Menu
Brasília

Colônia Agrícola vira uma farra de divisão de lotes

Arquivo Geral

26/01/2017 7h00

Parcelamentos, todos irregulares, elevam a 10 mil população de área de Taguatinga. Até ex-deputado que já foi preso por grilagem opera lá. Foto: Hugo Barreto

Eric Zambon
[email protected]

O mato alto e as cercas improvisadas da Colônia Agrícola 26 de Setembro, em Taguatinga, escondem um negócio lucrativo envolvendo terrenos da Terracap e até parte da Floresta Nacional (Flona). A área de 997 hectares nasceu como um assentamento, em 1996, de famílias sem-terra, mas se tornou um balcão de vendas com participação de políticos e autoridades do governo. As terras foram parceladas irregularmente e, agora, a população local supera os 10 mil habitantes, conforme a Terracap. Não à toa, a região recebe o apelido de Vicente Pires II.

O ex-deputado José Edmar, preso em 2003 sob acusação de ter participado de quadrilha de grilagem no DF, é uma figura ilustre na comunidade. Sua chácara no núcleo rural Cana do Reino, em frente à 26 de Setembro, é permeada de terras divididas irregularmente. São casas de diferentes portes, cercadas toscamente e que servem de abrigos a várias famílias. No espaço apontado por vizinhos como a “residência” de Edmar, há um boteco e uma casa de alvenaria, supostamente ocupada pelo caseiro da propriedade. No restante da terra, há apenas muito mato.

O Jornal de Brasília foi ao local e não encontrou ninguém, mas constatou a presença de milhares de folhetos relativos a uma Proposta de Emenda à Constituição (PEC) sugerida por Edmar em 2008, quando ocupava o cargo de deputado federal. Tanto o boteco quanto a casa tinham sinais de uso, como garrafas e latas de cerveja vazias e quatro cães, todos com ração e água à disposição.

Atualmente, José Edmar está lotado no gabinete do deputado distrital Lira (PHS), um dos defensores da colônia agrícola. O parlamentar já propôs audiências públicas para debater a regularização da 26 de Setembro e criticou as ações da Agência de Fiscalização (Agefis) na região e em outras áreas em processo de obter documentação.

O JBr. tentou contato com Edmar por telefone ao longo de dois dias e deixou recado em seu local de trabalho, mas não conseguiu alcançá-lo. Lira também não foi encontrado para falar a respeito da situação na 26 de Setembro.

Outro defensor da regularização das terras é Hélio José (PMDB), suplente de Rodrigo Rollemberg no Senado Federal. Ele foi apontado por moradores da região como dono de um dos lotes cercados de gambiarras em postes de energia e cercas rústicas na colônia agrícola. A informação foi negada pelo senador. “Não tenho nenhuma propriedade! Mas defendo os justos direitos do povo do 26 de Setembro, que não podem ser perseguidos”, respondeu, acrescentando que as derrubadas promovidas pela Agefis foram “terrorismo”.

Figuras públicas presentes

Presidente da associação de moradores da região, Gilberto Camargos destaca que a presença de figuras públicas por trás dos lotes é de conhecimento da vizinhança. “Ter os deputados ali é indiferente, até porque poucos colocam o nome nas chácaras. Eles compram para poder ganhar dinheiro. Tem deputado, tem pessoas do governo, diretores da Agefis. Todo mundo tem lote ali”, denuncia.

Camargos diz ter uma creche, que atenderia a 50 crianças gratuitamente, e ser dono de uma propriedade na região, apesar de morar em Vicente Pires. Ele afirma não ser possível falar em invasão ou grilagem, pois o assentamento foi criado antes da transformação daquele espaço em parte da Floresta Nacional, em 1999. Ele admite, no entanto, a existência de parcelamentos irregulares, que seriam os alvos das operações.

O líder comunitário, porém, critica a ação do governador Rodrigo Rollemberg. “Enquanto senador, ele fez uma audiência pública em prol da regularização. Por que está investindo nas derrubadas agora?”, questiona. Camargos especula que a área está se tornando nobre e, por isso, atrai “interesse de construtoras”. “Mas é impossível tirar o pessoal de lá”, diz.

Conforme a Agefis, em 2016, foram desocupados quase 108 mil m² de área. A agência reconheceu que “os moradores insistem em continuar ocupando o local” mas garantiu continuar monitorando.

Versão oficial

A Agência de Desenvolvimento (Terracap) informou que “a parte da Terracap está em processo de transferência para a União”. Segundo a empresa pública, a Colônia Agrícola 26 de Setembro teria se transformado em Unidade de Conservação da Floresta Nacional (Flona 2) em 1999, ou seja, três anos depois de o assentamento promovido pela gestão de Cristovam Buarque. O Instituto Brasília Ambiental (Ibram) informou haver “nascentes importantes” na área e, por isso, “como membro do Comitê de Governança do Território, segue acompanhando a questão de forma integrada com outros órgãos do governo”. O Instituto Chico Mendes também seria dono de terras na região e informou que “não existe nenhum processo” para abrir mão disso.

    Você também pode gostar

    Assine nossa newsletter e
    mantenha-se bem informado