Jéssica Antunes
[email protected]
Há quase um ano com licitação empacada, as calçadas deterioradas do Distrito Federal são retrato dos processos mal feitos e burocráticos para obras. Modalidade licitatória inconsistente, necessidade de demolição de mais da metade dos passeios e ausência de projeto básico influenciaram na decisão do Tribunal de Contas de interromper o certame da Novacap, que lançou um edital de R$ 54 milhões para manutenção das travessias na capital.
“Vivenciamos um estado de abandono, uma situação deplorável para os pedestres de Brasília. Além da falta de acessibilidade, há lixo e buracos ocupando as calçadas – quando elas existem – e áreas transformadas em estacionamento. O poder público é omisso na manutenção, construção e fiscalização das calçadas”, afirma Uirá Lourenço, especialista em mobilidade urbana e colaborador do Brasília Para Pessoas.
Junto com Sindicato Nacional das Empresas de Arquitetura e Engenharia (Sinaenco), ele identificou mais de 300 calçadas em más condições apenas na área central da capital. “Brasília mudou. O conceito inicial da cidade foi superado pela vida de hoje e se transformou. É preciso fazer um reordenamento urbano”, afirmou Eduardo Stahlhoefer, diretor do sindicato.
“Não temos calçadas”
Os pedestres se arriscam pela possibilidade de acidentes com buracos, desníveis, pedras soltas e fendas ou pela necessidade de dividir a pista com carros pela inexistência ou ocupação irregular dos passeios. “Nós não temos calçadas. Temos que andar pelo meio da rua, falta ser atropelado pelos carros, que sequer reduzem a velocidade”, reclama Clênio Folha, pintor de 45 anos. Para ele, falta investimento.
“Calçada, em tudo quanto é lugar de Brasília, é uma porcaria. Se para nós é difícil, imagina para um cadeirante, um deficiente visual ou alguém com carrinho de bebê?”, questiona o autônomo Luiz Antônio, de 55 anos. Ele também costuma dividir espaço com os veículos nas pistas, já que prefere não se arriscar nos desníveis e buracos dos passeios destinados ao pedestre.
Nem o próprio governo dá exemplo ao erguer obras sem o devido espaço para a travessia de quem está a pé. Em Vicente Pires, por exemplo, o recente muro da 38ª Delegacia de Polícia ocupou cada centímetro até o limite da passagem dos carros.
Respeito está em falta
Quando não é a própria concepção da construção que desrespeita o pedestre, os motoristas cumprem esse papel. Em Vicente Pires, as calçadas fazem as vezes de estacionamento em frente à 38ª Delegacia de Polícia.
“É sempre assim. Os carros não têm lugar para ficar e ocupam o espaço que não devem. Nós temos que passar no meio da rua, dividindo a faixa de rolamento com carros, motos, caminhões e até ônibus. É muito perigoso”, considera o cozinheiro Edilberto Ferreira, de 60 anos.
A administração regional diz que Vicente Pires é uma região “atípica”. “Não temos parâmetro urbanístico definido de o que é ou não é uma calçada, uma vez que a cidade ainda está em processo de regularização que coloca toda a cidade em obras”, justifica Elizabete Borges, coordenadora de Licenciamento, Obras e Manutenção. De acordo com ela, nenhuma reclamação foi registrada, apesar dos flagrantes feitos e queixas ouvidas pela reportagem.
A respeito da ausência de calçada onde um muro foi erguido na lateral DP, a administração se eximiu da responsabilidade, assim como a Secretaria de Obras. A reportagem não conseguiu resposta da PCDF a tempo do expediente de sua assessoria, encerrado às 19h, mas aguarda o posicionamento da corporação.
A população pode informar sobre a incidência e a localização dos buracos nas vias para as administrações regionais ou no Disque Novacap, pelo telefone 3403-2626.
Problemas encorajam o projeto
Em maio do ano passado, a Novacap lançou um pregão para contratar empresa de engenharia para a manutenção de calçadas. Mas o Núcleo de Fiscalização de Obras do TCDF encontrou falhas formais e relacionadas à planilha orçamentária, que mostram que a modalidade da licitação deveria ser por concorrência – quando a capacidade técnica da empresa é considerada antes do menor preço.
Isso porque a finalidade não é de serviços comuns, mas característicos de obras de engenharia. “Essa complexidade é a exigência de anotação de responsabilidade técnica, registro no Conselho Regional de Engenharia, disponibilidade de equipamentos e condicionantes de habilitação”, explica o órgão.
“Irreversível”
Além disso, a própria Novacap estimou no edital que o serviço de demolição abrangeria 50% das calçadas. Para o corpo técnico do TCDF, o “alto percentual indica que as calçadas já ultrapassaram de forma significativa o estágio do ciclo de vida útil correspondente, apresentando, possivelmente, anomalias irreversíveis”. Assim, não seria cabível o uso do termo “manutenção”. Também foi constatado que não havia projeto básico ou orçamento detalhado em planilhas dos custos unitários dos serviços.
A Novacap levou quatro meses para fazer as correções – o triplo do prazo. As justificativas, dadas no mês passado, foram levadas ao Ministério Público. O Tribunal estima que a correção proporcionará economia de até R$ 5,5 milhões.
Versão oficial
Quando não é a própria concepção da construção que desrespeita o pedestre, os motoristas cumprem esse papel. Em Vicente Pires, as calçadas fazem as vezes de estacionamento em frente à 38ª Delegacia de Polícia.
“É sempre assim. Os carros não têm lugar para ficar e ocupam o espaço que não devem. Nós temos que passar no meio da rua, dividindo a faixa de rolamento com carros, motos, caminhões e até ônibus. É muito perigoso”, considera o cozinheiro Edilberto Ferreira, de 60 anos.
A administração regional diz que Vicente Pires é uma região “atípica”. “Não temos parâmetro urbanístico definido de o que é ou não é uma calçada, uma vez que a cidade ainda está em processo de regularização que coloca toda a cidade em obras”, justifica Elizabete Borges, coordenadora de Licenciamento, Obras e Manutenção. De acordo com ela, nenhuma reclamação foi registrada, apesar dos flagrantes feitos e queixas ouvidas pela reportagem.
A respeito da ausência de calçada onde um muro foi erguido na lateral DP, a administração se eximiu da responsabilidade, assim como a Secretaria de Obras. A reportagem não conseguiu resposta da PCDF a tempo do expediente de sua assessoria, encerrado às 19h, mas aguarda o posicionamento da corporação.
A população pode informar sobre a incidência e a localização dos buracos nas vias para as administrações regionais ou no Disque Novacap, pelo telefone 3403-2626.
Saiba mais
O TCDF apura outro processo da Novacap que teria irregularidades. Desta vez, o edital de um pregão que trata de registro de preço para contratação de empresa de engenharia para execução de calçadas no Riacho Fundo II pode ter restringido a competitividade.
Também em março, o tribunal determinou que a Novacap não oficializasse o pregão. Esclarecimentos foram prestados no fim do mês e as justificativas são analisadas pelo corpo técnico.