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Brasília

Caso João de Deus: saiba como funciona a área onde pacientes são atendidos

Arquivo Geral

12/12/2018 17h27

Casa Dom Inácio de Loyola, onde o médium João de Deus recebe pacientes. Foto: Myke Sena/Jornal de Brasília

Jéssica Antunes
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Os voluntários da Casa Dom Inácio de Loyola, em Abadiânia (GO), onde o médium João de Deus faz atendimentos espirituais há quase meio século, rechaçam o escândalo de abuso sexual denunciado por mulheres em todo o País. Eles usam a própria experiência de décadas de serviços prestados para garantir que atendimentos individuais não são realizados. O Jornal de Brasília teve acesso à área onde os pacientes são recebidos pelas entidades.

O centro espírita recebe 2 mil pessoas semanalmente, em busca de cura espiritual. Quando chegam, elas ficam em um grande salão coletivo e são divididas para acesso às salas de atendimento, onde cabem cerca de 350 pessoas. O local, separado em três áreas, tem paredes pintadas de azul, luz baixa, som ambiente, florais, cristais, imagens de santos e do próprio João de Deus, bancos de madeira e poltronas que cercam todos os cômodos. A orientação é que braços e pernas sejam mantidos descruzados, celulares desligados, silêncio absoluto e olhos fechados – alguns chegam a usar tapa olho para auxiliar. Idosos, adultos e crianças ocupam o mesmo espaço. Há uma sala, chamada de enfermaria, com camas e dois voluntários a postos.

Quem senta nas poltronas é designado pelas entidades para fazer um trabalho mais profundo de corrente de oração. A explicação é que a pessoa se doa para receber energia do plano espiritual e ela pode permanecer ali por até oito horas, ou “quanto aguentar”, como explicam os voluntários. Dentro da sala, funcionários da casa andam de um lado para o outro fazendo a orientação para orações. Em certo momento, pede-se que as mãos sejam colocadas em cima do local da enfermidade, quando conhecida. No fim, os pacientes rezam uma Ave Maria e são dispensados. No meio tempo, tem gente que chora, que geme, que reza aos sussurros.

Hospital espiritual

Conforme a crença espírita, um hospital espiritual funciona naquele lugar. “Ficam circulando entidades médicas e enfermeiras. Já na fila, elas percorrem os pacientes e identificam o motivo de estarem aqui. Por isso às vezes é rápido e sequer há troca de diálogo”, explica Cláudio José Antônio Pruja, 61, que trabalha como voluntário há 21 anos. De acordo com ele, não há necessidade que João incorpore os espíritos. “As pessoas precisam vê-lo para acreditar, mas geralmente funciona como placebo porque a casa funciona normalmente quando ele não está aqui. São as entidades que trabalham. João não cura ninguém, ele é instrumento da espiritualidade e por isso incorpora”, continua. Sem a presença do médium, o número de visitantes diminui.

“Todo o atendimento é feito assim, no meio de todos, inclusive as cirurgias espirituais. Não há atendimento individual. O trabalho é muito sério”, defende a voluntária Luciana Souza, 30 anos. Natural de Salvador (BA), ela chegou à casa há oito anos com uma neuropatia. Ela relata que mal podia andar e foi curada pelas entidades que atendem ali.

“Eu sentia muita dor e estava perdendo o movimento das pernas. Foram dez meses de tratamento, lutando para eu conseguir limpar toda essa carga que estava comigo. Sou muito grata a essa casa. Minha mãe também foi curada de câncer de mama. Nós somos a prova viva”, conta.

Luciana acredita que “quando tudo for provado pela Justiça haverá um acerto de contas” e pede “respeito à missão”. “Eu acredito em uma luta eterna entre a luz e as trevas e João de Deus sempre foi perseguido por outras religiões”.

Responsável por organizar as filas para entrada dos pacientes na sala de atendimento, ela esclarece que raramente são necessárias intervenções, mas as pessoas pedem porque “precisam sentir dor para acreditar que está acontecendo”.

Denúncias de abuso sexual não abalaram a fé dos seguidores de João de Deus. Foto: Myke Sena/Jornal de Brasília

 

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Medicamento a R$ 50

Todo o procedimento é gratuito. Dentro da casa de João de Deus, somente os medicamentos ou as águas fluidificadas são custeadas pelos visitantes. Segundo as informações do centro, os receituários dos remédios são realizados pelas entidades, em uma folha de papel, com alguns riscos. Cada tubo custa R$ 50 e dura cerca de 40 dias. “Tomar o remédio significa receber energia. Não se deve misturar porque são específicos para cada paciente”, explica Cláudio José Antônio Pruja.

Quem toma a medicação não pode comer pimenta nem ingerir qualquer tipo de bebida alcoólica. Por isso, nas proximidades do centro, a especiaria sequer é ofertada nos restaurantes. Para acesso a álcool, é preciso chegar até os comércios próximos à rodovia. Os atendentes alertam que o tratamento espiritual é complementar ao médico, que jamais deve ser abandonado.

Entenda o caso

João Teixeira de Faria é acusado de abusar sexualmente de mulheres durante atendimentos espirituais. Segundo o Ministério Público de Goiás (MPGO), o médium conhecido como João de Deus já vinha sendo investigado pelo órgão desde o primeiro semestre de 2018, quando a procuradoria de Abadiânia começou a receber as primeiras denúncias, encaminhadas à diretoria Geral da Polícia Civil, que deu início ao inquérito em outubro. O escândalo veio à tona no último fim de semana, quando os primeiros relatos foram divulgados pelo programa Conversa com Bial e pelo jornal O Globo.

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