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Brasília

Ser professor ainda é uma missão cheia de desafios

Arquivo Geral

15/10/2018 7h00

Foto: Rayra Paiva Franco/Cedoc/Jornal de Brasília

Raphaella Sconetto
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Compartilhar o saber, eis uma teoria atraente sobre a ciência de ensinar. Na prática, porém, ser professor é um caminho pontuado por carga horária extensa, salas abarrotadas, remuneração não compatível com o serviço e desvalorização da profissão. No Dia do Professor, comemorado neste 15 de outubro, o JBr. reúne alguns profissionais para falar sobre sua experiência na missão de educar.

A pedagoga Raissa Siqueira Lara e Silva, 32 anos, teve dentro de casa o exemplo da profissão que escolheu. Filha de uma professora aposentada, ela leciona em uma escola de ensino fundamental e também dá aulas para estudantes de graduação que sonham em ser professores.

A palavra de ordem de seu cotidiano é inclusão. Intérprete de libras, Raissa trabalha diariamente com alunos surdos e deficientes auditivos. Três anos após iniciar a carreira como professora de turma mista, frequentada por alunos ouvintes e surdos, ela abraçou a causa de atuar como intérprete.

“É muito diferente de um professor considerado “normal”, explica. “Então, tenho que fazer uma interpretação, tradução simultânea do que o professor está fazendo. Toda a didática de sala de aula tem que ser adaptada para isso”, detalha.

Defasagem

Um caso que impactou sua vida foi o de uma aluna que nem sequer tinha se dado conta da deficiência auditiva. “Ela chegou e eu fiz ‘oi, tudo bem?’ com os sinais e ela me respondeu fazendo sons com a boca. Perguntei à mãe se ela não sabia se comunicar e ela disse que a filha dela a entendia. Ela não sabia que era surda, nunca tinha visto um surdo. Não tinha identificação, não sabia quem era ela.”, afirma.

Assim que entrou para a escola e pôde ter contato com outros surdos, a garota desenvolveu um processo de autonegação. “Não se sentou perto dos outros surdos”, lembra Raíssa. Durante o acompanhamento, a professora foi informada de que, apesar de não saber a língua dos sinais, a menina era aluna exemplar. “Me falaram que ela tinha o caderno completo. Realmente o caderno era completo, mas ela só sabia copiar, não entendia o que estava escrito.”, relata.

Raissa Siqueira, professora interprete de libras. CEF 106, Recando das Emas. Foto: Matheus Albanez/Jornal de Brasília.

Colegas de classe já sabiam ler, escrever e fazer as quatro operações, menos a jovem. Por isso, Raíssa optou por tirá-la de sala e alfabetizá-la. “A maioria que chega ao sexto ano não sabe português nem libras. O caso dela me marcou muito porque ela até ligava para a mãe, fazia os sons. Na cabeça dela, aquilo era comunicação”, lamenta.

Para a professora, o ideal seria alfabetizar em uma perspectiva bilíngue. “Só que enfrentamos algumas barreiras, porque não existem tantos profissionais capacitados para isso, e, quando existem, saem da área, como eu. Se eles não sabem nenhum dos dois, como aprenderam os conteúdos? Muitas vezes eles chegam com uma defasagem enorme”, diz.

E não é só dentro da escola que os surdos encontram dificuldades. Em casa, muitos pais não conhecem a língua de sinais e nem procuram aprendê-la para falar com os filhos. “Se você não entende a língua do seu filho, como vai ensinar coisas básicas? Sobra pra mim também. Muitos falam que os surdos não têm educação, mas o surdo nem foi educado para ser mal-educado”, desabafa.

Com tantos contratempos, Raíssa aponta o único motivo de continuar sendo educadora: os alunos. “Começou por eles e continua sendo único e exclusivamente por eles. Ser professor não é fácil, mas é bom, é prazeroso ver o aluno crescendo”, finalizou.

Sonho cultivado

Marina Bona, 20 anos, está no terceiro semestre do curso de pedagogia. Conhece bem as dificuldades enfrentadas pela categoria, mas nunca desistiu dos sonhos. “Sempre gostei muito de educação, mas as pessoas e a própria vida te desencorajam a seguir esse caminho. Por um tempo, esqueci. Era minha terceira ou quarta opção”, lembra.

Em 2015, ela entrou para o curso de comunicação social, com habilitação em publicidade e propaganda, na Universidade de Brasília (UnB). Começou a estudar, refletiu e mudou de ideia.

“Vi que era de educação que gostava mesmo. Meu pensamento era de que eu queria mudar o mundo a partir da educação, e não por outros meios. Fiz um novo vestibular e consegui passar para pedagogia.”

A cinco semestres de se formar, Marina diz enxergar a profissão como fator de transformação social. “Quanto mais estudo, mais percebo a importância de um professor. A educação é a solução de todas as coisas. Perante tudo que vejo de ruim, penso: ‘se a educação fosse efetiva, nada disso estaria acontecendo’.”

