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Brasília

Sem público, centésima partida no Mané expõe cenário deficitário da arena mais cara do Brasil

Arquivo Geral

03/03/2017 7h00

Atualizada 02/03/2017 22h16

Foto: Ricardo Botelho/Real FC

Francisco Dutra
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A centésima partida do Estádio Nacional Mané Garrincha depois da reforma faraônica para a Copa de Mundo de 2014 acabou sem ganhadores. Dentro de campo, Santa Maria e Real FC empataram por 1 x 1. Fora dele, a arena amarga uma realidade paquidérmica sem público e renda compatíveis com o investimento público de R$ 1.748.328.432,96. Oficialmente, o custo de manutenção do complexo é de R$ 700 mil por mês. Entre 2015 e 2016, a realização de partidas de futebol, eventos esportivos e shows rendeu meros R$ 4 milhões para o Governo do Distrital Federal. É um faturamento mensal de R$ 166 mil, o que configura, na média, R$ 534 mil de prejuízo a cada 30 dias.

Faturamento mensal de R$ 166 mil, o que configura, na média, R$ 534 mil de prejuízo a cada 30 dias

Números costumam ser frios. Mas em determinadas situações também são ironicamente cruéis. Segundo apuração do Jornal de Brasília, a centésima partida do novo Mané teve apenas 78 pagantes. Somando com os 22 jogadores em campo, eis o fatídico 100. É o menor público pagante da história da nova arena. Vale a ressalva, porém, que a quantia foi inflada por 400 convidados, o que elevou o número de torcedores presentes na arena a 478. Estes 400 observadores estarão identificados como sócios-torcedores no borderô da partida.

O duelo de arquibancadas vazias terminou empatado: 1 x 1 entre Real FC e Santa Maria, em partida válida pelo Campeonato Candango. Foto: Ricardo Botelho/Real FC

O duelo de arquibancadas vazias terminou empatado: 1 x 1 entre Real FC e Santa Maria, em partida válida pelo Campeonato Candango. Foto: Ricardo Botelho/Real FC

Nos seis jogos do Candangão em 2017, nenhum teve público pagante maior do que 600 pessoas. Afinal de contas, o futebol do DF vive uma eterna fase de amadurecimento, bem distante dos grandes centros da bola consolidados. Justamente por esse motivo, o governo apostava na captação de certames de grandes times nacionais para o Mané. Atraindo partidas de times do calibre de Vasco, Flamengo, São Paulo, Grêmio e Botafogo, era possível lotar as arquibancadas candangas. Sempre lembrando que, até então, a maior parte das rendas segue para os bolsos das agremiações.

No entanto, a jogada foi desarmada por grandes clubes, que conseguiram a proibição da venda do mando de campo das partidas no Campeonato Brasileiro. Decisão oficializada pela Confederação Brasileira de Futebol (CBF).

Irregularidades

Sem renda e sem público, o Mané ainda é alvo de graves indícios de superfaturamento e outras irregularidades nas obras de ampliação, sob investigação no Tribunal Contas do DF (TCDF). De acordo com o conselheiro Renato Rainha, o processo apresenta elementos consistentes de um sobrepreço de pelo menos R$ 450 milhões no projeto.

“Nada justifica uma construção deste tamanho. Não há razoabilidade. Uma arena só precisaria ter mais de 70 mil lugares se fosse palco da abertura ou do fechamento da Copa. Para a Fifa, jogos intermediários poderiam ser recebidos por estádios com 30 mil lugares. Todo mundo sabia que o DF não teria o começo ou o fim da competição. Nada justifica este projeto com 72 mil cadeiras”, dispara Rainha, que ocupou a presidência do TCDF entre 2015 e 2016, sendo agora sucedido pela conselheira Anilcéia Machado.

Também tramita no tribunal uma auditoria sobre a qualidade da obra. “Ainda estamos investigando outras coisas. A delação da Andrade Gutierrez teria informações sobre o Mané Garrincha. Estávamos em contato com o ministro Teori Zavascki para termos acesso, mesmo que sob sigilo. Isso poderia jogar luz onde ainda está escuro. Mas, infelizmente, o ministro faleceu. Esta questão agora depende da atual presidente do tribunal”, revela.

Para Rainha, o sobrepreço desfalcou investimentos em áreas debilitadas do serviço público, a exemplo da rede pública de saúde. “Hoje o Mané Garrincha é um elefante branco. Ninguém se habilita a entrar em uma parceria público-privada para assumir essa bomba”, afirma Rainha.

O buraco financeiro do Mané tinha chance de ser maior. O projeto previa o desembolso de R$ 300 milhões em obras nas vizinhanças da arena, como um túnel e um heliporto. Ressabiado pelos primeiros indícios de superfaturamento e desvios, o TCDF barrou o gasto.

