Menu
Brasília

Médico preso na máfia das funerárias já foi administrador regional e dono de clínica

Arquivo Geral

27/10/2017 9h46

Breno Esaki/Jornal de Brasília

Jéssica Antunes
[email protected]

Um médico é suspeito de integrar uma organização criminosa especializada no mercado da morte. Com referência à mitologia grega, para a polícia, ele seria o próprio Caronte, o “barqueiro dos mortos”, viabilizando documentos para que, diante da dor da perda, famílias fossem ludibriadas. Velho conhecido no Distrito Federal, Agamenon Martins Borges já se arriscou em hospitais, no Direito e na política. Ele foi preso nessa quinta-feira (26).

Grupos criminosos ligados ao ramo de serviços funerários de Taguatinga e Samambaia (Pioneira, Universal e Santa Cruz) atuavam interceptando o rádio da polícia atrás de mortes naturais. Com dados das famílias, chegavam antes do IML, se passavam por agentes públicos e ofereciam o serviço. Segundo investigadores, criminosos afirmavam que o processo seria mais rápido e “menos doloroso”.

Assim, conseguiam convencê-las a cancelar a solicitação do Rabecão, o serviço de recolhimento do IML. Em outra frente, informantes em hospitais davam notícia dos óbitos. Nove foram presos pela Corregedoria-Geral da PCDF, com apoio do Ministério Público.

Era função do médico Agamenon Martins Borges fornecer o atestado de óbito. “Muitas vezes eram falsos, sem sequer o exame presencial obrigatório, segundo o código de ética médica”, revela o delegado. Cada atestado de óbito custava R$ 500.

O ciclo se encerrava com as funerárias, que retornavam para as famílias e confirmavam a informação. “Aproveitando um momento de luto e fragilidade, ofereciam o serviço superfaturado e ilegal”, contou o delegado Marcelo Zago, da Corregedoria da PCDF.

Os valores dependiam do nível econômico das vítimas: de R$ 1,4 mil a R$ 8 mil pelo pacote completo. As investigações duraram cerca de um ano e a estimativa é de que centenas de pessoas tenham sido vítimas.

Breno Esaki/Jornal de Brasília

Breno Esaki/Jornal de Brasília

Agentes funerários e funcionários do HRT

  • Além do médico, foram presos os agentes funerários Alex Bezerra do Nascimento, de Samambaia; Valtercícero dos Santos, Augusto César Ribeiro Dantas, Cláudio Barbosa Maciel e Cláudio Barbosa Maciel Filho, de Taguatinga.
  • Dois funcionários do HRT também participavam do esquema e agiam como “papa- defuntos” Eram o auxiliar de serviços gerais Samuel Aguiar Veleda e o vigilante Jocileudo Dias Leite. Embora não sejam servidores, para efeito penal, ambos respondem como funcionários públicos.
  • Está preso, ainda, Conrado Augusto de Farias Borges, sobrinho e assistente do médico Agamenon. Segundo apurações, ele se passava por legista e assinava atestados de óbito fraudulentos.
  • Três agentes funerários estão foragidos, todos de uma empresa em Samambaia. São eles Reandersson Miranda dos Santos, a esposa Mirian Sampaio dos Santos e Marcelo de Oliveira Silva.
  • Os suspeitos vão responder por associação criminosa, estelionato, crime contra o consumidor e falsidade ideológica. Os funcionários do HRT responderão por corrupção passiva cometida por agente público.

Histórico

O médico Agamenon já prestou serviços ao IML e foi demitido da instituição nos anos 1990, por motivos não informados pela Polícia Civil. No ramo da Medicina, foi dono de uma clínica em Sobradinho, aberta em 1996, médico sanitarista no Hospital Regional do Guará e passou em concurso do Hospital das Forças Armadas em 2009.

Formado também em Direito, Borges tem registro ativo na Ordem dos Advogados do Brasil (OAB- DF). Em 1994, registrou-se como candidato a deputado distrital pelo PSDB na chapa que tentou eleger Maria de Lourdes Abadia. Na legenda, também atuou como membro-titular do Conselho de Ética e Disciplina. Em 2002, prestou concurso para juiz substituto do Tribunal de Justiça do DF. Nos governos Roriz e Abadia, em 2006, atuou como administrador regional do Paranoá. Ele ainda responde a um inquérito por homicídio.

Ação em várias empresas

Hoje, segundo a PCDF, ele tem uma clínica particular em Formosa (GO) e atende em uma unidade pública de Céu Azul (GO). Embora filiado de forma mais habitual a uma das funerárias, o médico estava disponível para outras empresas, que o procuravam para o serviço. Havia até terceirização da função a seu sobrinho e assistente. A atuação, então, se estende a empresas não investigadas na operação.

Atuação em Ceilândia

Em Ceilândia, conforme licença emitida em junho deste ano pela Vigilância Sanitária, Agamenon Martins Borges é o médico legista da Tanatos Brasília. Ao JBr., Maria Ivanilde, dona do estabelecimento que prepara corpos para sepultamentos, afirmou ter recebido a notícia da prisão de forma inesperada e negou conhecimento de atos ilícitos. “Se é legista e atua, ele teve permissão do conselho. Não tenho a ver com o que ele fez de errado. Embora assine pela clínica, fui pega de surpresa”, argumenta.

Ponto de vista

  • De acordo com Aluísio Trindade Filho, presidente da Associação Brasiliense de Medicina Legal, médicos legistas não têm nenhum vínculo às funerárias. No DF, diz, são servidores públicos da estrutura da PCDF que realizam perícias para emitir pareceres. Como funcionários públicos, não atendem em clínicas. Ele não vê nenhum impedimento legal a um ex-legista ser responsável técnico por uma empresa. “Em toda profissão há desvios éticos, é foro íntimo. A pessoa que aceita atuar como responsável técnico desvia as finalidades legais e éticas se atua como legista”, opina.

Ela diz que a clínica não trabalha com nenhuma das funerárias citadas na investigação. No local, funcionários informaram que ele vai uma vez por semana “assinar termos”, mas garantiram que ele nunca emitiu atestado de óbito.

Segundo a Comissão de Assuntos Funerários da Secretaria de Justiça e Cidadania, quando a morte acontece em casa é preciso um médico para atestar o óbito. Caso contrário, o corpo é levado ao IML. Ali, a família terá acesso ao documento para ir a um cartório de registro, que fará a emissão do atestado de óbito e guia de sepultamento.

Após isso, é preciso contratar uma funerária para os serviços de preparação para o velório, enterro ou cremação. Ao mesmo tempo, a família deve procurar a empresa concessionária dos cemitérios do DF para a contratação dos jazigos e locação da capela de velório.

A pessoa precisa ter o atestado de óbito e a guia de sepultamento para o serviço ser realizado. A partir de 3 de novembro será necessária a entrega de declaração de sepultamento por parte das funerárias.

    Você também pode gostar

    Assine nossa newsletter e
    mantenha-se bem informado