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Brasília

Profissionais admitem as dificuldades de coibir uso de drogas em festas

Arquivo Geral

04/07/2018 7h00

Divulgação

Raphaella Sconetto
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A morte da jovem Ana Carolina Lessa, 19 anos, horas após uma festa rave, reacendeu o debate sobre o consumo de drogas em eventos. Seria preciso mais segurança, brigadistas e firmeza da fiscalização? Empresas que prestam serviços de primeiros socorros apontam que o uso é mais recorrente – mas não exclusivo – em festas de música eletrônica e que, muitas vezes, enfrentam barreiras no atendimento. Por outro lado, produtores argumentam que é difícil conter a entrada de drogas, mesmo com revistas. A polícia confirma a situação recorrente.

Pelas normas técnicas, festas com estimativa de público de 200 a mil pessoas precisam ter, inicialmente, três brigadistas. A partir daí, a quantidade de bombeiros civis aumenta gradativamente. No entanto, a norma estabelece apenas um mínimo de dez brigadistas para eventos estimados em mais de sete mil pessoas.

O enfermeiro Anderson Sampaio é proprietário de empresa que presta serviços de brigada. Há 15 anos no mercado, ele reconhece que as festas de música eletrônica são onde mais se nota o consumo de drogas. “Sem a droga muitos não conseguem amanhecer o dia na festa. Pela minha experiência, eu sei que tem a droga e é algo característico desses eventos. Só que numa rave, por exemplo, não se vê briga, diferentemente de outros estilos”, compara.

Segundo ele, raramente os índices de ocorrências são nulos, e, pelos sintomas já é possível suspeitar o que fez o socorrido passar mal. “Não conseguimos identificar a causa, mas suspeitamos principalmente da embriaguez ou do uso de droga. Temos indícios por conta de sintomas como convulsão, perda de consciência e princípio de coma alcoólico”, alega.

Sampaio aponta que alguns casos fogem da função de um brigadista. “O brigadista ajuda no combate ao incêndio, em casos que há pânico, na evacuação, e prevenções básicas com os primeiros-socorros. Caso aconteça algum problema de saúde, por exemplo, uma parada cardíaca, o que temos de fazer é o mínimo até a chamada de um recurso adicional, como abordar a vítima e tentar identificar o que ela está sentindo”, pondera. A atuação, porém, sofre impasses. “Perguntamos se a pessoa quer ir ao hospital. Mas, quando é jovem, ela fica com medo dos pais, e os amigos respondem que vão cuidar”, acrescenta.

Anderson Sampaio, dono de escola que presta serviços de brigadista comenta que o índice do uso de drogas é maior em festas eletrônicas e que os brigadistas fazem apenas um primeiro atendimento ao publico. Foto: Myke Sena/Jornal de Brasilia.

Para ele, uma fiscalização mais rígida dos órgãos competentes seria a solução. “Os fiscais não ficam do início ao fim. Muitas vezes os organizadores cumprem as normas, contratam brigadistas e empresas de segurança, mas não fazem uma fiscalização para ver quem está usando droga. Até porque não é função do segurança, do brigadista nem de quem está na ambulância”, pontua. “Existe a revista, mas tem entorpecentes que entram em garrafas, como água”, completa.

Organização não consegue barrar

“O que vejo é que os jovens estão se empenhando para entrar com drogas nos eventos grandes e a gente não consegue pegar. Não podemos fazer revista íntima, por exemplo”. O relato é do produtor de eventos Eduardo Smith, 32 anos, há 15 anos no mercado de festas. Para ele, a droga não escolhe estilo musical. “Está em todos: no senhor de idade, no homem mais arrumado, em mulher. Na festa de música eletrônica tem um tipo de droga que se usa mais, no sertanejo tem outro. Mas a droga está em todos os eventos”, reforça.

Conhecido por produzir festas com música eletrônica, como a Maserati House, Smith comenta que existe a cultura de que “para conseguir virar a noite, é preciso usar drogas”. “Infelizmente muitos jovens têm isso na cabeça, mas não é real. Sou DJ, não fumo, não bebo e viro noites sem usar nada”, alega.

Produtor de eventos, Eduardo Smith. Foto: João Stangherlin/Jornal de Brasília.

Para ele, muitos produtores fazem vista grossa quando o assunto é uso de entorpecentes. “Existem dois tipos de produtores: os profissionais, que usam os eventos como sustento, profissão; e os amadores, que se aventuram. É o caso, por exemplo, de um rapaz que tem o trabalho dele, mas junta os amigos e começa a fazer festas. Geralmente esse cara quer dinheiro de uma hora para outra e não se importa. Até porque, se queimar o filme dele, não vai ter problema porque ele tem um serviço”, afirma.

O uso de drogas, inclusive, tem influenciado o lucro de produtores. “Antigamente havia alto consumo no bar, onde era o nosso maior lucro. Hoje em dia, a pessoa faz o ‘esquenta’, vai para casa ou à porta dos eventos, fuma, cheira, bebe. Se mata de usar droga para entrar no evento”, admite.

