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Brasília

Lei Maria da Penha: Sob orientação profissional, agressores melhoram convívio em sociedade

Arquivo Geral

27/07/2016 6h38

Atualizada 26/07/2016 22h10

Kleber Lima

João Paulo Mariano
Especial para o Jornal de Brasília

Quando Marcos e Fernando (nomes fictícios) souberam que teriam que participar de atividades em grupo para autores de violência contra a mulher, não gostaram muito. Pensavam que o Núcleo de Atendimento à Família e aos Autores de Violência Doméstica (NAFAVD) não era lugar para eles.

Em poucas semanas, os dois, que não se conhecem, perceberam que compartilhar suas histórias e o que pensam foi importante para a mudança da forma como enxergavam o mundo. Sem a orientação, não seria possível viver bem em sociedade.

Ontem, o JBr. apresentou o trabalho do NAFAVD ao ressaltar a proximidade dos dez anos da Lei Maria da Penha, a serem completados no próximo dia 7. “O grupo ajuda a encarar o problema de um ângulo diferente. A gente percebe uma mudança progressiva. É como se estivesse no buraco: tem forças, mas não consegue sair. Fica mais tranquilo contornar os conflitos”, afirma Marcos, 34, que percebe que o curso ajudou a quebrar o ciclo da violência.

Foram dez sessões em grupo e três individuais. Segundo ele, quando chegou ao NAFAVD, pensou que “só tinha bandido lá” e até teve medo. Mas percebeu que não era nada daquilo e, hoje, acha engraçado, pois os integrantes criaram laços.

A primeira vez que Marcos ouviu falar do NAFAVD foi quando o juiz o avisou que ele tinha duas escolhas: ou pagava multa ou ia ao núcleo. Após uma briga, em 2011, a esposa o denunciou e, no início deste ano, ele foi procurado pela Justiça. O matrimônio não foi desfeito.

O casal, que se conheceu no primeiro dia da faculdade de Enfermagem, tem cinco filhos. Marcos recomenda o núcleo para quem queira ver o relacionamento de outra forma. “A vida em união é complicada. O NAFAVD me ajuda a me comportar no trabalho, na rua, no trânsito e, claro, na família”, responde.

Criação

Para Fernando, 64, não foi possível continuar casado. Depois de 41 anos juntos, o processo de divórcio está em andamento. Pai de dois filhos já crescidos, o motorista explica que os homens de sua família sempre foram “meio estourados e com pavio curto”, mas que, após o curso, pensa duas vezes antes de tomar alguma atitude.

“Eu creio que agora vou conseguir me comportar. Mas a gente nunca sabe se está bem seguro para falar. Se eu soubesse do curso antes, eu teria sabido como agir (na briga)”, reconhece Fernando, que participou de seis reuniões.

A psicóloga Everline Horta aponta que os participantes respeitam e acompanham se o casal decide estar junto ou se separar. “A queixa não é para separar, é para a violência acabar. Eles querem estar juntos, mas não sabem como”.

Reprodução de comportamento familiar

De acordo com o agente social Osmar Rezio, se o casal não fica junto, a orientação reflete no próximo relacionamento. Para ele, esse trabalho deveria começar na infância, para desconstruir o machismo, pois muitas dessas questões vêm de berço. “A gente está apagando um incêndio. O cara era acostumado a viver em uma casa em que o pai batia na mãe e acaba batendo na mulher”, acredita.

Rezio trabalha no núcleo desde 2009 e percebe que muitos homens chegam com a sensação de que são vítimas e condenam a mulher. Mas, ao final, percebem que ela estava certa. O enfermeiro Marcos é um dos que não admitiam o próprio comportamento machista. Agora, tenta criar os filhos diferente. “Hoje, passo um outro ponto de vista”, diz.

Futuro do projeto

“Acredito que o dever do Estado é lutar não só na repressão, mas na prevenção, como estamos fazendo com o projeto Lei Maria da Penha nas Escolas, em parceria com o Tribunal de Justiça e o Centro Judiciário da Mulher”, observa a subsecretária da Mulher, Lúcia Bessa. Existe também o Grupo de Trabalho Permanente Contra o Feminicídio e Outras Violências.

Outras parcerias, com faculdades, estão próximas. O intuito é levar mais profissionais aos NAFAVDs, que possam trabalhar em equipes multidisciplinares. Uma cooperação existente, mas que deve ser fortalecida, é com o Governo Federal. Por meio do Pronatec, mulheres sem renda própria, até então dependentes dos agressores, fazem cursos técnicos para aprender uma profissão.

Ponto de vista

A professora de Sociologia da Universidade de Brasília (UnB) e coordenadora do Núcleo de Estudo sobre as Mulheres da UnB Lourdes Bandeira afirma que o NAFAVD é importante não só como política pública, mas porque ressocializa os homens.

Ela critica apenas o fato de o agressor poder utilizar o núcleo como moeda de troca para ter uma sentença menor ou não ser preso. Para a especialista, a metodologia teria que ser revisada com o tempo. O acompanhamento dos participantes também deveria ser mais longo.

Ela observa que a Lei Maria da Penha foi uma das normas mais conhecidas no Brasil e  lembra que a legislação, de modo geral, conseguiu reduzir em 10% as agressões às mulheres. “A expectativa era muito maior. Mas a redução é muito importante não só para as mulheres que não são mais agredidas e mortas, como para aquelas que conseguem romper com a violência devido às medidas protetivas impostas pela legislação”, destaca.

Para Lourdes, ainda falta  sensibilidade por parte do Poder Judiciário e da segurança pública para melhorar a aplicação dos dispositivos legais.

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