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Brasília

Lei Maria da Penha: além da pena, agressores recebem orientação especializada

Arquivo Geral

26/07/2016 7h06

Atualizada 25/07/2016 22h10

Kleber Lima

João Paulo Mariano
Especial para o Jornal de Brasília

No ano passado, Josué (nome fictício) ficou preso por oito dias. Ele pensou que nunca passaria por isso: foi para a cadeia por ter agredido a ex-mulher, com quem completou 13 anos de relacionamento – três de casamento no papel.

O homem de 37 anos foi denunciado pela companheira e enquadrado na Lei Maria da Penha, cujo texto completa dez anos no próximo dia 7. Nesse ponto da vida, ele conheceu o Núcleo de Atendimento à Família e aos Autores de Violência Doméstica (NAFAVD) da Subsecretaria de Políticas para a Mulher e do Ministério Público (MPDFT). “Se eu tivesse um acompanhamento desse antes, não teria passado por isso”, acredita.

O DF é a única unidade federativa onde o NAFAVD funciona de forma institucionalizada. Segundo a subsecretária de Políticas para Mulheres, Lúcia Bessa, essa é uma forma de não deixar o homem fora do processo e mostrar que há outras maneiras de lidar com os conflitos em vez da violência.

“Não fazemos tratamento. Damos a oportunidade de pensar”, afirma a secretária, que entende que “o machismo não é do homem, mas da sociedade”. Assim, é preciso tratar todos os envolvidos. “É a quebra do ciclo da violência”, observa.

Os NAFAVDs têm como obrigação o enfrentamento à violência a partir do acolhimento e do empoderamento das vítimas, além de um trabalho de reflexão e responsabilização com os autores. Atualmente, há nove unidades em funcionamento desde 2003 – ou seja, antes da publicação da Lei Maria da Penha. Mas a legislação fortaleceu a atuação do NAFAVD.

Os homens e mulheres são encaminhados após acordo judicial. Apenas os agressores são obrigados a participar. Como vítimas, as mulheres têm direito de escolha. Na unidade do Plano Piloto, há uma lista de espera para os homens.

Em média, são mais de cem agendamentos por mês, com 90% de presença. O acompanhamento pode ser feito em grupo ou individualmente, a depender da necessidade de cada um.

Segundo a Secretaria de Segurança (SSP), nos primeiros seis meses deste ano, foram registradas 6.855 ocorrências policiais com base na Lei Maria da Penha. No mesmo período do ano anterior, foram 6.944.

Conflito superado

Além de ser preso, Josué ficou longe do filho por dois meses. Hoje, separado da mulher, o respeito foi restabelecido, assim como a convivência diária com o filho. “Recomendo (o curso). A gente aprende que tem que contornar as situações e não agir por impulso”, afirma Josué, que já teve a oportunidade de repassar os ensinamentos a um amigo.

Pequenas ações exemplificam o problema

A violência doméstica é um dos crimes mais subnotificados. Ou seja, muitas vítimas não procuram a polícia. Por esta razão, é temerário elencar as localidades mais violentas apenas com base nos números. As regiões com mais registros, de janeiro a junho deste ano, foram Ceilândia (17,2% dos casos), Planaltina (7,9%) e Samambaia (7%).

“A gente faz grupos reflexivos e trabalha questões de machismo e de gênero. Desconstrói pensamentos engessados”, acrescenta a psicóloga Everline Horta.

De fato, um denominador comum dessas histórias é o machismo. O trabalho dos orientadores é identificar as falas e atitudes que devem ser combatidas e mostrar outro caminho. “Eles chegam justificando os atos. Mas a gente não fica confrontando. Damos exemplos. Aí, quando se mostram casos concretos, cai a ficha”, diz a integrante do núcleo. Ela tenta desconstruir uma fala machista pedindo para o homem olhar o lado da mulher.

Everline diz que, em situações mais graves, como espancamento, os homens concordam que o agressor deve ser preso. Mas, quando se fala em ameaças e xingamentos, ficam em dúvida. A profissional se esforça para mostrar que até mesmo falas comuns devem ser evitadas. Um exemplo é quando se diz que “não é tão machista assim e até ajuda em casa” como se o lar também não fosse obrigação dele.

“Os homens problematizam a mulher que bebe. Acham feio. Mas por que o homem pode e a mulher não?”, questiona. Para a psicóloga, mesmo os mais resistentes mudam o discurso do meio para o fim das sessões. Ela não vê relação com a questão social ou idade, pois já atendeu “desde catadores de lixo da Estrutural a dentistas do Plano Piloto”.

A subsecretária de Políticas para a Mulher, Lúcia Bessa, admite que até mesmo as instituições carregam um ranço machista: ” A gente luta. Mas ainda há muitos problemas. Sou realista, mas otimista”.

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