Jéssica Antunes
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Um sargento da Polícia Militar mentiu em depoimento ao dizer que matou um homem ao reagir a um assalto. Investigações apontam que Paulo Roberto Figueiredo passou a noite ingerindo bebidas alcoólicas e deu cinco tiros no amigo que teria se recusado a continuar a noitada. O crime aconteceu há uma semana na região central de Ceilândia e imagens de câmeras de segurança derrubaram a alegação de legítima defesa. O militar teria histórico de abuso de álcool.
A primeira versão foi apresentada aos militares que atenderam a ocorrência. O sargento disse que havia sido assaltado por duas pessoas. Um teria sido morto em confronto e o outro, fugido a pé. Rafael Barbosa Santos, 32 anos, levou cinco perfurações nas costas, nádegas, pescoço, cabeça e perna.
A única arma de fogo que tinha na cena do crime era a do militar. As investigações preliminares foram acompanhadas de denúncias de pessoas revoltadas pelo fato de a vítima ter sido tratada como assaltante. Rafael não tinha antecedentes criminais.
“Quando chegamos à cena do crime, já constatamos que era um tanto incompatível com aquela versão. Nos chamou a atenção a quantidade de disparos e os locais que o homem foi atingido, contrariando nossa experiência em relação a reação a assaltos, e o fato de três portas estarem abertas”, conta o delegado André Leite, titular da 15ª Delegacia de Polícia.
Para disfarçar o crime, o policial pode ter atirado na própria perna de forma proposital ou acidental. Com uma bala alojada, o sargento segue internado em um hospital particular do Gama e deve ser ouvido novamente quando tiver alta médica. Em uma semana, ele já deu duas versões divergentes para o que ocorreu naquela madrugada do dia 6 de junho.
O caso ainda é apurado, mas o homem já foi indiciado pelo crime de homicídio doloso (quando há intenção de matar). Para o delegado, não há dúvidas de que ele tenha assassinado Rafael Barbosa.
Mudança de versão
No hospital, o policial passou por cirurgia e mudou a versão dos fatos. Desta vez, ele disse que estava com a vítima quando pararam para urinar após passar a noite bebendo. “Ele contou que viu um volume na cintura do rapaz e achou que seria assaltado. Os dois teriam entraram em luta corporal e ele conseguiu atirar. Um terceiro rapaz pegou a arma do Rafael, atirou na perna dele e saiu correndo”, explica o delegado.
Nada disso se comprovou com as investigações. “A gente já descobriu que não havia terceira pessoa e que a dupla se conhecia porque morava na mesma rua. Os dois passaram a madrugada inteira fazendo consumo de álcool e foram filmados abraçados, cambaleando, em estado de embriaguez. A vítima não tinha arma, não foi legítima defesa”, diz o delegado.
Testemunhas disseram que ouviram a discussão que precedeu a morte. A vítima queria trabalhar, estava com mochila e guardava uniforme, mas o policial queria continuar bebendo e não teria aceitado o fim da companhia. Uma pessoa ouviu gritos de “não vou, não quero ir” antes de Rafael desembarcar do carro.
Vídeos mostram sargento (de camisa xadrez vermelha) e vítima (com mochila nas costas) conversando e se abraçando antes do crime:
Combinação perigosa
Para o delegado, o policial parece fazer uso abusivo de bebidas alcoólicas. Em março de 2015, o sargento se envolveu em situação semelhante. Era madrugada e ele estava embriagado. Na época, ele apareceu ferido, dizendo que foi vítima de assalto e teria lutado com alguém. Em depoimento, um amigo disse que, após consumir bebida alcoólica com o policial, o encontrou na rua com a arma em punho e a mão sangrando.
Segundo o relato, o militar o mandou deitar no chão, deu tiros no asfalto e o ameaçou de morte. “Toda vez que bebe fica ‘doidão’, encara e aborda os outros na rua”, disse o depoente. No fim, constatou-se que foi autolesão: o sargento atirou na própria mão.
André Leite lembra que um policial carrega responsabilidade maior que um civil. “Ele tem dever de proteger a sociedade, mesmo estando sem farda. Se tem que estar pronto para ação ou reação, não tem o direito de perder o controle. O problema é a questão psicológica em face do consumo de álcool, que não combina com arma. Se quer fazer o consumo, que guarde a arma e a carteira em casa”, opina.
Ponto de vista
Especialista em direito Militar, a advogada Cátia Mendonça afirma que investigação interna na corporação é necessária em qualquer situação de imprevisto. “Nesse caso, o Inquérito Policial Militar vai apurar os fatos. Se irregularidades forem comprovadas, ele pode até ser excluído da força”, explica.
Versão oficial
A Polícia Militar acredita que é prematuro informar quais serão as providências cabíveis no caso. A corporação diz que aguarda as investigações da Polícia Civil para iniciar qualquer procedimento administrativo. Segundo informações oficiais, o sargento não atuava no policiamento ostensivo, estava no serviço administrativo. Apesar do histórico, ele não responde a nenhum processo na Justiça comum ou na Corregedoria da PMDF. Não há informações sobre atendimentos psicológicos ou psiquiátricos do militar, mantidas em sigilo.
Relembre o caso: PM reage a tentativa de assalto e mata bandido em Ceilândia
Saiba mais
Tramita na Câmara dos Deputados um projeto de lei que prevê perda de cargo para policial que ingerir álcool portando arma. Se aprovada, a determinação deve ser incluída ao Estatuto do Desarmamento.
O texto abrange integrantes das Forças Armadas, das polícias e das guardas municipais que, portando armamento oficial, forem flagrados embriagados ou sob efeito de entorpecentes, em serviço ou fora dele.
Segundo o Código Penal Militar, é agravante de pena quando um policial comete crimes após embriagar-se. Também pode levar a detenção por até um ano se o militar dirigir em estado de embriaguez “sob administração militar na via pública”.