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Brasília

Defesa de bombeiro que furtou viatura alega estresse, enquanto testemunha aponta sinais de embriaguez

Arquivo Geral

05/12/2017 7h00

Foto: Divulgação/PMDF

Jéssica Antunes
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A saúde mental das forças de segurança pública é tabu. Diariamente em situações de estresse, acidentes, crimes e tragédias, policiais e bombeiros podem desenvolver distúrbios psicológicos. No fim de semana, um militar em suposto surto furtou uma viatura e foi perseguido em alta velocidade até a Esplanada dos Ministérios. Para entidades que representam os servidores, foi o ápice de um problema cotidiano de falta de cuidados. Dados de atendimentos e afastamentos relacionados à questão são inacessíveis.

A defesa do segundo sargento Fabrício Marcos de Araújo, de 44 anos, fala de gatilho em possíveis transtornos desencadeados por fatos recentes. Preso, o homem diz que não se lembra do ocorrido e espera receber tratamento. Ele é acompanhado por uma equipe multidisciplinar composta por médicos, psicólogos e religiosos, que também prestará apoio aos familiares.

“O sargento Fabrício recentemente perdeu um ‘irmão de farda’ em razão de suicídio. Igualmente sentiu-se impotente ao não conseguir salvar a vida da mãe de um colega de trabalho no último plantão anterior aos fatos. Algum desses episódios desencadeou o ocorrido? Não se pode assim afirmar, mas certamente, dentre a soma de todos os fatores estressantes, será possível encontrar o gatilho que retirou a consciência do militar”, informou o advogado Rodrigo Veiga de Oliveira, em nota enviada à imprensa.

Testemunhas foram ouvidas após a prisão. De acordo com a ocorrência, uma delas afirmou que o bombeiro tinha “forte odor etílico” e que disse ter “intenção de explodir a viatura no prédio do Congresso Nacional” em um áudio enviado a um grupo dos militares do batalhão.

“O militar se mostrava muito indignado com a situação do País em geral e bastante perturbado emocionalmente. O militar não se encontrava em suas plenas faculdades mentais, mas com o decorrer do tempo demonstrou que aparentemente estava ciente de suas atitudes”, relatou.

O servidor percorreu quase 30 quilômetros com o veículo furtado em alta velocidade. Durante a perseguição, que contou com mais de 15 viaturas da PMDF, ele negou que tinha a intenção de atropelar, machucar ou matar alguém e afirmou que pararia nas proximidades do Congresso Nacional. O ímpeto foi cessado por tiros nos pneus, que fizeram o sargento perder o controle do veículo.

O suspeito está preso por tempo indeterminado no 19º Batalhão da Polícia Militar, no Complexo Penitenciário da Papuda. Segundo a PMDF, o homem foi levado para lá em virtude de o CBMDF não ter instalações destinadas para a detenção de bombeiros militares, além do fato de o sargento não possuir a prerrogativa legal chamada de “Sala de Estado Maior”.

Saúde mental

  • O Corpo de Bombeiros diz que tem uma Policlínica completa e contratos com convênios médicos “para cuidar da saúde de nossos militares”. No âmbito da saúde mental, o Centro de Assistência Bombeiro Militar (CABM) presta atendimento amplo. A corporação não esclareceu, porém, quantos atendimentos foram feitos em ambas as unidades neste ano ou o número de atestados médicos e afastamentos provocados por distúrbios psicológicos ou psiquiátricos.
  • Aos policiais militares, há atendimento psicossocial no Centro de Assistência Social (Caso), que os recebe em situações emergenciais, encaminhados pelo comandante ou por iniciativa própria. O objetivo, segundo a corporação, é “a recuperação da saúde plena do policial”. A Polícia Civil não esclareceu, até o fechamento desta matéria, quais cuidados têm com os agentes.

Equilíbrio emocional

Estudos indicam que profissionais que lidam com situações de emergência podem estar mais expostos ao comprometimento físico e emocional por entrarem em contato com eventos traumáticos. Entre as consequências podem estar dificuldades de concentração, irritabilidade, perturbações de estresse pós-traumático, ansiedade, depressão e síndromes.

Segundo o psiquiatra Rodrigo Nicolato, agentes de segurança pública vivem sob forte pressão. “Eles têm que decidir rapidamente situações de risco que podem ter repercussões graves, e que depois são avaliadas de forma calma sem considerar o contexto da decisão”, explica.

Para o médico, as profissões são de muita importância e aqueles que passam em concurso podem se julgar mais resilientes.

No entanto, em algum momento, os servidores podem sofrer com quadros psiquiátricos agudos por predisposição genética ou influência do meio ambiente, seja por problemas familiares, no trabalho ou até casos de esgotamento profissional. Conforme o especialista, há preocupação de que sempre estejam bem.

“O que se espera é que haja psicólogos e psiquiatras disponíveis para acompanhar em casos diversos. Infelizmente, mesmo com o cuidado, pacientes em casos agudos podem não ter o anúncio, nem pessoal, de quão grave está a situação. É raro, mas pode ser súbito”, afirma Rodrigo Nicolato.

Entidades criticam falta de cuidado

Apesar de ninguém fornecer dados oficiais sobre atendimentos, afastamentos e cuidados com os profissionais, a Associação dos Praças Policiais e bombeiros Militares do Distrito Federal (Aspra) declara haver “inúmeros problemas psiquiátricos inerentes à profissão”.

A entidade especula existir uma tentativa das corporações de esconder o adoecimento das forças de segurança.

“Terrorismo é o que estão fazendo com a saúde física e mental dos operadores de Segurança Pública”, desabafou o presidente do Sindicato dos Policiais Civis (Sinpol), Rodrigo Franco.

A fala tem relação com a hipótese levantada pela própria Polícia Militar de que o bombeiro seria “terrorista muçulmano”. Segundo o titular da entidade, não há programa de atenção à saúde física e mental dos servidores.

Na Polícia Civil, o suporte é “muito tímido e só acontece quando o policial está no limite”, diz Franco.

“Hoje temos um quadro de muitos policiais com ansiedade, com depressão e com sobrecarga de trabalho, o que afeta diretamente na produtividade. Como consequência, há o afastamento do trabalho por adoecimento, o acúmulo de mais serviço e atraso nas investigações e nas prisões”, afirma.

Segundo a Secretaria da Segurança Pública e da Paz Social, as circunstâncias que levaram à situação serão esclarecidas oficialmente com a conclusão do inquérito.

A cargo da Corregedoria do Corpo de Bombeiros Militar do Distrito Federal, o prazo para conclusão é de 20 dias, que pode ser prorrogado. O laudo pericial da PCDF deve ser anexado.

Em interrogatório, o sargento se manteve em silêncio, mas relatou que já havia buscado atendimento psicológico.

Saiba mais

  • O Anuário Brasileiro de Segurança Pública apontou, em 2015, que mais de cem mil policiais civis, militares, rodoviários, federais, bombeiros e guardas municipais já foram diagnosticados com algum tipo de distúrbio psicológico no País.
  • A Subsecretaria de Segurança e Saúde no Trabalho (SubSaúde) da Secretaria de Planejamento, Orçamento e Gestão (Seplag) não é responsável pela homologação das licenças médicas de servidores militares das carreiras da Polícia Civil, Militar e Corpo de Bombeiros.
  • As informações foram solicitadas às corporações, mas a reportagem não obteve resposta até o fechamento da matéria. A SSP disse que não tem controle, já que são instituições independentes.

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