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Brasília

Jovens infratoras escrevem livro sobre o dia a dia na Unidade de Internação

Arquivo Geral

11/09/2018 7h00

Atualizada 10/09/2018 22h15

Foto: Rayra Paiva Franco/Jornal de Brasília.

Tainá Morais
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Após quase três anos enclausuradas, pagando por erros do passado, duas jovens resolveram compartilhar a vida que levavam por meio da escrita. Com a ajuda de uma pesquisadora, elas lançaram Cartas de Uma Menina Presa, obra que revela como é o dia a dia de menores que passam pela Unidade de Internação de Santa Maria (UISM).

A ideia surgiu quando a coautora do livro, a antropóloga e pesquisadora Débora Diniz, implantou um projeto de pesquisa na unidade de internação. A intenção era acompanhar a rotina de todos os jovens que ali se encontravam. Segundo a agente socioeducativa Lucilene Barros, quando Débora chegou ao local os jovens reagiram de forma negativa. Porém, a maneira como ela os tratava fez com que a pesquisadora ganhasse a confiança dos detidos.

“Foi surpreende como Débora abordou os meninos. Ela se manteve acessível e disponível o tempo todo para eles, o que pode ter facilitado a aproximação das meninas internadas. Laços foram construídos e, além disso, ela teve a curiosidade de conhecer as meninas além do que se mostravam ali”, explica.

O encontro

Débora chegou ao corredor onde Talia (nome fictício) costumava ficar, com roupas típicas de uma universitária, como tantas outras que visitam as cadeias, mas que raramente escutam as histórias de quem vive ali. Talia já foi considerada uma importante traficante de Brasília. No dia do encontro, seus segredos e desejos começaram a ser desvendados.

Talia pedia livros para saber o que Débora lia fora dali, até porque nas celas não há acesso à televisão durante enquanto o tempo de sentença é cumprido. Débora, então, atendeu ao pedido.

A partir disso, vínculos foram formados ao longo do tempo. As menores começaram a interagir com a professora, querendo saber um pouco mais de sua vida. Como o contato era pouco, somente em alguns momentos, esse conhecimento começou a ser realizado por meio de cartas.

“Elas escreviam perguntas para a Débora, e ela fazia questão de responder todas por semana”, relatou a pesquisadora do Instituto de Bioética (Anis) Sinara Gumier. Por semana, a coautora do livro recebia cerca de 20 cartas com dúvidas e relatos de vida das adolescentes internadas.

Tráfico e sexo por dinheiro

O livro remete, principalmente, à infância de Talia na rua e à vida dela como “empresária” do tráfico. A escritora, que atualmente está presa no presídio feminino do Distrito Federal, foi apreendida pela primeira vez aos 14 anos, mas desde os oito já perambulava nas ruas da cidade. A família, o Conselho Tutelar e a educação não foram capazes de livrar a menina do mundo do crime, do sexo por dinheiro e da violência. Quando se tornou, de fato, “perigosa”, houve a necessidade de ser trancada em uma cela da unidade de internação.

A escrita ganhou força na vida de Talia. Em 2015, ela participou pela primeira vez do concurso nacional de redação da Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco), enquanto ainda cumpria pena no centro. Ela alcançou o primeiro lugar e contou com a ajuda de mais três adolescentes. Entre elas Yasmin Baima, 21 anos, estudante de Serviço Social. Segundo Yasmin, o apoio foi mais que necessário e importante para ambas.

“Nunca tínhamos tido contato com a educação e a escrita daquela forma. Como fui liberada primeiro, achei importante ajudá-la a participar desse concurso”, explica. A universitária escreveu a apresentação do livro, pela qual defendeu a importância da leitura. “É a concretização de uma troca de cartas, foi diferente. É importante porque a voz da Talia está aqui. Ela está presa, mas está viva”, relata.

Garotas de Unidade de Internação de Santa Maria lançam um livro. Iasmin Baima, coautora do livro. Santa Maria. Foto: Rayra Paiva Franco/Jornal de Brasília.

Yasmin viveu no centro de internação durante dois anos e seis meses. Voltar a visitar o local em uma outra situação, no lançamento do livro, ainda causa incômodo. “Querendo ou não, eu ainda lembro porque estive aqui pela primeira vez. É um pouco perturbador, mas ao mesmo tempo é importante a minha volta em outro contexto. Até porque, quando saí daqui, muitas pessoas seguraram a minha mão e não me deixaram voltar para a minha vida de antes”, define.

A trajetória não é nada fácil. A vice-diretora da unidade, Luana Eusébia, conta que correu atrás de diversas atividades para ocupar, principalmente as meninas, dentro da unidade. “Fazemos com que os adolescentes vão à escola todos os dias. A unidade tem atividades ocupacionais para permitir que os jovens não fiquem totalmente desconectados do mundo”, salienta.

Garotas de Unidade de Internação de Santa Maria lançam um livro. Santa Maria. Foto: Rayra Paiva Franco/Jornal de Brasília.

Saiba Mais

Cerca de mil livros foram impressos nesta primeira leva, após ser rejeitado por seis editoras.

Talia decidiu estudar. De dentro da penitenciária ela conseguiu, há menos de um mês, uma bolsa na Faculdade Anhanguera para cursar gestão pública. Existe um programa que proporciona para presas a oportunidade de iniciar uma faculdade a distância, o que tem facilitado a vida da jovem.

Apesar disso, ela ainda enfrenta dificuldades para arcar com os custos do sonho.


Serviço

Onde encontrar

O livro, em formato digital, pode ser lido gratuitamente. O arquivo está disponível no site http://www.anis.org.br/.

A versão impressa está sendo vendida por R$ 30. O dinheiro arrecadado será revertido nos estudos de Talia quando ela for liberta. Caso o interessado não possa contribuir com este valor, a Anis arrecada qualquer quantia para a ajuda de custo e também para a produção de mais edições.

O livro será distribuído gratuitamente para todas as menores da unidade.

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