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Brasília

Sem pagamento, clínica de hemodiálise conveniada ao GDF suspende atendimento

Arquivo Geral

20/11/2018 7h00

Atualizada 19/11/2018 21h52

Foto: Raianne Cordeiro/ Jornal de Brasilia.

Raphaella Sconetto
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A vida de 210 pessoas está por um fio. Elas, que dependem de um equipamento 12 horas por semana para ter qualidade de vida, agora lutam contra a falta de pagamento do governo. A clínica de hemodiálise Instituto de Doenças Renais (IDR), em Samambaia, informou aos pacientes que suspendeu o tratamento até que a Secretaria de Saúde pague a dívida de três meses que está em aberto. Ontem, pacientes fizeram protesto e, a partir das 7h de hoje, eles voltarão a se reunir.

“Temos a consciência de que podemos morrer a qualquer momento. Mas, enquanto estamos fazendo hemodiálise, a máquina traz melhora na qualidade de vida. Não podemos ficar sem ela”. O relato é da dona de casa Leane Ferreira da Páscoa, de 29 anos. Há quatro anos, ela frequenta o IDR três vezes por semana e deixa claro que a vida dela depende das máquinas de hemodiálise. “Tenho dois filhos e quero estar presente na vida deles”.

Na clínica de três andares, o clima de indignação é visível entre funcionários e pacientes. Segundo a gerente de enfermagem, Márcia Cristina, o IDR não recebe pelos serviços prestados desde agosto. “Somos a maior clínica da região. São mais de 200 pacientes atendidos apenas pelo SUS. Nossa folha é de quase R$ 500 mil por mês. Em quatro meses, são quase R$ 2 milhões em falta”, conta.
A gerente alega que a clínica tentou cortar gastos para não afetar os pacientes, mas a situação se tornou insustentável. “Esse dinheiro não é para gente, é para os pacientes. Não temos mais de onde tirar para dar o atendimento. Na sexta, comprei duas caixas de dialisadores para ter diálise hoje (ontem) e amanhã (hoje). Assim, os pacientes vão vir para cá e eu vou conseguir explicar o que está acontecendo”, afirma.

A falta de recursos veio mesmo depois de investimentos na clínica. “Trocamos as máquinas, aumentamos o número de enfermeiros, técnicos de enfermagem, médicos. Aumentamos em 45% a capacidade de atendimento, como a própria secretaria reconheceu”, explica a gerente de enfermagem. “O problema não é nosso. Não devemos funcionários, só que não temos nem crédito no mercado para pagar fornecedores”, acrescenta.

Tratamento cria vínculos

Apesar dos problemas, Márcia abre um sorriso ao falar dos pacientes. “Viramos uma família. Temos paciente que está há 15 anos aqui. Eles nos convidam até para almoço na casa deles”, comenta. Por isso, ela diz que o sentimento de insatisfação é ainda maior. “Para nós, está massacrante. Não estamos pedindo nada, é só pagar o que é de direito dos pacientes. Se cumprirem com o que está na lei, trabalharemos felizes. Parece que o governo está tirando o direito deles de viver. Estamos desesperados como se fosse uma mãe sem comida na panela para os filhos”, desabafa.

O aposentado Vivaldo Moreira Trindade, 70 anos, denuncia que o atraso no repasse das verbas é um problema antigo. “Antes de fazer a hemodiálise no IDR, eu fazia no Hospital Anchieta. Saí de lá porque eles pararam de atender o SUS por falta de pagamento”, diz. O homem faz o tratamento na clínica de Samambaia há mais de um ano. “É difícil demais, e a gente fica sofrendo nesse vaivém. Só queremos o nosso direito”, cobra.

Ao seu lado estava o aposentado Arlindo Nunes Mesquita, 61 anos. Há seis anos, ele precisa do tratamento renal. “Ficam a revolta e a tristeza. Quando se trata de saúde, o governo não ajuda ninguém. Estão nos prejudicando e prejudicando a clínica, porque falta material, mão de obra. É triste chegar a essa situação”, lamenta.

Pacientes organizam protestos

Uma das pacientes que estiveram no protesto de ontem é a dona de casa Dorislete Teixeira, 54. Ela conta que hoje o ato vai começar bem cedo. “Vamos reunir os três turnos: manhã, tarde e noite. Todos nós dependemos da hemodiálise para filtrar o nosso sangue. Como vamos viver sem?”, questiona. A mulher espera que o novo protesto seja ainda maior. “O bicho vai pegar”, sugere.

Não faz nem um mês que o Jornal de Brasília mostrou o problema que as clínicas de hemodiálise enfrentam. No fim de outubro, a reportagem visitou a clínica Nephron, em Taguatinga, que indicou que o atraso no repasse das verbas somava quase R$ 4,5 milhões, de 2014 a 2018. Para tentar equilibrar as contas, o administrador Felipe Pinheiro contou que eles precisaram apostar no ‘mix’ de pacientes: particulares e do SUS.

Além da falta de repasse do governo, a Associação Brasileira dos Centros de Diálise e Transplante (ABCDT) indicou a necessidade de reajuste de 30% do valor pago pelo Ministério da Saúde para cada sessão de hemodiálise: em vez de R$ 194,20, como é pago atualmente, eles sugerem um valor de R$ 253 para que as clínicas possam suprir todos os custos.

Em Brasília, três clínicas fizeram a devolução de cerca de 300 pacientes para a Secretaria de Saúde por conta do baixo valor. Enquanto no Brasil algumas fecharam as portas. “O governo reconhece que existe um problema sério. Já fomos recebidos pelo Ministério da Saúde, mas ainda não recebemos uma resposta positiva”, disse o presidente da ABCDT, Marcos Vieira.

Versão Oficial

Em nota, a Secretaria de Saúde jogou a responsabilidade para a clínica. A pasta afirmou que o atraso no pagamento se deu por conta da entrega de documentos por parte da empresa. “A Secretaria de Saúde informa que recebeu, em outubro, a fatura do mês de agosto da IDR clínica de hemodiálise”, informou. “A pasta esclarece que as faturas, primeiramente, são encaminhadas pela própria clínica ao Ministério da Saúde, só depois são repassadas à Saúde local, que realiza o pagamento. A quitação da fatura de setembro já está em andamento e, até o momento, a fatura de outubro não foi apresentada. Ou seja, o atraso ocorre na entrega de documentos por parte da empresa”, completou, em nota. A pasta apontou também que o pagamento de agosto deverá ser feito nos próximos dias.

 

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