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Brasília

Ocupação desenfreada põe Descoberto em perigo

Arquivo Geral

22/03/2018 7h00

Atualizada 21/03/2018 23h20

Raphaella Sconetto
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A ocupação desenfreada do solo traz consequências aos córregos e rios do Distrito Federal, e um dos resultados é a redução do nível dos reservatórios que abastecem as torneiras da capital. Só na barragem do Descoberto, a apropriação do solo dentro da Área de Proteção Ambiental (APA) aumentou em 336% em 16 anos, segundo pesquisa do Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (Ipam). Neste Dia Mundial da Água, Brasília tem mais motivos para repensar a conservação deste bem finito do que para comemorar.

Os pesquisadores do Ipam usaram aéreas obtidas pelo site www. mapbiomas.org para analisar a partir do ano hidrológico – que começa em outubro e termina em setembro do ano seguinte. Os dados foram coletados entre 2000 e 2016. No primeiro ano, o Descoberto tinha 1,7 mil hectares de ocupações e, no fim do estudo, em 2016, eram pouco mais de 7,6 mil hectares.

De acordo com a diretora de Ciência do instituto, Ane Alencar, os últimos cinco anos, principalmente, foram o período em que mais houve construções dentro da APA. A área, que era para servir como um colchão de proteção e local de recarga, virou espaço de invasões e construções irregulares. “A tendência é de que esse aumento irregular, do avanço da área urbana, continue. Não se trata de urbanização, porque urbanização pensa em saneamento básico, levar equipamentos públicos. É a ocupação sem planejamento”, aponta.

Somado a isso, o volume das chuvas diminuiu. A precipitação registrada no período 2014/2015 foi de 1.604 mm. No ano seguinte, caiu para 1.134 mm e, em 2016/2017, ficou em 1.028 mm. Com isso, o espelho d’água do Descoberto, que ocupava uma área média de 1.221 hectares entre 2000 e 2015, ficou com apenas 773,2 hectares no período 2016/2017.

Junção catastrófica de fatores

Com a soma da ocupação do solo e a redução das chuvas, o resultado não poderia ser diferente: o reservatório, responsável por abastecer mais de 60% do DF, entrou em colapso. “A partir de 2015 tivemos uma redução significativa do espelho d’água. Tivemos o fenômeno do El Niño e se estendeu a 2016. Nesse período chuvoso o reservatório não conseguiu repor o nível para se manter, e em 2017 tivemos a mais baixa redução do Descoberto”, afirma Ane Alencar, diretora de Ciência do Ipam. O nível mais crítico da barragem foi em novembro passado, com 5,3% do volume.

Governo alega que monitora as construções ao redor da barragem. Foto: Kléber Lima

Segundo Ane, a diferença entre o Descoberto e o reservatório de Santa Maria é que o último possui uma área de proteção ambiental maior e mais controlada. “A APA do Descoberto é gerida por empresa privada. O lago de Santa Maria é protegido pelo parque, que é uma unidade de conservação”, compara.

Reação demorou

Para a representante do Ipam, as medidas tomadas pelo governo, de implementar o racionamento e captar água de outras bacias hidrográficas, não são tão eficazes. “Demoraram muito. Por exemplo, o racionamento: a crise provocada pela seca estava instalada no final de 2015. Tiveram 2016 inteiro para pensar. Havia sinais claros de que isso iria acontecer”, critica.

Para Ane, o ideal seria a proteção das bacias. “É uma ação fundamental, que tem que ser priorizada. É proteger toda aquela área, e restaurar algumas em torno do Descoberto. É preciso estar muito ligado à questão climática, para não ter que esperar chegar a níveis críticos como tivemos”, indica. “Também precisa de obras para identificar se tem pontos de vazamento e a questão da captação ilegal da água”, completa.

Campeão de problemas

O secretário de Meio Ambiente, Igor Tokarski, reconhece que o reservatório do Descoberto é o mais atingido pela ocupação irregular do solo. “O de Santa Maria tem a peculiaridade de que ele está inserido dentro de uma unidade de conservação integral, só por esse fato ele já tem uma proteção extra. O Lago Paranoá, que agora é objeto de captação emergencial, não sofre com a expansão porque é consolidado”, afirma.

Questionado se o Descoberto poderia se converter em uma região protegida como Santa Maria, o secretário alegou que o governo tem feito projetos para conter a ocupação no reservatório. “Em 2015, criamos o Comitê de Governança do Território. O objetivo é o controle, a prevenção, coibir, conter a ocupação irregular e o parcelamento de lotes nas áreas produtoras de água”, levanta.

Em relação a todo o território do Distrito Federal, Tokarski destaca que há um interesse da pasta em levar mecanismos que possam repensar a expansão territorial. Um deles é o Zoneamento Ecológico-Econômico (ZEE). “É um instrumento para subsidiar o desenvolvimento territorial. Não é um ‘não pode’, é um ‘como pode’. Óbvio que o mercado imobiliário, os dinamismos habitacionais, vão buscar áreas desocupadas para se instalarem. O ZEE vai mostrar como pode ter a ocupação, pensando em áreas de risco ”, comenta.

Ainda de acordo com o secretário, há outros projetos, como mutirão de plantio de mudas no Descoberto e o programa Produtor de Água do Pipiripau.

Versão oficial

Em nota, a Companhia de Saneamento Ambiental (Caesb) alegou que desenvolve um plano de monitoramento na região do Descoberto, “acompanhando o crescimento e a ocupação do solo. O resultado deste monitoramento tem sido encaminhado aos órgãos competentes, como: Agefis e ICMBio”.

Já a Agefis informou que as áreas de maior importância hídrica em todo o DF são prioridade no combate à grilagem de terras e crescimento urbano desordenado. “Lembramos que a responsabilidade desse cuidado não se restringe apenas ao DF, e devem ser tomadas medidas de controle por parte do governo de Goiás também”, argumenta. As áreas invadidas são monitoradas por imagens de satélite, helicóptero e drones. “Além disso, temos um aplicativo para celulares e tablets que ajuda a população a registrar denúncias de invasões de terras públicas”, conclui.

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