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Brasília

De sondas a fitas para aferir glicemia, insumos estão zerados na rede pública

Arquivo Geral

23/10/2018 7h00

Foto: Myke Sena/Jornal de Brasília.

Jéssica Antunes
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Ao menos 11 insumos básicos minguaram das prateleiras da rede pública de saúde do Distrito Federal apenas em outubro. Itens como algodão, curativo, álcool gel, agulha, sonda e fitas de medição de glicemia ficaram completamente indisponíveis para o atendimento a pacientes da capital. Com ata válida e longe de vencer, alguns até foram empenhados com antecedência, mas não chegaram a tempo de evitar o esvaziamento total.

Somente na semana passada, entre 15 e 19 de outubro, seis esgotamentos foram registrados. O pedido de Sistema Fechado de Aspiração Traqueal, feito em julho, um ano antes do vencimento da ata de aquisição, foi em vão. Na segunda, já não havia o material em estoque, usado em procedimentos de traqueostomia infantil. Naquele dia, também extinguiram as sondas de nutrição pediátrica.

Agulha anestésica, rolo de algodão e até fita com área reagente para verificação de glicemia capilar acabaram. Este último é essencial para o acompanhamento e tratamento de pacientes com diabetes. Ele é usado para fazer exame sanguíneo e oferece resultado imediato da concentração de glicose. A fita recebe gotas de sangue extraídas após uma agulhada no dedo.

“A pior coisa não é o tratamento, é a falta de insumos que são muito importantes. Sem a medição de glicemia fica impossível saber a quantidade de insulina que deve ser aplicada”, desabafa a servidora pública Laura Vidigal, 53 anos. O estoque da fita zerou em 19 de outubro, conforme declaração de nada consta da farmácia central obtida pelo Jornal de Brasília.

Para garantir a saúde da filha Beatriz, 14 anos, ela já teve de tirar dinheiro do próprio bolso. Atualmente, ela usa fitas doadas. Em média, um diabético usa 150 fitas ao mês – caixas, com 50 unidades, chegam a custar R$ 150 em farmácias populares. “Está faltando na rede pública de novo e, pelo que estou vendo, isso vai durar muito tempo. Não tem em Sobradinho, Taguatinga, Vicente Pires, Plano Piloto””, afirma.

“Não fornecem o necessário”, diz paciente

“É cada dia mais difícil. O governo fala que vai ter, faz compra emergencial para um período e abastece algumas pessoas, mas não todas. A base para o diabético ter um controle glicêmico bom é o controle. Os médicos cobram um bom monitoramento, mas não fornecem o necessário para cumprir o protocolo e conseguir a medicação”, desabafa Eliane Nascimento, 27 anos.

A educadora física convive com a diabetes desde os três anos de vida e faz controle cinco vezes por dia. Ela precisa de três caixas por mês. “A gente fica tentando trocar nos grupos de pacientes, ajudar um ao outro pra não ficar sem tratamento porque as consequências vêm silenciosas. O governo não fornece o que é a base, o mínimo, o essencial. É má gestão”, acusa.

Segundo a Secretaria de Saúde, a última Ata de Registro de Preço para adquirir fita com reagente para verificação de glicemia capilar era válida até 11 de setembro de 2017. Por esse meio, a rede foi abastecida até abril de 2018. Depois disso, só houve aquisição do material de emergencial e recebido em 19 de junho.

Então, produto foi despadronizado e substituído por outros dois. Um, de uso domiciliar, está com estoque regular, segundo a pasta, contradizendo os relatos dos pacientes que dependem e sofrem em busca do material de unidade em unidade na capital. Outro, de uso hospitalar, foi inserido em novos processos, regular e emergencial, de aquisição.

Eliana Nascimento de 27 anos convive há 23 com a diabetes. ela precisa fazer o controle Glicêmico cinco vezes por dia e precisas de três caixas de fita por mês, mas o insumo está em falta. Foto: Myke Sena/Jornal de Brasília.

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Esvaziamento

Em 8 de outubro, a declaração de nada consta de protetor ocular neonatal para fototerapia foi realizada. Àquela altura, fazia quase três meses da data do empenho efetuado para garantir o retorno ao estoque.

