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Brasília

Máfia coloca concursos em xeque no DF

Arquivo Geral

22/08/2017 7h00

Atualizada 21/08/2017 22h06

Foto: John Stan

Jéssica Antunes e João Paulo Mariano
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Todos os concursos públicos da última década podem ter sido alvos de fraude no Distrito Federal. Investigações da Polícia Civil dão conta que desde 2006 organizações criminosas facilitam a aprovação e posse de candidatos após pagamento em dinheiro. Mais de cem nomeações já estão sob suspeita. “É bem difícil que um candidato puro, apenas estudando, passe em um concurso público nessas condições”, revela Brunno Ornelas, delegado da Delegacia de Repressão ao Crime Organizado (Deco). O próximo alvo seria o certame da Câmara Legislativa.

O ingresso para a aprovação custava, de imediato, de R$ 5 a R$ 20 mil. Depois do resultado, o candidato ainda deveria pagar dez vezes o valor do salário do edital. O grupo era liderado por Hélio Ortiz, velho conhecido da Máfia dos Concursos. O ex-servidor do Tribunal de Justiça do DF e Territórios (TJDFT) já havia sido preso pelo mesmo motivo em 2006, mas foi solto antes mesmo de ser julgado.

Segundo as investigações, ele voltou a comandar uma organização criminosa que envolvia funcionários de bancas organizadoras e o dono de uma faculdade que fornecia diplomas de curso superior aos candidatos. Para a polícia, o homem jamais deixou de agir. Além de Hélio Ortiz, seu filho, Bruno Ortiz, tido como “herdeiro” da máfia também foi preso, e agia de forma operacional.

Também foram levados à delegacia Rafael Rodrigues da Silva Matias, braço direito de Bruno, e Johann Gutemberg, dono do Instituto Nacional de Ensino Especial, faculdade que funciona em Taguatinga, sob suspeita de providenciar diplomas de curso superior para os candidatos que não cumpriam a exigência do concurso.

Fraude para todo lado

As apurações começaram há quatro meses, quando a Polícia Civil identificou duas tentativas de fraude no certame do Corpo de Bombeiros, aplicado pelo Instituto de Desenvolvimento Educacional, Cultural e Assistencial Nacional (Idecan). Além do CBMDF, existem indícios de fraudes nos concursos da Terracap, das secretarias de Saúde e Educação e dos exames da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB).

“Quase todos os concursos podem ter sido fraudados de alguma maneira nos últimos dez anos e pode haver outras organizações que agem da mesma forma. Nenhuma instituição ou banca está isenta, todas serão investigadas”, revelou o delegado Brunno Ornelas.

Ontem, buscas foram feitas no Centro Brasileiro de Pesquisa em Avaliação e Seleção e de Promoção de Eventos (Cebraspe/ Cespe). O próximo certame na mira da quadrilha era o da Câmara Legislativa, que teve o edital divulgado ontem com salários até R$ 15 mil.

Versão oficial

O Cebraspe/Cespe informou que acompanha a investigação da PCDF “fornecendo todo o apoio necessário à investigação”, classificando-se como “maior interessado” em esclarecer os fatos. O Idecan diz que adota rigorosos procedimentos de segurança e controle que visam coibir qualquer tentativa de fraude. Além disso, afirma que está à disposição das autoridades.

Celulares e até ponto eletrônico

De acordo com a polícia, a organização criminosa tinha integrantes específicos que buscavam interessados nas portas das faculdades e cursinhos preparatórios. Em alguns casos, havia o pacote completo, com diploma de graduação e pós-graduação, além da aprovação no concurso. “Nos assustamos com o tamanho das fraudes. Para passar hoje, além de estudar muito, o candidato deve ter sorte. O processo não é seguro, diversos pontos das provas podem ser fraudados”, criticou Ornelas.

A quadrilha agia de quatro formas. Em uma delas, o candidato usava um ponto eletrônico para receber as instruções sobre o gabarito – feito, no próprio local, por especialistas chamados “pilotos”. Em outra, o candidato deixava aparelhos celulares em pontos do local de prova, como o banheiro, para consultar as respostas durante a aplicação.

