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Brasília

Razão para mau ou bom ensino está quase sempre fora dos muros da escola

Arquivo Geral

04/10/2016 7h00

Na Fercal está uma das escolas pior posicionadas no Ideb. Foto: Hugo Barreto

Jéssica Antunes
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O Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb) das escolas públicas no Distrito Federal mostra que, em comum, os colégios de ensino fundamental têm apenas o conteúdo padronizado pela Secretaria de Educação para cada período de ensino. Mais que o ministrado em sala de aula, fatores externos afetam o desempenho dos estudantes, o que acaba por influenciar no péssimo posicionamento de algumas instituições de ensino no Ideb. Para os gestores, resta o desafio de estimular os alunos, apesar dos problemas extraclasse. O Jornal de Brasília mostra, a partir de hoje, os Caminhos da Educação.

Para Fábio Pereira de Sousa, subsecretário de Planejamento, Acompanhamento e Avaliação da Secretaria de Educação, é preciso levar em consideração fatores internos e externos para avaliar a colocação no índice. “Tem que ver como é a participação da comunidade escolar, o local em que essa escola está inserida, se há participação efetiva dos pais e responsáveis, a insegurança”, elenca. Isso, porém, foge do controle dos docentes e gestores. Para Sousa, porém, tudo isso pode ser superado se houver empenho dos alunos e professores.

“Resultados diferentes no índice são fáceis de explicar. Embora haja uma rede de sistemas, há contextos diferentes em cada escola. Estrutura física, situação socioeconômica, acompanhamento familiar, violência da região, equipamentos no colégio… Temos quase 700 escolas com realidades distintas, que estão sem receber recursos regularmente desde 2013”, avalia Rosilene Corrêa, diretora do Sindicato dos Professores. De acordo com ela, a entidade ajuda as instituições nos projetos, “embora seja papel do Estado”.

Pior colocada

A Escola Classe Engenho Velho, na Fercal, levou o título de pior colocada entre os anos iniciais (1º ao 5º ano) no índice. Com mais de 350 alunos na primeira fase do Ensino Fundamental, não apenas ficaram com 4,3 abaixo da meta de 5,3, como também reduziram a nota em relação a 2013 (veja quadro ao lado). Em média, a cada cem alunos, 21 foram reprovados no Ideb.

Dentro da escola, a estrutura e a rotatividade dos alunos são apontadas como principais influenciadores do desempenho. Denise de Jesus, vice-diretora da instituição, enfatiza os vários fatores que atrapalham o bom rendimento: “Temos problemas de estrutura que fazem com que passemos muito calor, ausência de lazer extraclasse, falta de coordenador pedagógico no ano passado e alta rotatividade dos alunos”.

Violência familiar

Fora dos muros da escola, a violência pode ter sua parcela de culpa. A Fercal tem índices crescentes de criminalidade. Apenas no primeiro semestre deste ano, as estatísticas de homicídios e estupros, entre outros, já superam 2015. Mas, segundo a gestão escolar, os casos de violência doméstica e infantil são os que mais afetam o desenvolvimento das crianças. “Isso influencia no psicológico dos alunos, que, às vezes, faltam bastante às aulas”, acredita a vice-diretora Denise de Jesus.

Saiba mais

O DF não evoluiu no Ideb ano passado e não alcançou a meta prevista. Dados divulgados pelo Ministério da Educação (MEC) revelam que, no final do primeiro ciclo do ensino fundamental (5º ano), o índice no DF se manteve o mesmo de 2013 (5,6), pouco abaixo da previsão de 5,8 para 2015. No final do ensino fundamental, a diferença entre o índice atingido e a meta foi ainda maior: 0,5. A nota alcançada foi 4, enquanto o objetivo era chegar a 4.5.

Alunos problemáticos

Nos anos finais do ensino fundamental, o Centro Educacional Gisno, na Asa Norte, amargou a última colocação. Com 1,8 de nota, teve uma média de 57 reprovados a cada cem alunos. A instituição não costuma ter a modalidade fundamental. No ano passado, porém, três turmas de 8º e 9º anos fizeram a prova porque foram deslocadas para o centro educacional. Eram alunos com distorção idade-série, quando há mais de dois anos de atraso escolar.

