comunicou à polícia que a mulher havia caído do terceiro andar. Quando a Polícia Militar chegou ao prédio, ele não atendeu à campainha. Na delegacia, alegou que não se lembrava do que tinha acontecido. “Afirmou que é alcoólatra. Só lembrava do que era conveniente para ele”, aponta o delegado Gerson de Sales.

O casal tinha um relacionamento conturbado. Apesar de estarem juntos há 25 anos, eles não conviviam no apartamento todos os dias. Segundo o delegado, eles moravam ali há dez anos com um idoso de 78 anos.

Vínculo com a mulher

No caso da 415 Sul, o idoso e o agressor teriam algum vínculo amoroso e Carla Zandona aparecia de vez em quando para fazer faxina, mas não morava ali. Nessas ocasiões, o casal se embebedava, ficava junto e se desentendia. Jonas Zandona relatou à polícia que, no dia da morte, os dois beberam cachaça e cerveja. Quando a bebida acabou, eles começaram a discutir.

No entanto, o agressor alegou que não se lembrava do que aconteceu depois. O idoso disse, em depoimento, que estava dormindo na hora da briga, mas deu a entender que os desentendimentos eram frequentes. “Disse que no último dia 4 (sábado) viu Jonas esganando a vítima e afirmou que ele era muito agressivo”, conta o delegado. O homem temia dar informações para não ser considerado cúmplice.

Alguns vizinhos já imaginavam que algo do tipo poderia acontecer. Vizinha de portaria do casal, uma moradora que preferiu não se identificar afirmou ao Jornal de Brasília que era comum ter “arruaça e confusão” promovida por eles. “Eu estava viajando e recebi mensagem no grupo do condomínio, dizendo que a janela deles tinha sido estilhaçada em cima dos carros no estacionamento”, relata.

Na segunda-feira, ela passeava com a filha e a sobrinha quando viu a movimentação no pilotis. “Duas meninas viram o corpo caindo e chamaram a polícia. Foi chocante ver também, mas do jeito que as coisas estavam fluindo, poderia acontecer”, imagina.

O relacionamento dela com o casal era distante. “Ela era uma pessoa fechada, que não dava bom dia para ninguém. Ele pelo menos tentava se mostrar educado”, define.

O zelador do prédio acrescentou que os moradores estavam incomodados com a presença dos inquilinos no prédio há pelo menos um ano. “Pediram à imobiliária para que tirassem eles daqui, mas nada foi feito”, conta o funcionário.

Marido está preso

Dois dias após a morte de Marília Jane de Souza, 58 anos, o acusado do crime, seu marido, Edilson Januário de Souto, 61, se entregou à Polícia Civil, na tarde desta terça-feira (7). O feminicídio ocorreu no último domingo (5).

O caso ocorreu, por volta das 20h30, na casa onde moravam, na quadra 405 do Recanto das Emas. O homem se entregou, junto a seu advogado, na 27ª Delegacia de Polícia (Recanto das Emas), responsável pela investigação. O taxista era considerado foragido, pois a Polícia Civil o havia indiciado por feminicídio nessa segunda-feira (6). Ontem, o pedido pela prisão temporária dele – aquela que não tem prazo para vencer – foi deferido pela Justiça . Assim, ele permanecerá preso para cumprir a decisão judicial.

Mulher é morta a tiros pelo marido na Quadra 405 do Recanto das Emas. Foto: Imagem cedida ao Jornal de Brasília

Na delegacia, o taxista Edilson pouco falou. Segundo a delegada da 27 DP, Patrícia Luzio, ele disse que iria se pronunciar apenas em juízo e que achou estranho ver sua imagem na mídia relacionado a um caso como este.

“Ele não nega ou confessa. De vez em quando, até parece que queria falar mais sobre o assunto, mas se interrompia”, relata a delegada. Para ela, o acusado mostrava mais abatimento pela situação de estar preso do que pelo crime brutal. Jailson teria chegado em casa, por volta das 20h, começado a brigar com a mulher, desferido quatro tiros e desaparecido.

A Polícia ainda investiga a origem da arma do crime, que não tinha registro. Edilson alegou que não sabe onde está a arma que usou.

Ponto de Vista

“Temos uma das leis ditas mais eficazes de feminicídio, que veio para mudar paradigmas, mas, apesar dela, as mulheres estão morrendo e sofrendo na mão dos homens no DF”, critica a presidente da Comissão de Combate à Violência Familiar da OAB/DF, Lúcia Bessa. Para ela, o Estado tem responsabilidade no cenário. “Quando há uma única delegacia especializada na Asa Sul, onde os índices de morte são baixos, enquanto em Samambaia, Ceilândia e Taguatinga temos índices altíssimos, o Estado comunica que a vida da mulher não importa”, aponta. “A Casa da Mulher Brasileira, espaço com vários equipamentos públicos para ajudar a mulher a sair do ciclo de violência, foi fechada”, lembra. “Falta prevenção nas escolas. Dizer aos jovens que há maneiras de resolver conflitos sem violência”, sugere.

Saiba Mais

Para atender vítimas de violência, a Delegacia Especial de Atendimento à Mulher (DEAM) funciona 24 horas por dia, na Asa Sul. Há também outros serviços: Casa Abrigo, os Centros Especializados de Atendimento às mulheres (CEAM), a Casa Flor, Núcleo de Atendimento às Famílias e aos Autores de Violência Doméstica (NAFAVDS) e duas unidades móveis que levam atendimento, palestras e informações em locais de grande movimento e em comunidades rurais da capital.

Histórico

A cada dia, 13 mulheres, em média, são assassinadas no Brasil. Segundo o Mapa da Violência 2015, dos 4.762 assassinatos de mulheres registrados em 2013 no País, 50,3% foram cometidos por familiares, sendo que, em 33,2% destes casos, o crime foi praticado pelo parceiro ou ex-companheiro. Na capital, 19 mulheres perderam suas vidas desde o início do ano, segundo dados da Secretaria de Segurança. Relembre alguns casos:

 

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