Menu
Brasília

Ex-detento quer lançar livro que começou a ser escrito ainda na prisão

Arquivo Geral

10/02/2017 7h00

Carlos Washington entregava os manuscritos para a mãe no dia de visita. Agora livre, reuniu o que produziu e tenta financiamento por meio do governo. Foto: Breno Esaki

Ícaro Andrade
[email protected]

Preso por envolvimento com tráfico de drogas durante dez anos, Carlos Washington Chagas Corrêa, 40, resolveu tornar seus dias de pesadelo dentro da cadeia em inspiração para escrever. Agora livre para recomeçar sua história, ele lança a autobiografia No Mundo da Lua, atrás das grades, com base nos manuscritos produzidos na prisão.

O brasiliense sempre trabalhou com projetos voluntários voltados a jovens. Foi colaborador do Picasso não Pichava, programa do governo criado em 2000 que chegou a atender cerca de 20 mil adolescentes, entre infratores, pichadores e membros de gangues.

Apesar de ajudar a população carente, Carlos também se viu imerso na criminalidade. Na época, ele mergulhou fundo em um projeto social em um antigo clube da Ceilândia. No local, milhares de jovens tinham a oportunidade de aprender esportes, grafite e hip hop. Mas nem tudo ia bem. Ele alega que, devido à necessidade de verba para dar continuidade às atividades, alguns membros acabaram misturando as coisas e o dinheiro do tráfico passou a movimentar o projeto. Todos acabaram presos.

“Eu estava envolvido com aqueles jovens e vi que o futuro deles estava ali, naquelas oportunidades. Quando percebi que o tráfico começou a comandar, fiquei na minha e nisso acabei caindo. Sabia que estava errado, mas deixei as coisas acontecerem”, conta.

Saiba mais

De acordo com a Secretaria de Segurança, o projeto Picasso não Pichava, do qual Carlos participou, tem como objetivo prevenir a violência, a vulnerabilidade social e criminal em várias regiões do Distrito Federal. Atualmente, cerca de 480 jovens participam, por mês, de oficinas de serigrafia, desenho, pintura e grafite, DJ, audiovisual e capoeira. Os núcleos ficam em Ceilândia, Cruzeiro, Estrutural, Itapoã, Samambaia e Planaltina.

Começava ali uma trajetória entre um presídio e outro durante um quarto de sua vida. O que ele não sabia era que, entre celas e corredores vazios, surgiria uma oportunidade que o faria refletir melhor sobre a vida e ajudaria milhares de jovens, que não fazem ideia de como é o cotidiano no sistema carcerário, a não caminhar para o mesmo destino que ele. Carlos começou a escrever tudo o que via dentro da cadeia e repassava os manuscritos para a mãe guardar nos dias em que ela o visitava.

Projeto precisa de apoio

Agora, depois de voltar a ser livre, Carlos quer trilhar novos rumos por meio de seu projeto literário. O livro No Mundo da Lua, atrás das grades está pronto para ser publicado, mas precisa de verba para que isso aconteça.

O autor pretende tentar financiamento por meio do Fundo de Apoio à Cultura (FAC) e ajudar centenas de jovens e adolescentes com a obra, que, segundo ele, será um alerta para todos.

A autobiografia foi escrita com base no vocabulário do dialeto prisional. Entre as expressões mencionadas estão potoca (aparelho de rádio); transporte (copo/vasilha); choronas (cartas); rerê (biscoito recheado) ou cavalo de pica-pau (o cidadão que fica com a mulher do preso na rua).

Educação é direito de todos

Na avaliação do professor Fábio Sá e Silva, pesquisador do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), o preso e a sociedade precisam estabelecer canais de comunicação efetivos. Segundo ele, o detento pode aprender coisas e estabelecer contato com a realidade, ampliando, assim, suas expectativas com relação ao mundo lá fora.

“A educação é, em suma, um direito de todos, inclusive dos presidiários. Eles precisam estar preparados para a sociedade desde o instante em que são apreendidos até o momento em que saem em liberdade” observa o especialista.

    Você também pode gostar

    Assine nossa newsletter e
    mantenha-se bem informado