O uso de identidades falsas para que uma pessoa se passasse por outra também foi constatado. “Alguns funcionários de grandes bancas também podem estar envolvidos porque têm acesso a tudo. O participante responde poucas questões e entrega o cartão resposta quase em branco. O funcionário se encarrega de tirar a prova do envelope e preenche as respostas corretas”, exemplifica o delegado.

Os funcionários públicos que forem identificados como compradores do esquema podem ser exonerados. Segundo a Polícia Civil, mais de cem já são suspeitos e o número pode crescer conforme o andamento da apuração. Eles podem ser enquadrados no artigo 311 A do Código Penal, que prevê pena de reclusão até seis anos. “As fraudes não colocam em xeque todo o concurso, apenas o fraudador deve ser punido”, ressalta Brunno Ornelas.

Concurseiros enganados

Depois das notícias sobre a investigação da máfia dos concursos públicos no DF, estudantes de cursinhos tiveram reações adversas: enquanto alguns disseram não se sentir desanimados, outros estão com medo do cancelamento dos certames, que já estão raros em tempos de arrocho econômico.

“Eu fico até descrente de estudar para concurso. Você faz de tudo e outra pessoa vai lá e toma a sua vaga sem ter feito nada. A gente, infelizmente, sabe que muitas vagas são vendidas”, diz a estudante Gabriela Sodré, que fica com um pé atrás com a segurança na hora da aplicação das provas. Aos 24 anos, depois de tentar vários vestibulares, ela resolveu buscar os cursinhos para conseguir uma vaga no setor público.

Apesar das fraudes, ela assegura que não abandona os estudos por nada. “Sou brasileira e não desisto nunca”, brinca. Além do concurso para a Câmara Legislativa (CLDF), a jovem se prepara para a prova do Ministério Público, que é onde deseja trabalhar. Ela garante que isso não vai desanimá-la.

Já para Douglas Barros de Jesus, 40, que abandonou tudo para conseguir estudar ao menos sete horas por dia, a situação é difícil de engolir. “É triste, mas acho que tudo que envolve o poder público e política pode ter esses problemas”, diz. Há cerca de um ano, ele se prepara para a prova da CLDF, que seria o próximo alvo da quadrilha.

O concurseiro garante estar focado na vaga para a área administrativa do Legislativo, porém não rejeita outras provas. “Estudo para todos os concursos que posso”, diz. Para ele, a ideia de ter outra pessoa assumindo a vaga para a qual ele estuda tanto é triste e demonstra o “jeitinho brasileiro”.

Depois da aprovação

No caso de André Felipe Figueiredo, 22, a preocupação seria maior se o concurso em que ele foi aprovado fosse cancelado devido às fraudes. O estudante de engenharia, com formação em pedagogia, aguarda ser nomeado no concurso do Corpo de Bombeiros ocorrido neste ano. Foi desse certame que partiu toda investigação da operação de ontem.

“Até o momento, não me sinto frustrado. Eu estou bem no início do número de vagas. Se eu estivesse mais atrás, ficaria indignado”, relata Figueiredo, que começou a se preparar faltando pouco mais de três meses para a prova.

Felipe confessa que não pensava em fazer concurso público, mas sempre quis ser bombeiro, pelo gosto que tem pela profissão e pelo que ela representa na sociedade. Como ainda faltam algumas etapas, ele espera que dê tudo certo e que nem essa fraude nem outro entrave o impeça de vestir a farda laranja e ajudar as pessoas.

Ponto de vista

“Se (a polícia) não conseguir demonstrar com precisão quem são os envolvidos na fraude, o concurso deve ser cancelado”, arremata o integrante da Comissão da Comissão de Fiscalização de Concursos Públicos da Ordem dos Advogados do Brasil-DF, Max Kolbe. Ele entende que isso pode onerar os cofres públicos, porém seria preciso ao governo cobrar mais das bancas aplicadoras, para evitar o problema. Por ter sido professor de cursinhos da cidade por uma década, Kolbe conhece bem o sistema e percebe que a ação dos que compram a vaga é uma deslealdade com os alunos que se esforçam para se dar bem nas provas. O advogado também avalia que os órgãos públicos têm que tomar cuidado com as empresas contratadas para conduzir os certames.

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