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Brasília

Controladoria-Geral do DF acusa pagamentos irregulares para servidores públicos

Arquivo Geral

09/02/2017 7h00

“Nós estamos chegando ao ponto da inviabilidade. A meu ver, é necessária uma avaliação profunda disso. Sem paixões. São escolhas que temos que fazer”, Henrique Ziller, controlador-geral do DF. Foto: Myke Sena

Francisco Dutra
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Relatórios da Controladoria-geral do Distrito Federal apontam o pagamento irregular de R$ 231 milhões para servidores públicos, entre 2015 e 2016. Tendo a participação do Tribunal de Contas do DF, pela primeira vez, o governo faz a auditoria global da folha de pagamento, ao invés de investigações setorizados em secretarias e demais órgãos do Executivo. Segundo auditores, a questão envolve o desembolso dos cofres públicos para gratificações, incorporações e benefícios inconsistentes judicialmente, amparados até agora por interpretações enviesadas da legislação.

Com grande parte do orçamento comprometida com a folha de pagamento, o governo alega escassez de recursos para investimentos, além do descumprimento do limite prudencial da Lei de Responsabilidade Fiscal. De acordo com o controlador-geral do DF, Henrique Ziller, a questão é complexa e deve ser analisada sem paixões, por todas as partes envolvidas.

“Os servidores conseguiram uma série de interpretações benéficas da lei para eles, em todo país. Estas interpretações proporcionaram que eles acumulassem benefícios. A luta deles é legitima. Mas passa por interpretações que, muitas vezes, ofendem os limites da razoabilidade. O resultado inevitável é o inchaço da folha de pagamento. Possivelmente, não era essa a intenção dos legisladores”, pondera Ziller.

O relatório questiona a gratificação por titulação dentro da Secretaria de Saúde. O servidor recebe o adicional de 8% por cursos de curta duração, 15% por especialização, 20% por mestrado e 30% por doutorado. Conforme o raciocínio da Controladoria, o benefício deveria ser pontual para cada título. Mas, os servidores conseguiram o entendimento jurídico favorável ao acumulo. Desta forma, mais de 75% da folha da paste bateu o teto dos 30%, mesmo que grande parte não tenha sequer o título de doutor.

A auditoria também colocou em xeque a incorporação do adicional de insalubridade dos agentes do Departamento de Trânsito (Detran). Para a controladoria, as condições de trabalho da categoria não respaldam o benefício. Outro destaque é a incorporação da comissão dos membros do Corpo de Bombeiros com passagem na Casa Militar no momento da reserva. Os oficiais incorporaram 100% do benefício. Os auditores alegam que incorporação deveria ser de 80%, a exemplo do que ocorre com policiais militares na mesma situação.

É tudo legal, asseguram os sindicalistas

Servidores defendem a legalidade dos benefícios. Pela perspectiva das categorias, o governo deseja apenas reduzir despesas. Neste sentido, sindicatos prometem travar embates na Justiça para a continuidade dos pagamentos.

“Querem mudar as regras do jogo aos 45 minutos do 2º tempo. Suspenderam a gratificação e querem mudar a fórmula. O que vai acontecer com quem já aposentou?”, critica a presidente do Sindicato dos Servidores da Saúde, Marli Rodrigues.

Para o presidente do Sindicato dos Servidores do Detran, Fábio Medeiros, o GDF quer cortar gastos sem explicações. “Nós temos um laudo pericial validando o adicional até 2023, validado pela justiça trabalhista. Somos expostos a Poluição, barulho e Operação Fumaça. O governo não tem um laudo refutando”, declara.

“Fazer economia com o salário do servidor é crueldade”, protesta o presidente da Associação do Corpo de Bombeiros, coronel Sérgio Aboud. O oficial garante que a incorporação da comissão da Casa Militar para os oficiais da reserva está em conformidade com o Tribunal de Contas.

O que diz o GDF

A Controladoria trabalha em parceria com a Procuradoria Geral DF na análise da auditoria. A Secretaria de Planejamento processa as folhas no Sistema Único de Gestão de Recursos Humanos (Sigrh). Instalado em 1993, o instrumento está desatualizado. De acordo com a pasta, a responsabilidade de resposta dos apontamentos da Controladoria-Geral é dos respectivos órgãos nas pontas.

Ao final de cada mês, o Planejamento assegura a realização de uma análise conformidade nos gastos. Cujo resultado segue para os responsáveis em caso de inconformidade para os devidos esclarecimentos e correções.

Ao custo de R$ 53,4 milhões, a pasta planeja licitar um novo sistema de processamento da folha com capacidade de higienizar a base de dados dos servidores, gerando a economia inicial de 3% dos pagamentos mensais. Secretaria de Saúde, Detran e Corpo de Bombeiros não se pronunciaram, até o fechamento desta reportagem.

Ponto de vista

“Este é o exemplo claro de descontrole do Estado brasileiro. Se pagamentos de benefícios suscitam dúvidas jurídicas, nesta proporção, comprovam que o Estado não tem mais o controle. Hoje os impostos ”, afirma o consultor político Valdir Pucci. O descalabro orçamentário vitimou Rio de Janeiro e o Espírito Santo. Ambos quebraram.

Na avaliação do especialista, o Executivo hoje existe apenas para se auto-alimentar na folha e precisa ser reinventado com foco nos investimentos para a sociedade.

Por exemplo, a partir das tabelas do Governo Federal, R$ 231 milhões poderiam custear a construção de 17 escolas com 12 salas, 124 creches para 220 crianças e 100 unidades básicas de saúde.

Para Pucci, este não é um drama com mocinhos e bandidos. Por um lado, servidores precisam se conscientizar das limitações da coisa pública. “É preciso ter consciência de que o que é plenamente legal pode ser moralmente questionável”, diz.

Por outro, o governo gasta mal os recursos disponíveis e não consegue negociar consensos. A curto prazo, Pucci sugere o ataque cirurgico dos pontos nebulosos mais gritantes. “O processo de médio e longo prazo passa pela revisão da legislação e das bases do Estado, equilibrando os interesses, principalmente os da população”, completa.

Mas Pucci desconfia da capacidade da gestão Rollemberg para a superação deste desafio.

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