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Histórias da Bola
Histórias da Bola

Cacalo

Willian Matos

24/05/2019 11h09

Logo nas primeiras rodadas do iniciante futebol profissional do DF, o meia Banana, do Taguatinga Esporte Clube (disputou os primeiros jogos como Pioneira), tornou-se o ídolo da galera – que não demorou a pintar nas arquibancadas do Pelezão agitando folhas de bananeiras. Meses depois, surgiu um goleiro usando gravata, boné, bermuda extravagante, todo fora do contexto até então conhecido pelo futebol candango. E tornou-se a nova atração.

Cacalo, era o cara. Defendia o Flamengo, um time formado por sargentos que serviam no Hospital das Forças Armadas. De repente, lá estava ele no alambrado, autografando guardanapos para torcedores e atendendo mães, que levavam filhos pequenos para conhecê-lo. Lembrava um programa de TV.

Luís Carlos Barreto Siqueira, o verdadeiro nome da fera, era um cearense fora dos padrões, também, de altura e porte físico dos homens de sua terra. Alto e forte, saíra de Fortaleza, em 1951, aos oito anos de idade. Em seus primeiros tempos de Brasília já era extrovertido. E ser profissional de futebol não esteve em seus primeiros planos.

Cacalo cursava o quarto semestre da faculdade de administração, enquanto defendia o time rubro-negro candango. Antes daquilo tudo, fora coroinha e pensara em ser padre. Se bem que gostava dos pretos velhos dos terreiros de umbanda, também, como o Pai Thomaz. Talvez, influenciado pelas obras que lia de Jorge Amado –  Machado de Assis era uma outra predileção.

Ser ator foi uma outra opção de Cacalo. Chegou a fazer curso de expressão corporal. Mas o futebol estava em seu sangue desde garotinho, quando rolava a bola pelas quadras poeirentas da nascente Brasília. A sua primeira posição, no entanto, não foi debaixo das traves, mas na zaga do time da categoria “dente de leite” do Defelê. Recuou por causa daquela manjadíssima história: um dia, faltou o goleiro, e ele fechou o tempo, improvisado. Dali por diante, o treinador Ayrton Nogueira não lhe permitir mais tirar a camisa 1.

Em 1969, Cacalo era juvenil de um time chamado Carioca. Foi convocado para a seleção brasiliense que disputaria o Brasileiro da categoria, em Santo André-SP, mas os dirigentes da equipe não gostaram do seu espírito brincalhão e o dispensaram. Sobre aquilo, ele contou ao repórter Lúcio Leal, do Jornal de Brasília. “Os cartolas não me prepararam para ter um comportamento adequado à situação”.

Decepcionado pela dispensa, Cacalo passou a defender um time peladeiro da SQS 414, o ABC. Foram três temporadas. Tempinho depois, visitou Salvador-BA, pelo Projeto Mauá. Quando jogava umas peladas, recebeu um convite para fazer testes no Esporte Clube Bahia. Como o clube não se decidiu pela sua contratação, voltou para Brasília. Ao final de 1974, a turma do futebol do Cruzeiro o convidou para bater uma bolinha com eles. Ficou sendo o terceiro reserva.

Com o surgimento do I Campeonato Brasiliense de Futebol Profissional, em 1976, o time do bairro do Cruzeiro apareceu com o nome de Flamengo. E o seu goleiro titular, Arnaldo, era um dos melhores da disputa. Mas, como  era militar e o futebol, para ele, só uma distração, tudo colaborou para surgir uma oportunidade e Cacalo entrar no time, para não sair mais.

Durante uma visita à Editoria de Esportes do Jornal de Brasília, em bate-papo com Lúcio Leal, o goleirão concordou que vinha sendo um “Chacrinha do futebol”, em alusão ao comunicador-bagunceiro da TV, Abelardo Barbosa. Enquanto este distribuía bacalhau, carne seca, tomate, etc ao seu auditório, Cacalo oferecia bolas, gravatas, luvas e flores aos torcedores. Tudo bancado pelos Cr$ 800 cruzeiros que ganhava.

“Meu amigo Lúcio (Leal), tenho a capacidade de despertar o torcedor de onde eu estiver. Isso só não aconteceria, se eu perdesse a voz”, afirmou ele ao repórter do JBr.

Cacalo estudou as quarta e quinta séries do já extinto curso primário das antigas Escolas Parques de Brasília. O ginasial foi feito no Caseb, onde foi titular do gol em quatro disputas de jogos intercolegiais do DF. Certa vez, em partida entre calouros e veteranos do colégio, fez uma ponte cinematográfica e saiu correndo, para entregar a bola, na tribuna de honra, ao diretor. Enquanto a torcida aplaudia, os  professores entenderam o ato como uma indisciplina, e ele só não foi expulso do colégio devido a um abaixo- assinado pelos colegas. Em qualquer momento, Cacalo era assim: um showman.

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