No dia seguinte, tornou-se um problema um curativo de alginato de cálcio, usado para feridas com sangramento. O pedido de compra também havia sido feito em julho.

No dia 11, um tipo de cateter usado para monitorar o paciente acabou na Farmácia Central, sendo que o pedido de empenho foi entregue fornecedor em agosto.

Até mesmo o álcool gel, usado para limpeza de mãos, esteve em falta. São usados, em média, 120 frascos mensais por unidade de saúde.
Confira a situação de cada um dos itens abaixo.

Ponto de vista 

“O grande problema é que em quatro anos o governo nunca fez questão de providenciar atendimento à população e sofre quem está na ponta”, diz Marli Rodrigues, presidente do Sindicato dos Empregados em Estabelecimentos de Saúde (SindSaúde). Ela alerta que os insumos básicos jamais podem faltar. “É preciso garantir o atendimento contínuo e a política de Estado trabalha com dotação específica de orçamento. Tem que executar. Não há explicação”, afirma.

Versão oficial

Subsecretário de Logística da Secretaria de Saúde, Emmanuel Carneiro explica que pedidos de insumos são feitos quando ainda há estoque suficiente para, em média, três meses e meio. Os contratos de licitações, tipo Ata de Registro de Preço, são fechados para fornecimento de produto por um ano no mesmo preço e as demandas são feitas a partir de acompanhamento de estoque.

“Acontecem fatores externos que, apesar da antecedência, podem levar ao desabastecimento. É comum ter atraso de entrega ou até ausência de entrega”, diz. Quando isso acontece, as empresas sofrem sanções que vão de multa até o banimento dos certames. De acordo com o gestor, a demora ou inexistência são recorrentes.



ITEM POR ITEM

» PROTETOR OCULAR NEONATAL PARA FOTOTERAPIA (TAMANHO M)
Estoque zerado em 8 de outubro
Entrega não realizada.
A secretaria abriu novo processo de aquisição e, no momento, aguarda o recebimento.

» CURATIVO HIDROCOLÓIDE
Estoque zerado em 9 de outubro
Entrega não realizada em dois empenhos consecutivos.
Inserido em novo processo, regular, de aquisição.

» CATETER INTRAVENOSO PERIFÉRICO (18G, COM DISPOSITIVO DE SEGURANÇA, ESTÉRIL)
Estoque zerado em 11 de outubro
Entrega atrasada.
O empenho entregue ao fornecedor no dia 2 de agosto com prazo de entrega de 30 dias.

» ÁLCOOL GEL 70% (FRASCO 400G A 500G VÁLVULA “PUMP”)
Estoque zerado em 11 de outubro
Fracassado em quatro processos licitatórios consecutivos.
Inserido em novos processos, regular e emergencial, de aquisição.

» SISTEMA FECHADO DE ASPIRAÇÃO TRAQUEAL VIA TUBO OROTRAQUEAL (VIA TUBO OROTRAQUEAL)
Estoque zerado em 15 de outubro
Entrega não realizada.
A secretaria abriu novo processo de aquisição e, no momento, aguarda o recebimento.

» SONDA PARA NUTRIÇÃO PEDIÁTRICA (Nº 8)
Estoque zerado em 15 de outubro
Fracassado em Pregão Eletrônico, mas aceito e habilitado em outro.
Aguardando publicação de Ata de Registro de Preço.

» OCITOCINA SOLUÇÃO INJETÁVEL (5 UI AMPOLA 1 ML)
Estoque zerado em 16 de outubro
Entrega não realizada.
A secretaria abriu novo processo de aquisição e, no momento, aguarda o recebimento.

» ALGODÃO HIDRÓFILO
Estoque zerado em 17 de outubro
Entrega não realizada.
A secretaria abriu novo processo de aquisição e, no momento, aguarda o recebimento.

» AGULHA ANESTÉSICA (PONTA QUINCKE 20 G)
Estoque zerado em 16 de outubro
Fracassado no Pregão Eletrônico 39/2018.
Inserido em novos processos, regular e emergencial, de aquisição.

» CATETER ADULTO (DUPLO LUMEN DE ACESSO VENOSO CENTRAL)
Estoque zerado em 16 de outubro
Material substituído por outro item fracassado em pregão eletrônico.
Inserido em novo processo de aquisição, empenhado na semana passada.

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