Segundo os gestores, os estudantes tinham problemas familiares e de indisciplina. Chegaram a colocar cadeiras dentro do vaso sanitário – sobraram 34 dos 55 jogos comprados -, jogar talheres e pratos no lixo, fraturar dedo de professor. “No meio de 50 matriculados nessas turmas, havia três ou quatro que se destacavam, que tinham interesse e se mantiveram na escola”, estima o diretor.

Mais velhos, a maior preocupação era com o mercado de trabalho. “São alunos que moram em outras cidades ou na Região Metropolitana e que estudam aqui pela proximidade com o trabalho”, contou o diretor Isley Marth. Segundo estimativa do gestor, 0,5% dos alunos da instituição são moradores do Plano Piloto.

A maioria não conseguiu passar de ano. “Eram turmas com problemas de disciplina, fora da faixa etária, com baixa autoestima. Eles não valorizam essas provas e é possível que só tenham assinado os nomes. Foi uma situação atípica”, informou Erika Satles, supervisora pedagógica da escola. Neste ano, já não há turmas de Ensino Fundamental na instituição.

Ponto de vista

“A melhor escola para poucos deve ser a melhor escola para todos”. A frase, de autor desconhecido, é citada por Célio da Cunha, mestre e doutor em Educação e professor da Universidade de Brasília (UnB) em relação ao Ideb. Para ele, há um universo de, pelo menos, 15 fatores que podem influenciar, mas não determinar, o desempenho dos alunos em exames como este. “Os mais importantes ainda são a qualidade do docente, infraestrutura escolar – funcionamento, qualidade das salas, materiais didático-pedagógicos -, orientadores pedagógicos, participação familiar e o próprio contexto socioeconômico dos alunos e onde estão inseridos”, elenca. Tudo isso não significa, porém, que escolas carentes não possam atingir bons índices. “Há exceções comandadas por gestores que se destacam e conseguem apoio da comunidade para fazer excelentes trabalhos, apesar das adversidades”, acredita o especialista.

Melhores resultados no Plano Piloto

Em comum, as escolas públicas com melhor desempenho têm a localização, a boa estrutura e manutenção dos prédios, os projetos pedagógicos que incentivam o estudo, além do modelo padrão, a participação de pais e o histórico de sucesso. Ambas as escolas ficaram com médias superiores às da capital e colecionam títulos e placas de bons resultados.
A Escola Classe 106 Norte tem 360 alunos do primeiro ao quinto ano e teve a melhor média do DF: 7,4. Ali, há um polo de apoio à aprendizagem com psicóloga e pedagoga, sala de recursos, laboratório de informática e projetos de leitura. Ela já foi considerada a terceira escola mais eficiente do Brasil.

Para a diretora, Edimar Teixeira dos Santos, o diferencial é uma gestão presente e participativa aliada ao envolvimento dos pais. “A família tem de estar presente”, afirma. A gestora conta que não há casos de violência recorrentes, mas acontecem casos pontuais de violência na família, que são trabalhados individualmente.

Polivalente

O Centro de Ensino Fundamental Polivalente, na Asa Sul, alcançou os 5,7 pontos com os estudantes até o nono ano. “Nos preocupamos com o pedagógico funcional e condição de permanência na escola com satisfação. Aqui temos pais que acreditam na educação como investimento e entendemos que temos que ser para os alunos os professores que gostaríamos de ter para nossos filhos”, explica o diretor, Cleber Villa Flor Santos.

“Problemas extraclasse, familiares, crise, violência podem influenciar (na nota). Nunca tivemos tantos problemas com assaltos nas redondezas da escola. Trabalhamos diariamente com orientação constante e oferecemos condições de informação e aprendizagem para esses alunos”, continua Cleber. O Polivalente tem 1,2 mil alunos de todas as cidades do DF e da Região Metropolitana, divididos em 34 turmas que participam de quatro projetos anuais interdisciplinares.

Na ponta do lápis, os colégios militares tiveram os melhores desempenhos no ranking do Ideb, mas não são classificados como instituições públicas. Nos anos iniciais, o Colégio Militar Dom Pedro II ficou em primeiro lugar, com 7,7 de nota. Entre os anos finais, o Colégio Militar de Brasília (7,2) lidera o ranking local.

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