Mesmo com a revista, ele admite que não é possível barrar 100% da entrada de drogas. “Cada vez que se faz um evento você a criatividade de quem consome. Conseguem entrar com pessoas do bar, com um amigo que passou pelo muro, ou escondendo em algum lugar inusitado. Eles conseguem. Nem sempre a culpa é do produtor, porque com toda a certeza o profissional é o último que vai querer ter uma festa com o nome manchado”, destaca.

Policiais à paisana se infiltram

De acordo com o delegado responsável pela Divisão de Repressão às Drogas, Leonardo Cardoso, há uma equipe de policiais civis que cuida das investigações do uso de drogas em eventos da capital. Quatro policiais são encarregados de ir à paisana em festas. “Só que não fazemos a repressão nos eventos. Essa ida serve para colher informações e iniciar as investigações com interceptação telefônica, campanas, saber da vida pregressa, por exemplo”, conta.

Neste ano, a Coordenação de Repressão às Drogas ainda não deflagrou grandes operações. No entanto, constantemente faz pequenas apreensões. “Recebemos muitas denúncias de drogas sintéticas em festas e boates. Então já fizemos apreensões de lança-perfume, ecstasy. Recentemente deflagramos uma operação para combater o uso da quetamina, um anestésico animal que está sendo usado em festas. Prendemos a quadrilha e apreendemos uma quantidade razoável da droga”, relembra.

Delegado da CORD, Leonardo Castro. Foto: Jonh Stan/Jornal de Brasília

O delegado alega também que, muitas vezes, as ações são realizadas pelas delegacias da área onde a festa acontece. “Passamos as informações. Por exemplo, se há uma festa em Ceilândia que a gente sabe que vai chegar uma pessoa com a droga, a gente repassa para a delegacia da cidade cumprir as diligências”, completa.

Versão Oficial

Em nota, a Polícia Militar informou que atua em grandes eventos somente quando solicitada. “Em festas particulares, a segurança interna é de responsabilidade do promotor do evento, e a PMDF atuará em casos de fundada suspeita e/ou flagrante delito”, esclarece. A corporação não possui dados relativos à prevenção do uso de entorpecentes. Mas alega que, neste ano, prendeu 904 pessoas envolvidas ou suspeitas de envolvimento com o tráfico.

Já o Corpo de Bombeiros explicou que a vistoria varia de acordo com a natureza da festa. Para isso, a corporação disponibiliza um formulário de apoio aos organizadores que necessitam obter aprovação para a realização do show, festa, apresentação e demais eventos. O documento deve indicar: “disposição, localização e dimensões das saídas de emergência; disposição e localização das estruturas, palcos, arquibancadas, camarotes ou similares; a disposição e localização do gerador (se houver – caso o evento não tenha gerador, o solicitante deve registar isso) e a disposição e localização dos extintores”.

Ponto de Vista

Os malefícios causados pelas drogas são acentuados quando há mistura de outras substâncias tóxicas. É o que explica Andrea Gallassi, professora da Universidade de Brasília e coordenadora geral do Centro de Referência sobre Drogas e Vulnerabilidades Associadas. Conforme a especialista, em festas, observa-se que muitos usuários compram sem saber o que de fato há na composição. “Quando se faz uma análise, o resultado mostra que a pessoa consumiu aquilo que não comprou, especialmente substâncias psicodélicas. Por exemplo, no ecstasy acrescentam substâncias supertóxicas ao princípio ativo em pouca quantidade. Esse tipo de adulteração põe a saúde em risco”, argumenta. Para ela, o ideal de “um mundo sem drogas” é utopia. “As drogas existem em todos os lugares. Temos que partir do princípio de que não é porque as drogas são proibidas que as pessoas não vão usar. Se assim fosse, não teríamos problemas”, aponta. Por isso, ela aponta um controle de qualidade como possível solução. “Saber quem produz, quem vende, quem consome. Definir onde pode comprar, quem pode consumir, onde pode consumir. É só pensar no tabaco e na bebida alcoólica, que funcionam dessa maneira”.

Relembre

Ana Carolina Lessa
O caso da jovem Ana Carolina Lessa, de 19 anos, morta na semana passada, segue sem respostas. A mãe da garota, Valda Lessa, 41 anos, apenas recebeu informações de que as investigações têm tido uma boa evolução, mas que não há nada de concreto. “Sou a mais interessada no assunto e até agora não recebi nenhuma novidade”, alega. Agora, quem segue nas investigações é a delegada Cláudia Alcântara, da 3ª DP (Cruzeiro). A delegada também não tem atualizações do caso. A família suspeita que alguém tenha colocado drogas na bebida da estudante. Em nota, a produtora esclareceu que a festa Arraiá Psicodélico contava com equipes de brigadistas, salva- vidas e também dispôs de UTI e UTE móvel. “Durante a noite tivemos ciência de que uma jovem estava sendo atendida em nossa unidade de socorro. Dessa forma, ficamos tranquilos, pois ela estava em mãos de pessoas capacitadas para atendê-la naquele momento, e que estavam prontas para removê-la imediatamente até um hospital caso necessário. Portanto, já foi solicitado à empresa um laudo médico do atendimento da jovem. Além disso, é válido ressaltar que já estamos contribuindo com as autoridades para o esclarecimento dessa fatalidade”, apontou.

Ana Carolina Lessa morreu após participar de uma festa rave. Foto: Reprodução

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