Marina Bona é estudante do 3º semestre de Pedagogia na UNB, sempre sonhou em ser professora e acredita que a educação pode mudar o mundo. Foto: Rayra Paiva Franco/Jornal de Brasília

Vocação para gente determinada

Tayane Tássia Ribeiro Gomes, 29 anos, trabalha há quatro como professora. Atualmente, leciona português em uma escola de ensino fundamental no Recanto das Emas. Desde que era estudante, sentia vontade de ser professora. “Dava aulas de reforço para os amigos e até a diretora me indicava quando algum aluno sentia dificuldade”, lembra. “Então, sempre dei aula de alguma forma.”.

Na faculdade, o primeiro curso em que Tayane pensou foi o de jornalismo. Chegou a prestar vestibular, mas não passou. Pelo Programa de Avaliação Seriada (PAS) da Universidade de Brasília (UnB), tentou letras/ português e acabou ingressando. “Comecei o curso, mas o objetivo era continuar estudando para passar para jornalismo. Acabei gostando [do curso de letras] e não saí mais”, recorda.

Superação

Um aluno, em especial, tocou Tayane. Assim que entrou para a Secretaria de Educação, ela começou a trabalhar em uma escola do Paranoá no turno noturno da modalidade Educação para Jovens e Adultos (EJA). “Quando cheguei, me apresentaram a ficha de um aluno. Ele tinha 17 anos, era traficante, repetente por falta. Me disseram que era para ter cuidado”, conta.

Assim que começaram as aulas, Tayane notou algo especial no aluno. “Ele desenhava bem. Aí, elogiei um desenho. Ele começou a levar outros e a participar das aulas.” Em um trabalho durante o semestre, a professora de português informou que ele teria a possibilidade desenhar. O garoto, claramente, ficou empolgado. Um imprevisto, porém, surgiu no dia da apresentação. “Os colegas entregaram o trabalho, mas disseram que ele não poderia ir à aula porque tinha levado uma surra da polícia. Eu não sabia se ficava feliz pela responsabilidade que ele estava criando ou triste por toda a situação”.

No dia seguinte, o jovem de 17 anos procurou a professora para conversar. “Ele me disse que tinha ido cobrar uma dívida de drogas e os policiais o tinham detido porque ele estava armado. Aquilo me marcou muito. Me mostrou o quanto eu, professora, tenho uma realidade diferente de muitos alunos”, pondera.

Àquela altura, o adolescente já havia decidido seu caminho e, para alegria da professora, fechou o semestre com boas notas. “Ele conseguiu terminar a série. O bom de tudo isso também é que, como ele era o líder do grupinho, conseguiu fazer com que os colegas também assistissem às aulas. O bom da minha profissão é isso: conseguimos ver resultados imediatos nas pessoas. É como plantar uma semente”, conclui Tayane, emocionada.

Tayane Tassia Riberio trabalha há 4 anos como professora de português na Secretaria de Educação. Apesar do pouco tempo de carreira já coleciona historias como a aprovação de um aluno que era traficante no Paranoá. Foto: Myke Sena/Jornal de Brasília

Nem tudo são flores para quem leciona

Profissionais como Tayane e Raissa reforçam, dia a pós dia, a vocação nata para ensinar e aprender – que é o que ocorre no processo de interação com alunos de diferentes origens e aspirações.

Pelo mesmo caminho parece seguir a jovem Marina, que, após diferentes oportunidades de estudar para seguir outra carreira, firmou a convicção de querer ser professora. Mas quem escolheu essa missão deve estar sempre atento à luta pela valorização.

Esse é um ponto para o qual chama a atenção o diretor do Sindicato dos Professores (Sinpro), Samuel Fernandes. “Os professores não recebem o que deveriam receber, trabalham em locais com péssimas estruturas e esbarram em falta de laboratórios, bibliotecas e de materiais pedagógicos que são essenciais para a aula”, alerta.

Violência

Fernandes cita outro problema enfrentado pela categoria, principalmente na rede pública. Pesquisa feita pelo Sinpro neste ano mostrou que 97,15% dos professores já presenciaram algum tipo de violência dentro das salas de aula.

O levantamento registra os próprios professores como 57,98% dos alvos desses atos, que se dividem em agressões verbais (43%), ameaças (29%) ameaças e agressões físicas (9%). Quanto aos praticantes da violência, em 43% dos casos são os próprios estudantes; e, em 22%, os pais.

Entre os relatos dos educadores ouvidos pela pesquisa, destacam-se casos como o de um aluno que chegou armado e disposto a matar o professor, além de registros de assaltos praticados na própria escola e carros depredados dentro do estacionamento. Também há registros de assédio moral sofrido nas salas e agressões sofridas por professores que tentaram separar brigas de alunos.

“São ataques físicos e verbais de todos os lados: alunos, sociedade e também por parte do governo”, aponta o diretor do Sinpro. “Essa violência acaba refletindo no trabalho do professor e é resultado de falta de políticas sociais do governo para mudar essa realidade. Não adianta só colocar policiamento, algo de que inclusive as escolas também precisam. É preciso investir de verdade na educação, para que, no futuro, se diminuam os gastos com segurança”.

Para transformar esse quadro, Samuel Fernandes sugere escolas atrativas para alunos e professores. E aproveita para apontar outras reivindicações:

“Valorização dos professores, valorização financeira, escolas com ambientes adequados, número de alunos adequados dentro de salas, bibliotecas boas e espaço para alunos desenvolverem atividades extras”.


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