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Brasília

Estoque de aparelhos de marca-passo está zerado no DF

Arquivo Geral

24/11/2017 7h00

Ronaldo se desespera ao pensar na situação do pai, de 80 anos, internado à espera do marca-passo. Foto: Breno Esaki

Jéssica Antunes
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Depois de uma vida inteira na roça, o coração de Erasmo Pereira da Silva, 80 anos, começou a falhar. Há quase uma década, ele saiu de Palmital de Minas, a mais de cem quilômetros de distância do Distrito Federal, para inserir definitivamente um marca-passo. Agora, teve de voltar para a troca do aparelho. Com duas mudas de roupa e previsão de retorno em dois dias, o homem chegou ao Hospital de Base no dia 15 de novembro e até hoje não saiu. Não há aparelhos disponíveis na rede.

Ao Jornal de Brasília, um cardiologista relatou a situação crítica vivida pelos pacientes no Hospital de Base: “Se precisar, hoje não tem e o paciente vai morrer”. Ali, onde são feitas cerca de 500 cirurgias anuais para colocação de marca- passos definitivos, são recebidos pacientes da capital, da Região Metropolitana e de cidades da região Nordeste do País.

“O estoque vem acabando e nós informamos à Secretaria de Saúde. Desde a semana passada, o desabastecimento afeta o funcionamento”, afirma o servidor público, que teve a identidade preservada. De acordo com o médico, o aparelho é colocado em pacientes com frequência cardíaca baixa e risco de morte súbita.

Geradores

Também não há aparelhos provisórios, usados em casos de emergência. A alternativa paliativa seriam os geradores cardíacos. No Base, são sete: um está quebrado, cinco implantados em pacientes e outro está sendo usado por uma pessoa que foi levada ao Instituto de Cardiologia do DF (ICDF) para cirurgia. Segundo a Saúde, a retirada durante a transferência representa risco de morte.

“Vergonha” em pleno DF

“O médico diz que a solução é esperar porque não tem material”, conta o filho de Erasmo, paciente do início da reportagem. “Um senhor fraco, de 80 anos, debilitado, colocado em uma cama de um dos principais hospitais da capital do Brasil por dias e sem previsão, enquanto aguarda um procedimento simples de 20 minutos, é uma vergonha”, reclama Ronaldo Pereira, 37 anos. Ele teme retaliação no hospital por expor as dificuldades.

Ponto de vista

Médico cardiologista e diretor de pesquisas Sociedade Brasileira de Cardiologia do DF, Fausto Stauffer explica que a função básica do marca-passo é dar estímulo elétrico para o coração contrair e injetar sangue ao restante do corpo quando há falha no organismo do paciente. “Quando a pessoa está com o coração falhando, não deve demorar muito para colocar o marca-passo. Se o sistema de condução ou estímulo elétrico estiver falhando, isso pode levar o paciente a ter perda de consciência e, em casos mais graves, levar a óbito”, explica.

Com medo de perder o pai, o homem procurou a Defensoria Pública e conseguiu um prazo de 48 horas para que o procedimento fosse feito, o que vence nesta manhã. “Não acho justo ter que ir à Justiça por um acesso à saúde que deveria ser direito”, aponta. De janeiro a setembro, o Núcleo da Saúde da Defensoria do DF prestou 20.979 atendimentos e 2.022 resultaram em ações judiciais. Cirurgias foram motivo para 3.674 buscas, que renderam 257 apelos ao Judiciário.

Além de Erasmo, outras sete pessoas estavam internadas ontem com indicação de colocar marca- passo definitivo. A aposentada Valdeci Carneiro, 60 anos, chora ao falar da situação do marido, que, há quase dez dias, espera em uma maca. “Ele tem arritmia, pressão alta e coração fraco. O marca-passo venceu dia 18. Temos 45 anos de casados, não quero perder ele e o médico disse que pode morrer”, lamenta. João Carneiro, de 67 anos, aposentou-se por conta da doença.

Segundo a Saúde, os dois têm quadro clínico estável e já estão inseridos na Central de Regulação para encaminhamento ao hospital conveniado. “A realização do procedimento depende da disponibilidade de leitos”, avisa.

Ministério Público apura falha

  • Há um procedimento recente no Ministério Público do Distrito Federal e Territórios (MPDFT) sobre essa falha no fornecimento dos aparelhos de marca-passo cardíaco, que será investigado para que sejam tomadas as medidas cabíveis. O órgão, porém, não deu detalhes do caso.
  • Nos primeiros nove meses do ano, 391 procedimentos para implantação de marca-passo definitivo e 26 de marca-passo temporário foram realizados no Hospital de Base.
  • O aparelho observa e corrige defeitos do ritmo cardíaco com estímulos elétricos. O procedimento cirúrgico é simples, dura em média uma hora e o paciente pode receber alta no mesmo dia. Segundo o Instituto Brasileiro de Cardiologia, cerca de 350 mil pessoas têm marca-passo no Brasil.

Versão oficial

Segundo a Secretaria de Saúde, o processo de compra de marca-passos está fase final: o pregão já foi homologado e os fornecedores estão sendo convocados para assinatura do contrato. “Os fornecedores estão cientes da necessidade de entrega urgente do material, logo após o empenho”, avisa a pasta, em nota. No processo, estão previstas mais de 1,5 mil unidades de três modelos (800 de Bicameral, 600 de Eletrodo Endocárdico e 120 de Câmera Única), com preços que variam de R$ 198 a R$ 2.281.

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