“O abandono é gritante”, diz torcedor

A família Freire Rodrigues compareceu em peso ao centésimo jogo do Mané para torcer por Fernandinho, camisa 10 do Santa Maria. O patriarca familiar Eric Rodrigues, 40 anos, é tutor do atleta. O grupo mobilizou 10 pessoas para incentivar o jogador. Segundo Eric, governo, clubes e investidores do DF deveriam adotar a mesma postura em relação à arena. Todos precisam abraçar, vestir a camisa e trabalhar para o amadurecimento esportivo e financeiro do estádio.

“Se esse veto da CBF não cair, Brasília e as demais arenas da Copa terão sempre pequenos públicos como este. Precisamos receber os grandes times. Mas falta força política”, comenta o corretor de imóveis e torcedor do Flamengo. Para o comerciante Franklin Macedo, 31 anos, a lista de fragilidades do estádio começa pelo valor elevado dos ingressos nas partidas, especialmente nos jogos de grandes times. Ao sair da partida, o torcedor cruzmaltino resumiu a arquibancada vazia com a seguinte frase: “O abandono é gritante”.

De acordo com o administrador Alyson Peron, 30 anos, os gestores do estádio devem estar atentos aos horários das partidas para evitar novos vexames. Marcar uma partida em plena quinta-feira às 16h, horário comercial, impede a participação de torcedores.

“Cara, os jogos devem ser em outro horário, mais tarde, nas sextas-feiras, outro dia. Podia ter sido no Carnaval. Ia ser uma opção diferente para a população”, sugere o torcedor do São Paulo.

O vendedor ambulante Antonino Almeida, 61 anos, participou de dezenas de eventos esportivos e artísticos no Mané. Por volta das 17h40, foi supreendido ao saber que haveria a partida do centésimo jogo da nova arena. “Não sabia. Não teve muita divulgação”, conta, minutos depois de montar o ponto de vendas. Na avaliação de Almeida, a arena é mal aproveitada pelo governo e deveria ser concedida para a iniciativa privada.

Saiba mais

  • O maior público registrado no Estádio Mané Garrincha ocorreu durante os Jogos Olímpicos de 2016. Na ocasião, 69.389 pessoas foram ao local acompanhar o duelo entre Brasil e África do Sul. O jogo disputado em 5 de agosto terminou empatado por 0 x 0, com direito a vaias ao time brasileiro.

Secretário irá lutar por agenda

“Nosso elefante tem outra cor. As contas não fecham, mas nosso desempenho é bem melhor do que outras arenas da Copa. Captamos dezenas de eventos esportivos e shows”, comenta o secretário adjunto de Esporte, Turismo e Lazer, Jaime Recena, responsável pela administração do Mané Garrincha.

A partir da próxima semana, Recena buscará uma reunião com a CBF para tentar reverter o veto das vendas de mando de campo no Campeonato Brasileiro. Trabalhando com o pior cenário, o secretário também decidiu reforçar os esforços para a atração de partidas de outros campeonatos, como Libertadores, Copa do Brasil, Sul-Americana e Primeira Liga.

“Vamos tentar suavizar a decisão do veto. Entendemos a questão, afinal alguns times argumentam que a venda pode influenciar nos resultados. Mas a decisão foi radical demais. A CBF poderia vetar apenas os 10 últimos jogos do campeonato, porque até lá a competição ainda está em aberto. Ou poderia abrir a venda antes do começo do Brasileirão. Brasília é uma praça importante para vários clubes. O Flamengo mesmo nos considera a 2ª casa”, argumenta.

Independentemente das negociações para a captação de jogos, Recena continua apostando nas possíveis potencialidades multiuso do Mané. Em 2015, o estádio conseguiu atrair 70 eventos em geral. No ano passado, esse número caiu para 50. “Temos uma média de cerca de uma atração por semana”, ressalta. O governo mantém um programa de visitações durante a semana e aos sábados. “A cada final de semana, nos visitam 500 pessoas”, completa.

Segundo Recena, o GDF está firme no propósito de concessão da arena para a iniciativa privada. “O estádio pode ser rentável. Temos vários exemplos no mundo de arenas com centros comerciais e hoteleiros”, explica. No entanto, para isso é preciso a alteração do uso do Setor Esportivo Norte na Lei de Uso e Ocupação do Solo (LUOS) e no Plano de Preservação do Conjunto Urbanístico de Brasília (PPCUB), que ainda não foram enviados pelo GDF para votação na Câmara Legislativa. O processo de concessão está cuidados da Agência de Desenvolvimento do DF (Terracap).

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