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Brasília

Dia dos Pais: quando a paternidade ultrapassa o laço sanguíneo

Arquivo Geral

12/08/2018 8h00

João Stangherlin/Jornal de Brasília

Raphaella Sconetto
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“Gerador; genitor; protetor; benfeitor”. Está nas páginas dos dicionários: pai não precisa, necessariamente, ser biológico. O conceito é flexível, porque a figura paterna não depende de sangue. Se for para ter vínculo, que seja de amor. Neste Dia dos Pais, o Jornal de Brasília reuniu histórias de homens que mostram diariamente que pai é quem cria, dá carinho, colo e amparo.

Aos quatro anos, Arthur Sahadi Mendes da Rocha, 8 anos, conhecia o homem que veio a se tornar sua referência paterna. O pequeno – ainda sem ter a consciência plena do que se trata a paternidade e com a ingenuidade incrível de uma criança – cresceu livre de rótulos sociais. Bru, como ele chama o arquiteto Bruno Lins Amaral, 32, acolheu o enteado e ainda lhe deu a oportunidade de ter um irmão, já que o homem também tinha um outro filho de 8 anos na época.

“Não tento substituir o pai biológico, porque é insubstituível, mas tento trazer alguma referência. Não sou tio, mas também não sou pai. O ‘Bru’ é um nome que só ele me chama e é uma relação muito nossa, muito particular”, desabafa o arquiteto.

Para Bruno, a relação com Arthur aconteceu de maneira natural. “As pessoas têm dessa: ou é pai ou não é. Existem outros tipos de paternidade. Não temos a necessidade do rótulo. A aceitação tem que vir mais da criança do que da gente. Ele foi me mostrando os limites e fui entrando conforme foi me dando espaço”, afirma.

João Stangherlin/Jornal de Brasília

A acolhida também lhe trouxe momentos confusos. “Nos primeiros Dias dos Pais, ia todo mundo na homenagem da escola: a mãe, o avô, a avó e eu. E ficava aquele climão: ninguém sabia o que fazer ou quem receberia a homenagem”, relembra.

No entanto, ele considera que 2018 foi o marco na comemoração. “É um processo. Não aconteceu do dia para noite e não foi algo que eu cheguei me impondo, falando ‘a partir de agora sou eu’. Nesse ano, pela primeira vez, fui sozinho à escola. Fechamos um ciclo. Entendemos, juntos, que a partir de agora serei eu”, comemora Bruno, com um sorriso no rosto.

Tímido, Arthur pouco quis falar. O menino resumiu Bruno como “engraçado e legal”. O fato de não chamar de pai, não diminui o sentimento. Arthur mostrou com as mãos o tanto que gosta do arquiteto. “Desse tamanho”, disse, abrindo os braços.

Bruno e Arthur. A relação ultrapassa rótulos sociais. João Stangherlin/Jornal de Brasília

Tratamento natural

O vendedor Euler Oliveira, 48 anos, conheceu a esposa, Maria Luiza, há vinte anos por meio de amigos da igreja. Na época, a estudante Ana Luiza Vinhote, 23, tinha dois anos. “Na primeira vez que vi a Maria Luiza já conheci a filha dela. Nos demos bem desde o início”, lembra. O relacionamento dos dois foi amadurecendo e não demorou para que Euler assumisse o namoro com a esposa.

Assim, Euler acompanhou todo o desenvolvimento da criança: a entrada na escola, viu a estudante aprender a ler e escrever, e a formação de sua personalidade. “Meu sonho era ter uma família, por isso nunca achei que a filha dela atrapalharia o nosso relacionamento”, afirma.

Quatro anos depois de casados, Euler e Maria Luiza tiveram um filho. “Para mim, nunca houve diferença entre os dois. Lutamos sempre para que eles tivessem a mesma criação e tudo que um tinha o outro também tinha. Não há diferença. São meus dois filhos”, garante o vendedor.  

Euler, Ana Luiza e Maria Luiza. Arquivo Pessoal

Preconceito

A estudante garante não sentir falta de uma figura paterna. No entanto, se dentro de casa encontrava colo e carinho, de fora, por vezes, teve que enfrentar comentários maldosos. “Quando eu era criança ficava chateada quando contava para alguém que eu conheci o meu pai aos dois anos de idade. Automaticamente, os meus colegas diziam que ele era o meu padrasto, mas para mim ele sempre foi meu pai”, indica.

“Nunca senti falta de uma figura paterna, pois sempre tive isso em casa. Só tenho a agradecer a ele por todo amor e carinho. Tenho muito orgulho de ter alguém como ele ao meu lado e podê-lo chamar de pai”, completa Ana Luiza.

Qualidade é melhor que quantidade

Crescer longe do pai biológico não acarreta prejuízos. Os danos acontecem quando as lacunas da figura paterna são abertas, deixando crescer o sentimento de abandono. “As perguntas que essas crianças fazem são, praticamente: ‘o que eu fiz que desagradou meu pai para eu ter sido abandonado?’, ‘o que eu fiz para ele não gostar de mim?’. Estas indagações resultam em problemas de autoestima e autoconfiança, sempre buscando a culpa em si, na mãe ou em até mesmo em terceiros”, explica a psicóloga Lia Clerot, ao Jornal de Brasília.

“É importante destacar que a qualidade da relação é sempre melhor que a quantidade. Existem casos que o pai precisa morar em uma cidade ou país diferente de seu filho, viaja muito a trabalho, mas é alguém que consegue ainda sim participar da vida dele de forma ativa e interessada, enquanto outros moram na mesma casa, mas não se lembram da última conversa que tiveram”, completa.

Por isso, a psicóloga que o sentimento deve se sobressair, independente de quem esteja dando o amparo. “Uma criança amada, seja com o espaço do pai ausente preenchido com mais amor da mãe, ou com outra figura que faz as vezes de pai, assumindo pra si este papel e esta responsabilidade, sentirá menos esse sentimento de vazio e poderá compreender melhor que o problema não está nela, mas no outro”, finaliza Lia.

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