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Brasília

Usado em bioplastias, PMMA é barato e legalizado, mas pode trazer riscos

Arquivo Geral

06/12/2018 7h00

Atualizada 05/12/2018 21h36

Foto: Arquivo Pessoal

Ana Lúcia Ferreira
Raphaella Sconetto
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O polimetilmetacrilato, popularmente conhecido como PMMA e utilizado em bioplastias, não é proibido no Brasil. O uso é regulamentado pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), mas não há qualquer especificação da quantidade máxima que pode ser aplicada em procedimentos estéticos. A falta de regulação é uma crítica de médicos especialistas em dermatologia e em cirurgia plástica, que são os mais recomendados para realizar os tratamentos estéticos.

O debate sobre o uso do PPMA veio à tona após pacientes denunciarem o médico Wesley Murakami, insatisfeitos com o resultado das intervenções faciais. Segundo os reclamantes, Murakami utilizaria o plástico nos procedimentos em quantidade exagerada. Diante disso, o Jornal de Brasília ouviu especialistas para explicar quando, como e em quais quantidades seu uso é recomendado. A Sociedade Brasileira de Dermatologia no DF (SBDDF) e a Sociedade Brasileira de Cirurgia Plástica no DF (SBCP) têm o mesmo discurso: o PMMA só pode ser usado em casos específicos.

“O PMMA é muito barato e tem um resultado definitivo, mas apresenta muitos riscos. O mais recomendado para preenchimentos é o ácido hialurônico, que sai com o tempo. Hoje, a SBD recomenda o uso somente para tratar a lipodistrofia (alteração que leva à concentração de gordura em algumas partes do corpo provocada pelo uso de antirretrovirais) em pacientes soropositivos, porque eles não apresentam reação ao PMMA”, explica Simone Karst, presidente da Sociedade Brasileira de Dermatologia no DF.

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Ilegal, não é

César Augusto Daher, secretário da Sociedade Brasileira de Cirurgia Plástica no DF (SBCP), ressalta que, desde 2005, a entidade não recomenda a utilização do composto em procedimentos estéticos como a bioplastia facial. O especialista alerta que existe no mercado PMMA de alta e baixa qualidade e que, por mais que não haja a recomendação do uso, o profissional que opta por trabalhar com o composto não está irregular.

“Temos tido com frequência casos de procedimentos incorretos ou inadequados pelo uso de PMMA. Nossa maior dificuldade é que não existe, pela Agência Reguladora, a proibição ou a recomendação de quantidade para o uso da substância”, explica Daher. “Em casos específicos, em que temos que fazer o uso do PMMA, trabalhamos com a margem de 1 ml a 2 ml, no máximo”, completa.

Milhares de pacientes com complicações

Um estudo de 2017 da Sociedade Brasileira de Cirurgia Plástica mostra que o polimetilmetacrilato provocou deformidades e complicações em cerca de 17 mil pacientes em todo o País. Essa é a estimativa do número de pessoas que precisaram recorrer a cirurgiões plásticos a fim de reparar os problemas causados pelo produto entre maio de 2015 e de 2016.

O médico César Augusto Daher alerta que os danos causados por uso inadequado do PMMA são graves e, por vezes, irreversíveis. “O paciente que precisa retirar o composto do local onde a aplicação foi inadequada deverá ser submetido a procedimento cirúrgico. A depender do caso, pode gerar defeitos para a vida toda, pois retirar o produto depois de aplicado é muito mais difícil e nem sempre possível. O produto se infiltra em outras camadas do corpo”, revela.

A médica Simone Karst, por outro lado, acrescenta que as consequências podem chegar à morte, como foi o caso da bancária Lilian Calixto, de 46 anos, que faleceu em julho deste ano após passar pelo preenchimento com o médico Denis Cesar Barros, conhecido como Doutor Bumbum. “A aplicação em grande quantidade não é segura e tem resultados imprevisíveis. Em alguns casos, o PMMA pode dar inflamações, nódulos, necrose e até a morte”, alerta.

Qual especialista?

Por parte da Anvisa, não há qualquer indicação de quais especialidades médicas são as indicadas para prescrever o polimetilmetacrilato. Para a agência, basta que o médico seja treinado. “Não é competência da Anvisa regulamentar ou regular o exercício da profissão médica e qual especialidade pode dispensar determinados produtos”, alegou, em nota.

Por conta dessa brecha na regulação, Wesley Murakami atua sem medo. O médico sequer possui registro de sua especialidade médica. Tudo isso, porém, não o torna ilegal. Segundo César Augusto Daher, o próprio Conselho Federal de Medicina (CFM) não impede um médico sem especialização de exercer qualquer atividade dentro da Medicina. “Não existe nenhuma norma que regulamente essa questão. A partir do momento que o médico tem registro, ele é apto a exercer a Medicina, independente da especialidade”, critica.

Daher reforça que existe, há cerca de cinco anos, uma solicitação por parte da SBCP para que o CFM publique a regulamentação das exigências necessárias de cada especialidade da Medicina para que o profissional possa atuar. No entanto, o processo segue parado no Conselho. O especialista defende que todo profissional seja especialista na área que deseja atuar. “Quanto mais aprofundamento na área o profissional tiver, a chance de cometer algum erro ou deslize diminui. Não existe a isenção, porém, o risco é menor”, enfatiza.

A falta de indicação de especialidade é também uma crítica da presidente da Sociedade de Dermatologia no DF. “Precisamos de uma lei que regulamente, que organize isso. Está muito solto e não pode ser assim. Se o entrave for a falta de artigos científicos que demonstrem os danos que podem ser causados pelo uso indiscriminado do PMMA, isso é o que mais tem. Quem o aplica sem qualquer critério precisa ser punido”, cobra Simone.

Questionada, a Anvisa informou que existe uma única regulamentação do PMMA, e que, no momento, “não há propostas de novos regulamentos em trâmite na Casa”.

Saiba Mais

Em Goiás, o médico Wesley Murakami responde a 11 processos, conforme consulta ao site do Tribunal de Justiça. No entanto, são sigilosos. Na Corte do DF, o médico é citado em um processo em aberto.

A reportagem procurou tanto o Ministério Público do Distrito Federal como o de Goiás para saber se há alguma providência em andamento. Em ambos, não foi possível identificar ações. O MPDFT explicou que a não localização não significa que não haja investigação, “porque pode haver procedimentos sigilosos que não aparecem na busca”.

Por outro lado, o Ministério Público de Goiás, por meio de sua assessoria, indicou que os processos podem não aparecer no sistema por ser uma investigação recente.


Fique de Olho

Vai fazer uma cirurgia ou procedimento?
Saiba o que pesquisar

Consulte o registro do médico no CRM e verifique suas especialidades. O site é http://www.crmdf.org.br.

No caso de cirurgiões plásticos, o paciente pode consultar o site da Sociedade Brasileira de Cirurgia Plástica e verificar o registro de especialidade do profissional. Tudo está no site www.cirurgiaplastica.org.br.

Procure indicações de pessoas reais que já fizeram o procedimento. Se possível, converse com algumas delas.

Procure indicações por médicos da família ou conhecidos que mostrem o que deve ser pesquisado.

Cheque na internet se há reclamações ou denúncias relacionadas ao profissional.

 

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